terça-feira, 29 de março de 2011

Tareia intelectual: Ray Comfort e "The Atheist Experience"

Ray Comfort é um dos grandes teleevangelistas americanos. "The Atheist Experience" é um programa dedicado a religião, ciência, cepticismo e até filosofia. Ver o abismal contraste de intelectos é triste mas delicioso.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Poema inédito de Alberto Caeiro

É com uma honra daquelas mesmo grandes que divulgo um poema inédito de Alberto Caeiro, poeta conhecido por existir dentro da cabeça do Fernando Pessoa. Siga:



Isto é uma flor
Uma flor
Olha! Uma flor
Até há uns segundos tinha uma flor na mão
E agora?
Agora também tenho uma flor na mão e acho que é a mesma
A flor é linda, as árvores também, e os regatos
Os regatos são lindos
E eu fico a olhar para eles
Porque gosto de regatos.
Um regato! Tão lindo.
O regato
É um regato que tem água
E a água mexe-se sozinha
Cristalina como o sol
E dizer mais seria filosofar demais
Eu não gosto muito de pensar muito
Porque me faz doer a cabeça
Eu gosto de sentir a relva debaixo do rabo
E passo muito tempo de rabo na relva
Ela é linda, e macia
E eu sou como ela
E como o regato
Olha!
Tenho uma flor na mão!
Que linda que é esta flor!

quinta-feira, 24 de março de 2011

Cuidado com a desinformação

Hoje abri o Facebook e vi dois links de duas pessoas diferentes para duas fraudes igualmente hilariantes. A primeira, que aliás já referi aqui, é o "trabalho" de um cientista japonês que (só e apenas ele e a sua comunidade de especialistas em Medicina Alternativa) descobriu que a água responde a estímulos humanos como a música ou as palavras bonitas. A segunda, um link para uma "notícia" que nos informava da morte de uma mulher que comeu camarão e Vitamina C e que, ao misturar estes dois elementos, produziu-se no seu estômago uma forma de arsénico natural que a vitimou.

As pessoas vão colocando este tipo de conteúdos na Internet com ávido interesse e vontade de partilhar com os amigos; e assim se multiplica informação errada. O primeiro caso é uma simples fraude científica; o segundo, uma mentira fácil de comprovar e que vai circulando pela net em forma de e-mail. A quem tiver dúvidas, sugiro uma pesquisa decente sobre os dois assuntos. Parece-me lógico que quem partilha estes conteúdos não perde cinco minutos a perguntar-se a si próprio se aquela "notícia" mirabolante e fantástica será mesmo verdade; e volta a partilhá-la, com aquele fascínio infantil do miúdo que vê o ilusionista a retirar um coelho da cartola.

Já defendi aberta e longamente uma perspectiva realista e racionalista do universo aqui neste blog, e não quero de todo perder tempo a repetir a ladainha. Lanço apenas um apelo à curiosidade genuína e à criação da dúvida. Confirmem as coisas antes de as apregoarem a toda a gente que conhecem. Assim evita-se que má informação ganhe terreno, e luta-se por uma sociedade mais informada. Temos, com a Internet, a possibilidade de levar a educação sobre uma série de assuntos a uma infinidade de pessoas. Aproveite-mo-la como deve ser, pelo amor de deus.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Jovem sofredor

O Jovem levantou-se da cama, esperguiçou-se e coçou o rabo. Saiu do quarto e foi até à cozinha, onde o pai lia o jornal sobre um prato com torradas e a mãe, de roupão, fazia café.

- ‘Dia – disse o Jovem.

- Bom dia, filho.

- Sabem, tomei uma decisão.

O pai observou-o do topo da secção de desporto e a mãe pousou a chávena de café sobre a bancada.

- Quero um emprego.

O pai e a mãe entreolharam-se.

- Eu acho óptimo, querido – disse a mãe.

- Sinto que está na altura de a sociedade me dar valor. Sabem, porque sou especial – o jovem puxou para si uma torrada e mordeu-a – E vocês sabem como isso é verdade.

- Claro que sabemos, filho – disse a mãe.

- Aliás, eu penso que já não era sem tempo – comentou o pai – Desculpa, mas é verdade.

- Tu sabes perfeitamente que eu estava ali a qualificar-me – disse o Jovem – Isso dá trabalho.

- Claro que sim, claro que sim – disse a mãe, bocejando – Desculpa, querido, mas tenho de ir trabalhar. Ficas bem?

- Podes dar-me doce?

A mãe tirou um frasco de doce do frigorífico e estendeu-o ao filho.

- Também vou – disse o pai, dobrando o jornal e limpando-se ao guardanapo.

Os pais saíram de casa e o Jovem terminou calmamente a sua torrada. Depois foi para o quarto observar o seu diploma, um papel lindíssimo com um selo que reflectia a luz do candeeiro. Depois foi um pouco para o Facebook, comentar com os colegas a sua complicada situação. Depois vestiu-se, agarrou no megafone, e reviu os seus gritos de ordem para a manifestação dessa tarde.

Não ia parar de se esforçar para sair da sua situação precária. Nunca desistiria. Até o meterem a trabalhar em alguma empresa, onde lhe dessem festinhas no cabelo e lhe oferecessem doces e elogios, nunca desistiria. Respirou fundo e saiu de casa, preparado para outro dia no mundo real.

quarta-feira, 2 de março de 2011

O tipo que escreveu o filme

Scott Myers, no seu blog sobre escrita de argumentos, levanta uma questão ignorada mas pertinente. Na última cerimónia dos Óscares, nenhum dos actores galardoados pelas suas interpretações fez questão de agradecer aos argumentistas dos filmes onde participaram.
Normalmente esta é uma não-questão. Conhecidos ficam os nomes sonantes nos cartazes e, com sorte, os realizadores. Mais abaixo, aparecem os outros técnicos, como os directores de fotografia (que muita gente nem sabe para que servem) ou os montadores. E, nas profundezas abandonadas da cadeia alimentar, os argumentistas. A única pessoa cujo trabalho é de facto criativo, e que molda a ideia e a história que conduzirá e condicionará o trabalho de todos; mais particularmente, uma vez que falamos nos actores mal agradecidos, são os argumentistas que tecem as relações entre as personagens, que as inventam, que as desenvolvem, que lhes escrevem os diálogos e as reacções. Um actor, com todo o respeito, é um mero intérprete. A personagem, boa ou má, existe para além e antes dele. Existiu na cabeça do argumentista muito antes de ganhar forma no ecrã.
Trata-se de uma grave deficiência da parte dos actores mas também dos espectadores, que pouca importância dão aos argumentistas mas que são os primeiros a elogiar as personagens, esta ou aquela cena, ou mesmo diálogos e falas memoráveis. Esquecem-se do verdadeiro autor dessas maravilhas, por ignorância e por negligência.