domingo, 30 de maio de 2010

A Lena ganhou sozinha?

Quem viu a Eurovisão ontem? Eu vi, gosto de assistir a humilhação voluntária, especialmente para toda a Europa. Para variar, a nossa música ficou brilhantemente colocada (a ¾ da tabela). Parabéns Portugal!
A música vencedora, “Satellite”, é uma coisa pequena e agradável que, apesar de não ser particularmente inteligente nem arrojada, fica no ouvido e resulta. O meu problema está na forma como a música foi dada como vencedora.
O troféu é entregue à intérprete, uma miúda que parece ter 12 anos e tem um sotaque irritante. É ela quem recebe todos os aplausos e honras do público. Pergunto: onde estão os autores da canção? Onde está quem a compôs, e quem lhe escreveu a letra? Para quem votou na música porque gostou realmente dela, deveriam ser esses os heróis da noite. Há uma tradição de dar a quem canta todas as atenções e borrifarmo-nos completamente para as verdadeiras mentes criativas e artísticas por detrás de qualquer sucesso.
A mesma coisa acontece no mundo do cinema. O realizador e os actores são venerados como as cabeças mestras de qualquer filme, e toda a gente se esquece de um senhor chamado argumentista. Sem argumentista não havia "aquela personagem" ou "aquele diálogo/ fala espectacular". Não haveria história, enredo, ou personagens. O realizador concretiza e o actor dá vida, mas a personagem e a história de que gostamos saíram da cabeça de um gajo com um portátil à frente, da mesma forma que a última música "da Beyoncé" ou de qualquer outro intérprete é o resultado criativo do trabalho de alguém a quem ninguém nunca vai dar o reconhecimento merecido. Faz parte do romantismo da coisa imaginar o nosso actor ou cantor favorito e não um anónimo qualquer quando pensamos nos objectos artísticos que nos inspiram, mas nada podia ser mais injusto da nossa parte. É assim o maravilhoso mundo artístico.
.

sábado, 29 de maio de 2010

Música Pop para nerds como eu? Não é possível!

É pois.


.

Como os conservadores sabem o que é realmente importante

As notícias da birra da direita católica começam a aparecer depois de Cavaco Silva ter desapontado meio país (gosto de pensar que não foi a maioria) ao não vetar a lei do casamento homossexual. Aliás, o seu beicinho prolonga-se agora de tal forma que já procuram uma “alternativa” a Cavaco Silva para as próximas eleições presidenciais.

Esqueçam tudo o que o homem fez como Presidente da República nos últimos anos. Quem quererá saber disso? O importante mesmo é manter a homofobia intacta, e não podemos ter um idiota que vai contra as suas convicções católicas infundadas

Normalmente os Presidentes e figuras do Estado perdem eleições quando fazem disparates, ou quando violam direitos humanos; não quando ajudam a implementá-los.

***

E na mesma notícia, testemunhamos a idiotice ignorante de D. José Policarpo:

"Sabemos a fragilidade do veto político na nossa actual Constituição, mas ele (Cavaco Silva), pela sua identidade cultural e de católico, precisava de tomar uma posição pessoal. O veto político era a sua afirmação pessoal."

Sim, claro; e exactamente por ser uma afirmação pessoal não tinha nada de acontecer. Desde quando os vetos são decididos pela "posição pessoal" de quem governa? É só este o critério? D. José Policarpo diz isto, claro, porque Cavaco concorda com ele e não é islâmico, ateu, ou simplesmente a favor do casamento homossexual; porque se o fosse, Policarpo com certeza já não estaria à espera de uma "afirmação" pessoal mas sim de um veto fundamentado e imparcial como os vetos devem ser.

Caro D. José Policarpo: há pessoas em Portugal que acham que a "identidade cultural e católica" do Presidente pouco pesa quando comparada com a importância desta legislação; e a propósito, nem toda a gente tem a mesma identidade católica que o Presidente da República. E porque o Presidente é de todos e não só de vós culturalmente católicos, convém se calhar proteger as minorias da vossa tirania ideológica.

Religião: há dois mil anos a dificultar a vida de quem quer levar o mundo para a frente.


(notícia original: http://tv1.rtp.pt/noticias/index.php?t=Direita-procura-candidatura-alternativa-a-Cavaco-Silva.rtp&article=348559&visual=3&layout=10&tm=9 )

.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Um dia de sol no Atlântico Sul

Havia uma velhota a flutuar em cima de um barquinho. O barquinho era de borracha, insuflado, e ia perdendo ar. À sua volta, em todas as direcções, estendia-se o oceano atlântico. Azul escuro, espelhando o sol, como um enorme planalto de gelatina em movimento. A velhota abriu o casaco de malha, despiu-o, dobrou-o com todo o cuidado como se estivesse em casa a arrumar a roupa que passara a ferro e colocou-o sobre a borda do barquinho. Olhou para cima. O Sol do meio-dia parecia derretê-la como a um gelado, secá-la como a uma febra na grelha. Tinha a pele feita num caco, e um escaldão enorme no pescoço e nos braços. O único pensamento na cabeça da velhota, equilibrada no centro do barquinho, era:

“O que terei feito ao meu neto, ao meu rico neto, para ele se ter zangado assim comigo?”

Onde estava o seu neto, agora que pensava nisso? Não sabia. Olhava à volta, com toda a calma. O pescoço doía-lhe mesmo, meu Deus! Virava-se em bloco, para um lado, para o outro, e nada. Só água e nenhum sinal do seu neto, do seu rico neto.

“Que água bonita!” pensou a velhota. Lembrava-se de viver num sítio muito longe dali (ou seria perto? Ou seria ali? Onde estava ela, agora que pensava nisso?) um sítio onde não tinha tanta água assim, toda junta daquela maneira. De repente lembrou-se de estar dentro de água, uma água mais doce e verde do que aquela. Lembrou-se do irmão nos seus calções, do cheiro a grelhados e a eucaliptos, do som dos cavalos e do sino da igreja. De onde viera então toda aquela água à sua volta? Onde era a igreja? Não sabia onde estava, agora que pensava nisso. Mas talvez se conseguisse encontrar a igreja poderia orientar-se, voltar para casa, pedir à mãe que lhe desse um gelado de limão. Mas onde estaria a igreja? Talvez lá dentro estivesse o seu neto, o seu rico neto.

Onde estava o irmão? Podia jurar que o tinha ouvido gritar “Salta, Amélia! Sua mariquinhas!”, e podia jurar que tinha saltado sim, e que agora estava dentro de água, no fundo do rio, de bochechas cheias como balões e os olhos fechados com toda a força, os braços estendidos e as pernas como as de um sapo, a patinhar, a patinhar, a patinhar. Veio ao de cima e toda a gente junto ao rio a aplaudiu, e o irmão saltou a seguir, e depois era hora de ir almoçar porque a mãe os tinha chamado.

O barco cheirava a plástico e borracha. Onde estavam os eucaliptos? Podia jurar que os tinha visto por ali.

“Meu neto, meu rico neto. Onde estás?” perguntou ela a si própria, ao mar, ou ao barco de borracha. “O que terei feito para o meu rico neto se ter esquecido aqui de mim?”

Ele viria buscá-la logo logo, tinha a certeza. Estaria ocupado com o trabalho, provavelmente. Tinha um emprego muito desgastante, era advogado, estava sempre a trabalhar, aquele rapaz! Ele viria buscá-la logo logo, ela tinha a certeza.

Ai, mas a noite anterior tinha sido tão bonita! Sentira-se uma rainha. O seu neto tinha-a trazido no seu carro até ao iate, tinha-a ajudado a subir os degrauzinhos, tinha-lhe dado o seu jantar favorito, que era muito melhor do que a comida do lar. Tinha-lhe dito que tirara o dia para estar com ela, com a sua avó querida. Disse-lhe que desde que os seus pais tinham morrido que se sentia sozinho, mais sozinho do que nunca e com imensas saudades dela, da sua avó querida. E que se a avó precisasse de alguma coisa era só dizer-lhe, sem hesitações, sem cerimónias nenhumas! A avó tinha chorado como uma madalena, tinha-lhe dito pobre rapaz, sozinho no mundo com a tua velha avó, fraca e encolhida. Olha para ti, sozinho sem pais, sem uma noiva, uma rapariga simpática que cuide de ti. Deixa lá meu rico neto, que quando Deus Nosso Senhor me levar para o Reino dos Céus, tudo o que foi meu em terra irá direitinho para ti, meu netinho, meu querido!

De maneira que agora (uma? Dez? vinte horas depois? O Sol ia rodando no céu e a velhota ainda não encontrara a igreja) a velhota ali estava, num barquinho de borracha, com mar à sua volta, só com mar à sua volta. O seu neto, o seu rico neto voltaria com certeza para a vir buscar, o pobrezinho. Era tão bom rapaz.

Triângulos negros apareceram de dentro de água, primeiro um, depois dois, depois vários, circundando o barquinho como os carros num carrossel. A velhota espreitou pela borda do barco.

“Que peixes bonitos!” pensou ela; e algures debaixo do seu corpo encolhido o barco de borracha começou a perder ar e a esvaziar-se.~

.

Segunda oportunidade

Odeio esta história (a sério), mas encontrei-a por aqui no baú e pode ser que alguém goste. Ou não. Cá está.

Ele tinha estado a chorar. Tinha os olhos esbugalhados, a roupa amarrotada. Estava deitado na cama, de braços abertos, a engolir golfadas de ar. O pequeno quarto onde vivia, e a pequena casa de banho, e a pequena porta para o pequeno corredor lá fora, estavam frios. Ele não podia pagar um aquecedor. Não podia. Da mesma forma que não podia chorar mais. Chorar mais não lhe ia trazer o emprego e a namorada de volta, pois não? Não; e isto fê-lo chorar ainda mais.

O vizinho de cima puxou o autoclismo, o que significava que todos os canos atrás das suas paredes começaram a chiar ao mesmo tempo. Gotas de água caíram do tecto empapado em bolor para dentro de um alguidar com água até meio, colocado em cima de um banquinho num dos cantos da sala. O papel de parede começava a descolar-se por causa da humidade. Lá fora, o comboio da uma e cinquenta e dois passou, fazendo o candeeiro e as louças tilintarem como moedas a cair ao chão.

Ele sentia-se miseravelmente mal. A sua situação preocupava-o, mas nada o preocupada mais do que ver-se ao espelho, e ver aquilo em que se tornara. Pensara durante horas a fio porque é que a sua namorada fizera as malas e desaparecera, deixando um bilhete curto e seco e as chaves do apartamento. Podia pensar durante toda a noite, se fosse preciso, e iria sempre encontrar outra desculpa; mas sabia perfeitamente que a culpa de tudo aquilo era dele.

A culpa de viver naquele apartamento incrível também era dele. Não podia pagar melhor; especialmente agora que perdera o emprego, o que também fora culpa sua. Não podia pagar nem o aquecimento, nem o canalizador, nem um fogão como deve ser, nem daqueles sabonetes hidratantes de fruta exótica que a sua namorada tanto gostava. “Tenho problemas de pele seca nas mãos, seu idiota”, dizia ela. “Se não as lavar com um sabonete daqueles começo a largar pele como uma cobra”. Ele pedira muitas desculpas, justificava-se apresentando-lhe o extracto de conta e o seu saldo negativo, mas ela mesmo assim não queria aceitar.

Agora já não tinha extracto bancário com que se assustar, graças a Deus. O banco fechara-lhe a conta.

Já era de madrugada e ele continuava a inventar justificações, chegando sempre à mesma conclusão: eram desculpas disparatadas. O mérito da sua situação era todo ele. Parabéns. O comboio das duas e cinco da manhã passou, agitou as loiças e os vidros, mas ele entretanto já adormecera.

Esta escuro quando ele acordou, e a primeira coisa em que reparou foi no silêncio. Não havia um único ruído à sua volta, e tudo era quente e confortável. Enrolado sobre si próprio como um pequeno bicho de conta, esticou a cabeça e tentou abrir os olhos. Não via nada. Sentia-se numa daquelas salas com gravidade zero, a flutuar levemente e sem preocupações. Tacteou com as mãos, e chegou à própria barriga.

Do seu umbigo saía um tudo grosso e enrugado, como um chouriço comprido e flácido. Tentou abrir os olhos outra vez e não conseguiu ver nada. Tentou virar-se, mas acotovelou-se contra uma superfície quente invisível que o parecia segurar, e não conseguiu mudar de posição.

Sentiu dois dedos, depois três, depois cinco, a agarrarem-lhe no alto da cabeça. Tentou olhar para cima, mas não conseguiu. Tentou contrariar o movimento, mas a mão que o agarrava virou-o com toda a calma e exactidão para uma posição diferente, e voltou a desaparecer.

Luz.

Uma porta abriu-se à sua frente, e um raio de luz fê-lo fechar os olhos. Ouviu sons abafados, vozes, sentiu-se a sair do canto quente e confortável onde estava e a sair para um lugar mais frio mas mais luminoso. A cabeça passara pela porta, agora eram os ombros. Sentiu-se completamente encharcado num líquido estranhíssimo. Máscaras azuis com olhos por cima olhavam pare ele, enquanto mãos feitas de látex o agarravam, rodavam, puxavam e amparavam.

Passaram os ombros, e o resto do corpo saiu pela porta como se tivesse sido cuspido para fora. Engasgou-se. Fez uma careta, viu a sala a rodar e sentiu ser deitado numa superfície de papel. Alguém lhe deu uma palmadinha nas costas, depois outra, depois outra, e aquilo que estava na sua garganta pareceu desaparecer. Gritou a plenos pulmões, e os olhos por cima das máscaras pareceram satisfeitíssimos.

Sentiu-se a ser transportado como um cesto de fruta, amparado por dois braços azuis fortes e seguros. Foi aterrar numa superfície carnal, e uma cara suada e despenteada olhou para ele com uns olhos castanhos enormes, cansados mas vivos e cheios de amor.

“Mãezinha”, pensou ele; e continuou a chorar.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Talvez seja por isto que ninguém liga nenhuma a D. Duarte

D. Duarte, aquele senhor de bigodes que tem um nome enorme e que inclui no currículo ser pretendente ao trono de Portugal, fez uma declaração fantástica ao Diário de Notícias que deve ser partilhada e analisada com cuidado. Diz o hipotético Rei:
Tornar obrigatório o ensino da educação sexual resume-se a dizer: forniquem à vontade, divirtam-se, façam o que quiserem mas com higiene. Praticamente é só isso, em vez de dar referências éticas e morais em relação ao desenvolvimento de uma sexualidade saudável. Ao mesmo tempo, desencorajam-se as aulas de educação moral e estamos a dizer que a moral não tem importância, que só a sexualidade livre é fundamental para a felicidade dos portugueses».
Não sabia que as aulas de educação sexual serviam apenas para dar autorização aos alunos para “fornicarem”! Talvez assim seja no mundo de D. Duarte, onde a imagem de uma turma de alunos em orgia sexual lhe deve fazer erguer os pêlos da nuca e abraçar a sua Isabelinha com pavor da modernidade. D. Duarte não está a criticar a educação sexual nas escolas, mas sim a falar de uma versão da mesma por ele inventada. A verdade é que a educação sexual teria como objectivo ensinar os jovens umas coisas pouco importantes e descabidas, como a utilização do preservativo, como evitar DSTs, ou a preparação de um planeamento familiar para evitar que os números de jovens mães continuassem a aumentar. Que outra coisa seria mais importante que a saúde de uma geração?
Ah, claro! A moral! Não sabia que havia “referências éticas” a serem tomadas em conta quanto à sexualidade; aliás, sempre tive esta ideia modernista de que a sexualidade é uma coisa natural, saudável quando feita com precaução, e desprovida de qualquer factor que a poderia rotular de “imoral”.
Pela mesma ordem de ideias, não deveríamos ensinar aos jovens que o álcool podem ter consequências negativas quando tomado regularmente e em excesso, porque falar sequer da questão seria incentivar a juventude à mais depravada bebedeira! E pior, deveríamos substituir as leis que protegem os menores da bebida com aulas de educação ética e moral para a bebida, de maneira a alertar consciências.
Agora a sério: que besta ignorante. Não precisamos de mais uma pessoa conservadora a acusar a sociedade de falta de moral e irresponsabilidade quando o que estamos a fazer é procurar a melhor maneira de aumentar o nível de cultura e educação dos nossos jovens. Admitamos: os jovens vão fazer sexo. Faz parte, é natural. Não será melhor investir em preparar os jovens para o saberem fazer com cabeça? Ao contrário do que D. Duarte possa pensar, ninguém vai sair de uma aula de educação sexual a dizer “Eu até estava a pensar nos enormes factores morais que uma relação sexual acarreta, mas como me falaram sobre preservativos e protecção da SIDA vou já já a correr ter sexo com vinte raparigas desconhecidas!”.
E a propósito: esta falsa dicotomia entre sexualidade e moralidade tem de acabar. Aliás, já acabou, só que ainda há dinossauros que não se aperceberam. Educar sobre sexo não é o mesmo que ser imoral, e retirar das escolas públicas uma educação moral (e religiosa) não é tirar importância à moral e incentivar à “fornicação”: é inserir educação para a saúde e retirar uma coisa que os meninos podem fazer na catequese.
Sim, D. Duarte: é possível uma pessoa ser moral e ética com os outros e ainda assim ensinar o seu filho a pôr um preservativo. Faz parte de uma coisa chamada “futuro”. Devia experimentar um dia.

.

domingo, 23 de maio de 2010

Fechem as vossas inocentes crianças em casa: os gays aproximam-se!

Eu sei, estou desactualizado; mas não tive oportunidade de falar sobre isto antes.

Cavaco Silva promulgou a lei que permite (a enorme perversão moral!!) o casamento entre pessoas do mesmo sexo; mas fê-lo quase a pedir desculpa. O que Cavaco basicamente diz é que não nos podemos distrair com estes assuntos menores, e concentrar as atenções na crise económica; e, a meu ver pior ainda, qualquer coisa como “há momentos em que a responsabilidade ética tem de substituir as convicções pessoais”.

Nop. SEMPRE a responsabilidade ética deve estar acima das convicções pessoais; porque se um Presidente da República tem o poder de, baseando-se numa convicção pessoal infundada, vetar uma lei preparada por uma maioria parlamentar há qualquer coisa errada com o nosso sistema. Se o fizesse, no entanto, uma coisa chamada democracia parlamentar iria corrigir o problema.

Neste caso, a responsabilidade ética era fazer o que Cavaco fez, só que simplesmente por uma questão de justiça e não porque devemos estar ocupados com outras coisas e por isso despachar esta fantochada dos direitos humanos. Cavaco sente-se a representar não todos os portugueses, como é seu dever, mas a representar aqueles que estão muito preocupados com a crise e que por isso lá autorizam as minorias a terem um direito ou outro. Assim casam-se e calam-se.

Começa, portanto, e de forma oficial, a espiral decrescente de imoralidade que irá destruir a sociedade e separar as famílias portuguesas!


.

A ver o Rock in Rio em directo: por favor alguém avise o Luís Represas que ele não sabe cantar

sábado, 22 de maio de 2010

Produzidas as primeiras células sintéticas

Basicamente, foi colocado material genético totalmente produzido em computador no núcleo previamente esvaziado de uma bactéria. E não é que a bicha se multiplicou e que, em algumas gerações, todo o funcionamento biológico e químico das bactérias-filhas era regulado pelo genoma produzido? Isto basicamente significa que poderemos “programar” bactérias e seres vivos unicelulares para “fazer” o que quisermos, como capturar CO2 da atmosfera, produzir biocombustível, e criar novas vacinas para doenças pequenas e desinteressantes como a SIDA.

Quando passar a paranóia a toda a gente pode ser que alguém repare que este é um dos mais importantes avanços de sempre na ciência.

.

O liberal em mim está com dores…

… mas tenho de ser absolutamente a favor da suspensão daquela professora de Mirandela que, num rasgo de ética profissional, decidiu expor-se toda despida nas páginas de uma revista vendida em todo o país.

A relação entre aluno e professor deve, a meu ver (e comigo sempre resultou assim), basear-se num respeito mútuo que é difícil quando as maminhas de um dos intervenientes são notícia nacional. Não me digam que as aulas desta professora serão as mesmas depois de os seus alunos, que aliás são todos menores de idade, a verem toda nua e poderem usufruir dessa visão para construir todo o tipo de piropos, piadolas ou desrespeitos à professora.

Esta professora acabou por destruir até alguma da sua credibilidade, uma vez que pousar para a Playboy (que muita gente vê como sendo uma “produção artística”; ieah, shure) não é propriamente valorizado senão pelos homens que com certeza adorariam ter tido uma professora daquelas e agora fazem esgotar a revista.

Não quero com isto dizer que as liberdades individuais das professoras devam ser limitadas. Se quiser andar nua, que ande; não precisa é de ser numa revista lida em todo o país.

.

O meu dia #2

Hoje esteve calor, e talvez por isso a minha cara tenha derretido nas bordas e caído no meio do chão. Não me chegava ter-me caído a cara, o que já de si é inconveniente, mas ainda por cima foi a meio de uma passadeira. Antes que pudesse evitá-lo, tropecei sobre ela, chutei-a para a frente e vi-a ser atropelada por um enorme camião. Insultei o camionista, mostrei-lhe um dedo. Ele viu, o camião parou, e o camionista saiu segurando um pé de cabra e gritando que me ia arrancar a cara à porrada. Disse-lhe que sim senhor, belo timing, e o camionista viu a minha cara a meio da estrada, com uma marca de pneu de camião entre o nariz e uma orelha, e soltou uma gargalhada. Uma senhora de uma mercearia ali ao pé, que se aproximara da porta do estabelecimento na esperança de ver pancadaria, riu-se também. Eu não. Perguntei-lhe se não ia pedir desculpas por me ter atropelado a cara, e o camionista mandou-me ir a um local e arrancou, ainda às gargalhadas.

Apanhei a cara, sacudi-a, olhei para ela. Ali estava ela, a minha cara, a identidade que conhecia de a ver no espelho todas as manhãs. Estava cheio de borbulhas, agora podia vê-lo, e para fazer tempo enquanto esperava pelo autocarro fui rebentando-as como quem usa aquele plástico das bolinhas onde se embrulham os televisores para passar o tempo. O autocarro nunca mais passava, por isso fiz sinal a um táxi.

- Que lhe aconteceu, homem? – pergunto-me o taxista, surpreendido por ver um tipo cheio de músculos e vasos à vista.

- Caiu-me a cara.

- Porra.

- A quem o diz.

- Isso não levanta uma série de perguntas e questões filosóficas sobre a identidade do indivíduo?

- Claro que sim, mas isso não é já, é mais tarde na história.

- Ui, peço desculpa.

- Não tem problema.

- Sinceramente não sabia que poderia estragar-lhe a história.

- Depois quando a escrever no meu blog eu apago esta parte.

- Vou aparecer num blog? – entusiasmou-se o taxista.

- Agora já não, porque vou apagar a parte em que revelou metade da moral da história logo no início. Se calhar se aprendesse a manter a boca fechada aparecia mais vezes citado em histórias e em blogues.

- Pode ao menos dizer que entrou num táxi e que o taxista se chamava António e que era muito atraente.

- Pronto, pronto, eu faço-lhe isso.

- É para mostrar aos meus filhos, eles vão adorar ver o pai num blog!

- Arranque lá com isso. Rua Cinco, por favor.

- Não se esqueça de dizer que estou mais magro. Para impressionar as senhoras.

O taxista António, que era gordo e borbulhento, arrancou finalmente, e só parou junto à Delegação Nacional para as Crises de Identidade. Sentei-me na sala de espera com a minha senha, vendo todo o tipo de pessoas com crises de identidade. Havia outras duas pessoas sem cara, um anão altíssimo com pelo menos metro e oitenta, e uma mulher loura e de arredondados contornos. Havia alguém que não sabia bem quem era, duas pessoas sem BI e outra que achava que era alguém que não sabia quem era. Senti-me mal, e apresentei-me. Todos me olharam com ar de quem tinha feito uma coisa extremamente desagradável.

- Acha bonito perguntar o nosso nome? Eu nem sou quem sou! Não entende o que significa estar numa crise de identidade? - perguntou uma senhora, visivelmente nervosa, e um senhor que deveria ser seu marido afagou-lhe o cabelo. Entretanto a senhora perguntou se era casada com o senhor, e o senhor disse que não sabia, mas que era possível, e que mesmo que se não fossem não quereria ela ir ali a um cantinho ver se chovia? E foram, trancando-se na casa de banho a ver se se descobriam.

Chamaram o meu nome. Cheguei ao gabinete de uma senhora daquelas frustradas, que trabalha nos arquivos bafientos em alguma sub-cave.

- Nome? – perguntou a senhora com uma voz monoc

- Que raio de pergunta é essa, para ser feita num centro de crises de identidade?

- O senhor quer reescrever o processo governamental para a obtenção de informações introdutórias administrativas?

- Parece entusiasmante, mas não.

- O senhor que ensinar-me a fazer o meu trabalho?

- Não, claro que não.

- Então pode dizer-me o seu nome?

Respondi-lhe educadamente. Ela tinha um enorme pisa papéis ao seu lado. Com gente desta não se brinca.

- Qual é o seu problema?

- Cai-me a cara. Não se nota?

- Ligeiramente. Pode mostrar-me um documento de identificação?

Mostrei-lhe.

- Ups.

- Então?

- Este documento está desactualizado.

- Está?

- Quem é este na fotografia?

- Sou eu.

- Mas você não se parece nada com o tipo na fotografia.

- Mas ou eu, garanto-lhe. Só estou assim porque me caiu a cara.

- Este documento de identidade não é válido.

- Então e agora?

- Agora significa que não tem outro documento de identificação. OU tem?

- Dá o cartão do MiniPreço?

- Não.

- E o da escola?

- Também não.

- Então nada feito.

- Não tem outro documento.

- Não.

- Está a dizer-me que não tem qualquer documento válido que comprove a sua identidade?

- Exactamente. Isso é mau?

- Oh, não, não se preocupe. Vamos ajudá-lo.

A mulher pegou no telefone que tinha ao seu lado.

- Estou, Marília? Liga-me ao departamento das Ilegalidades, por favor.

- Ilegalidades? – disse eu.

- Não sabe que é ilegal não ter um BI?

- Ouça, eu só preciso de repor a cara no seu devido lugar. Só isso.

- Tem até amanhã para se apresentar aqui neste gabinete com uma cara que corresponda à deste BI.

- Muito obrigado pela opotunidade – disse eu, agradecido, e caminhei corredor fora procurando alguém que me pudesse ajudar. Levava a minha cara no bolso, e ia mostrando-a às pessoas para indicar o meu problema. Conduziram-me até uma sala com materiais cirúrgicos e mandaram-me esperar. Minutos depois entrou um médico.

- Ora bom dia. Temos aqui um Anónimo, certo? Você está sem BI.

Expliquei-lhe tudo.

- Ah, vejo bem. Não se preocupe, vamos pôr-lhe a cara no lugar.

Respirei fundo, engoli um comprimido e senti-me anestesiado. Deitaram-me na poltrona e adormeci pacificamente. Acordei horas depois.

- EU peço imensa desculpa – disse o médico, assim que me viu abrir os olhos.

- Como correu a operação?

- Tecnicamente, foi soberba. Nunca fiz um implante facial com tanta facilidade.

- Que bom!

- Só que a sua cara estava inutilizável, cheia de marcas de pneus, e por isso utilizámos uma cara que tínhamos a mais nos Perdidos e Achados.

- Oh meu Deus.

- Era a última, não tínhamos mais. Aqui tem o seu BI actualizado.

Li o nome no cartão. Flávia Cassandra Silveira.

- Mas o que é isto?

- Foi uma senhora brasileira que se esqueceu cá da cara e do BI. Foi a sua sorte, senão não havia identidade para ninguém. Alegre-se, homem! Aliás, Fávia.

Chorei um pouco, devo confessar. No dia seguinte, mais recomposta, fui ao gabinete da mulher dos arquivos.

- Nome? – pergunto-me.

- Flávia Cassandra Silveira.

- Você é entroncada para uma mulher.

- É verdade.

- E não tem seios.

- Não, não tenho.

- O seu BI está actualizado. Pode seguir.

Segui. A minha namorada não gostou muito da ideia, diz que lhe faz confusão os lábios carnudos e as pestanas para cima. Eu cá já me começo a habituar a ser Flávia, nem que seja para ir às finanças ou à loja do cidadão tratar de qualquer coisa.

Sempre vossa,

Flávia Silveira

.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A Transmutação de Sara Pires

Sara Pires está com fome, e Sara Pires quando tem fome sai de casa, mete-se no carro, conduz até ao Pingo Doce mais próximo e compra uma ferradura de chocolate. Um enorme e comprido folhado gordurento recheado com chocolate. Sara Pires gosta, pelo que Sara Pires sai mesmo de casa, mete-se mesmo no carro, e conduz mesmo até ao Pingo Doce para comprar uma ferradura de chocolate.

Sara Pires, acrescente-se, é uma mulher adulta, e por ser adulta mas ainda jovem e disparatada, dedica parte da sua tarde a ir ao Pingo Doce comprar um bolo só porque tem fome. Aproveita e compra uma salada, atum, tomate e dois sacos de laranja, fingindo que a partir desse dia seguirá uma dieta equilibrada e saudável que a permitirá viver magra e elegante até aos oitenta anos. E, quando a sua mãe lhe ligar hoje à noite, vai dizer que comprou todas estas coisas verdes e com sementes, e sublinhar o facto de agora que tem um namorado estável, uma casa só para si e até um pequeno carro, estar finalmente a crescer para fora da pequena caixa da sua juventude. A mãe ficará orgulhosa, sem sequer saber da existência do folhado de chocolate.

Sara Pires paga tudo a dinheiro, não trouxe cartão. Gosta dos trocos no bolso, porque sente que assim tem as contas contadas e não se estica. Filosofa: um pedaço de cartão magnético abre-lhe caminho para gastar dinheiro a mais, porque um pequeno número verde e digital não provoca tanto impacto que o acto de estender moedas e notas palpáveis à senhora da caixa. Sara Pires paga tudo, já se disse; e sai com um saco de plástico a caminho do parque de estacionamento do supermercado.

Sara Pires aproxima-se do lugar onde deixou o carro, e é com alguma surpresa que em vez de encontrar o seu Fiat Punto amarelo dá-se de caras com um Lamborghini. Pára por momentos, olhando em volta. Tinha a certeza que tinha deixado o carro ali. A certeza absoluta; mas pelos vistos estava errada. Procura pelo resto do parque de estacionamento, mas não há nenhum Fiat Punto à vista. Começa a ficar assustada, desce de elevador até ao nível do supermercado e chama o segurança. Sara Pires leva o segurança até ao Lamborghini.

- Tem a certeza que deixou o carro aqui? – perguntou o segurança.

Sim, Sara Pires tem a certeza.

- Não estará enganada?

Não, Sara Pires não está.

- O seu carro estava aqui? Neste lugar?

Sim, estava, diz Sara Pires.

- Está a dizer que alguém levou o seu Fiat Punto?

- Exactamente – disse Sara Pires – E alguém colocou um Lamborghini no mesmo lugar. Não têm câmaras de filmar?

- Pode emprestar-me a sua chave, por favor? – pede o segurança, e Sara Pires obedece, e Sara Pires vê o segurança analisar as chaves, passar o polegar por cima do símbolo da Lamborghini presente no porta-chaves e enfiar a chave na fechadura do automóvel. Um pequeno clique denuncia o destrancar das portas, o Lamborghini está destrancado e o segurança olha para Sara Pires com pouca paciência.

- As suas chaves abrem este carro – diz o segurança, e Sara Pires não quer acreditar.

- Essas são as minhas chaves? – pergunta Sara Pires incrédula. Até se esqueceu-se do folhado de chocolate.

- Ouça, não me faça perder tempo – disse o segurança, levantando as sobrancelhas – Por favor entre no carro e siga caminho.

- Não é possível, onde está o meu Fiat Punto? – pergunta Sara Pires, olhando à sua volta, e não reparando que o segurança entra no carro, estende-se até ao porta luvas, procura e procura e regressa com os documentos do carro.

- Cá está – diz ele, e Sara Pires olha para os documentos que lhe são estendidos e vê a sua fotografia, o seu nome, a sua morada na documentação do carro. Sara Pires abre a boca.

- O carro é seu. Por favor, deixe-me trabalhar – diz o segurança, fechando a porta do carro e afastando-se com cara desconfiada. Que louca será esta que nem se lembra do seu próprio carro?

Sara Pires sabe que há qualquer coisa que está mal, mas entra no Lamborghini e respira fundo, soltando uma gargalhada. Sara Pires tinha um Fiat Punto, Sara Pires entra no Pingo Doce, Sara Pires sai de Lamborghini. Sara Pires roda a chave, acelera pelo estacionamento, o carro é espectacular e é dela.

Sara Pires chega a casa, e enfia uma embalagem de lasanha no microondas. Programa cinco minutos, e cinco minutos se senta a pensar o porquê de ter um carro desportivo. Terá sido uma partida, conclui. Mas de quem? DO seu namorado? Dos seus amigos? E porquê tão elaborada? Como lhe tinham trocado as chaves enquanto estava no Pingo Doce? Teriam rebocado o Fiat e colocado o Lamborghini no seu lugar? A logística da partida absorve-a, esqueceu-se do folhado do chocolate e vai agora ao microondas buscar a sua lasanha no seu recipiente de alumínio ordinário. Abre a portinhola, o vapor que de lá sai fá-la afastar a cabeça e quando se aproxima e tira o prato do microondas vê-se perante uma espectacular refeição de duas fatias de carne tenra, com um ligeiro tempero adocicado, uma batata assada elegantemente equilibrada num pedacinho de puré e a rematar uma folha de qualquer verdura desconhecida e aromática. Ali está a pequena construção gastronómica, no centro de um prato branco de porcelana, e Sara Pires pensa “onde está o alumínio?”

Sara Pires desconfia, primeiro da lasanha congelada e depois do seu juízo. Esta já não pode ser partida, pesa Sara Pires, reflectindo ainda que ela própria vira com os seus olhos e depositara com as suas mãos a lasanha no microondas, e que nunca tinha arredado pé de frente do microondas pensando no seu novo Lamborghini. A única explicação era ou um defeito da lasanha ou uma debilidade mental. Sara Pires preocupa-se. Estará louca?

Enquanto reflecte, Sara Pires cheira a carne, parece-lhe boa, prova e aprova. Está excelente, parece comida de revista.

***

Sara Pires ia ligar ao namorado, mas não sabia que tinha telemóvel. Só quando caminhou para o telefone manhoso e plastificado que tinha na sala é que o viu substituído por um maravilhoso Blueberry cor de rosa, com músicas super realistas que Sara Pires nunca ouvirá e jogos de grafismo estonteante que Sara Pires nunca jogará. Tem Internet e bluetooth. Por momentos Sara Pires esquece-se que acha que está louca, e brinca com o telemóvel até se lembrar que aquilo não era seu, e deixou-o cair levando as mãos à boca. A sua televisão, um cubo negro com dedadas no ecrã, era agora um LCD de gigantescas proporções, e Sara Pires procurou não chorar e agarrou no Blueberry e ligou para o namorado e Sara Pires chora, e o namorado atende, e Sara Pires diz-lhe

- Vem para já que acho que estou doida.

O namorado se Sara Pires voou pela cidade e estacionou o carro ao lado de um maravilhoso Lamborghini. Toca à porta, sobre de elevador, e bate à porta de casa e Sara Pires abre-lhe e solta um grito.

- Querida, o que se passa?

Sara Pires não respondeu, até porque não sabia. O homem, espectacular em atracção e sex appeal e bem vestido com roupas de marca que estava à sua frente podia ser um modelo televisivo, talvez uma estrela de cinema, talvez um modelo da Multiopticas com aqueles grandes olhos azuis e a barba aparada de anúncio; mas não era o seu namorado.

- Quem és tu?

- Querida, o que se passa?

Sara Pires olhou para ele sem saber o que fazer.

- Qual é a nossa música? – perguntou Sara Pires, porque Sara Pires sabia que se havia alguém que lhe daria a resposta correcta seria apenas e só o seu namorado, e não o muito giro e atraente, ainda que descontextualizado, modelo à sua porta.

- Aquela do Armaggedon, que eu nunca me lembro o nome. Sara, o que se passa?

Passava-se que o namorado de Sara Pires responderia exactamente aquilo, porque era realmente aquela a música e realmente aquele estilo descomprometido de não saber sequer o nome.

- Qual é o meu sabor de gelado favorito?

- Sara, pelo amor de Deus, estás a preocupar-me…

- Diz, caramba!

- Manga.

Sara Pires leva as mãos à cabeça. Confirma-se, é mesmo manga. Sara Pires está doida, só pode, e corre para a casa de banho sem ter consciência de que o corredor por onde agora corre já não é o mísero corredor sem janelas mas sim uma impressionante divisão aberta para um varandim com piscina e vista pela cidade. No entanto é a sua casa, sabe onde está a casa de banho e enfia-se nela, atirando-se contra a porta para a fechar. Sara Pires olha em volta, perguntando-se o que raio será aquilo, quem é aquele homem à sua porta e porque saberá a música e o sabor de gelado. Sara Pires lava a cara num lavatório com porcelanas finas, seca-se num toalhão turco importado e olha-se ao espelho; mas a Sara Pires que lá está e que olha para ela tem um cabelo louro, comprido, penteado, uma maquilhagem impecável, uns lábios carnudos, um decote pronunciado, um olhar plástico de lentes de contacto. Sara Pires pergunta-se porque está ali fechada na casa de banho, e Sara Pires pergunta ainda

- Qual será o meu nome?

Mas não sabe a resposta. Bonita como está pouco lhe importa, e a Sara Pires que não sabe bem quem é abre a porta e beija o homem atraente e bem vestido que a espera, e juntos vão para a piscina ver o pôr-do-sol.

.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Leiam já a nova história disponível no Trajectória Aleatória!

Era uma vez um rapazinho chamado Renato. O Renato anda na escola. O Renato tem teste amanhã. O Renato tem ideias para coisas para meter no blog.

O Renato reflecte para consigo.

O Renato sente-se responsável.

O Renato vai fazer os trabalhos.

FIM

.

domingo, 16 de maio de 2010

Momento de emoção: O Papa consegue repetir sons depois de os ouvir

Este é provavelmente o vídeo que mais me fez rir em muito, muito tempo.




A comoção despertada em Cavaco Silva por uma coisa tão minúscula como esta foi partilhada com certeza por muitos católicos, que ao mínimo avistar do Santo Padre se desfaziam em lágrimas de emoção. Realmente para um Papa que fala uma série de línguas dizer "Mariana" é a prova do seu carácter divino. Sim; há uma coisa chamada irracionalidade.

.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A religião é inofensiva #2


Um cartonista sueco foi atacado durante uma palestra sobre (ironicamente) liberdade de expressão. A beleza das imagens diz tudo.

E, a propósito, uma organização ligada à Al-Qaeda já ofereceu 100.000 dólares a quem matar o cartonista, com um extra de 50 mil se lhe cortarem a garganta.

Temos de manter o respeito pelas outras religiões e culturas. Quem somos nós para lhes dizer que estão errados? É a sua cultura!



terça-feira, 11 de maio de 2010

Isto é uma visita de Estado como outra qualquer

As hilariantes reacções das pessoas que viram o Papa ao vivo durante o dia somavam-se, mas a mais repetitiva era também a mais engraçada: “Ele parece mais simpático ao vivo do que na televisão”.
É giro ver como tudo o que o Papa tem de fazer é sorrir e acenar a uma multidão, desde que seja ao vivo, para levantar emoções e parecer logo muito mais simpático. Ouvi até uma jornalista descrever, num estonteante momento de objectividade jornalística, o sorriso do Papa como “sincero”.
Seja. O sorriso era sincero; mas tal como o Sousa Tavares disse e muito bem, o Papa e a Igreja precisavam exactamente disto: uma multidão a seus pés, sublinhando-lhe a simpatia e a caridade, e cantando alegremente à sua volta. Numa altura em que a ida do Papa a qualquer país (isto diz Sousa Tavares, e muito bem) levantara muitos problemas políticos em qualquer país europeu, a sua vinda a Portugal foi tão bênção para os católicos, que se sentiram como fãs da Madona à espera de um espectáculo, como para o próprio Papa, que hoje surgirá nos noticiários do mundo rodeado por uma multidão em delírio espiritual.
A propósito, queria agradecer a quem teve a brilhante ideia de dar a tolerância de ponto e que como consequência fechou muitas das escolas (publicas) da capital. A aula de Desenho dava-me mesmo muito jeito, sabem, porque tenciono obter uma educação. Deixem lá.
Mas esperem… Pessoas fãs de uma figura pública, que aguardam durante horas ao calor ou ao frio só para visualizar por momentos apenas o seu ídolo, e que no fim saem comovidos e emocionados do breve avistamento? Isso faz-me lembrar qualquer coisa!



segunda-feira, 10 de maio de 2010

O melhor para a criança

Carlos e Sofia conheceram-se quanto tinham quatro anos, e desde aí não se largaram mais. Pertenceram à mesma turma durante o primeiro ciclo, começaram a namorar no secundário, e aos vinte e três anos arranjaram um apartamento de 10 metros quadrados na zona mais manhosa da cidade. Ao todo tinham um sofá, uma mesa, uma cama e duas escovas de dentes, mas o frigorífico nunca estava vazio o suficiente para passarem fome. Foi mais ou menos na altura que Carlos arranjou um emprego razoável numa empresa de produtos alimentares que Sofia começou a vomitar por tudo e por nada. Foi à farmácia, urinou para cima do pauzinho, e quando os dois minutos acabaram e viu aparecer o sinal positivo sentou-se na borda da banheira a chorar e a rir ao mesmo tempo. Estava grávida.

A notícia apanhou Carlos desprevenido, e não se pode dizer que tenha ficado muito contente com o assunto. Pelo menos não de imediato. Sofia estava radiante. Fez um jantar especial, comprou uma garrafa de vinho, comeram ao som de música romântica e quando estava na sobremesa Carlos ajoelhou-se à frente de Sofia, levou a mão à barriga ainda encolhida e pensou que algures ali dentro estava um embrião feio e enrugado, que em breve cresceria para inchar a barriga da mãe e dali a uns tempos andaria a correr e a jogar futebol pela casa. Começou a chorar, Sofia também, e só se recompuseram para ligar aos seus pais a dar a notícia.

No dia seguinte Carlos saiu mais cedo do emprego e foi até uma livraria. Perguntou onde era a secção de paternidade, a senhora da loja disse-lhe que não havia tal coisa, e Carlos disse que ia ser pai, e que precisava mesmo de saber o que fazer com uma criança. A senhora indicou-lhe com o dedo uma prateleira pequena junto à secção de Medicina, cheia de livros com bebés e fraldas na capa. Carlos não sabia por onde escolher. Trouxe todo o tipo de literatura, na dúvida. Como tratar da higiene do bebé, doenças comuns nos recém-nascidos, o meu primeiro álbum, psicologia do adolescente. Quando estava na caixa pôs-se a folhear os livros, e encontrou na lombada de um dos volumes sobre partos problemáticos um pequeno anúncio que dizia em letras cor de rosa

VAI SER PAI? SABEMOS QUE ESTÁ ENTUSIASMADO… MAS NÃO SE ESQUEÇA DE CONTACTAR O CENTRO NACIONAL DE FORMAÇÃO PARENTAL. LIGUE JÁ 808 22 22 34 PARA SABER QUAL O CENTRO MAIS PRÓXIMO DA SUA ÁREA DE RESIDENCIA.

Carlos pagou os livros e levou o saco cheio para a paragem do autocarro onde se sentou a folheá-los. Estava a meio de um capítulo sobre cordões umbilicais quando o autocarro chegou.

Sofia ficou impressionada com ele, mas continuou a ver o seu catálogo de roupa para grávida onde desenhava uma circunferência a marcador à volta das peças que queria. O catálogo estava quase todo marcado com circunferências azuis. Carlos agarrou no telefone e ligou para o número, descobrindo que o Centro Nacional de Formação Parental mais próximo era, na verdade, a dois quarteirões de sua casa.

- Amanhã vou inscrever-me – disse ele, e Sofia beijou-o apaixonadamente. Passaram a noite a discutir sobre carrinhos de bebés, e na manhã seguinte Carlos foi até ao Centro. Era realmente perto, a cinco minutos de sua casa. Quando lá entrou viu uma pequena sala de espera com uma série de homens sentados e uma recepcionista atrás de uma secretária que o convidou a aproximar-se.

- Bom dia. Eu vou ser pai – disse Carlos com todo o orgulho.

- Bem vindo ao Centro Nacional de Formação Paternal. Preencha só esta pequena fichinha e já o chamamos.

Carlos sentou-se numa das cadeiras e preencheu a ficha com dados pessoais e informações sobre a gravidez da esposa. Passados alguns minutos um homem de óculos e calças verdes aproximou-se dos homens sentados e disse:

- Façam o favor de entrar.

Carlos entregou a ficha à senhora da recepção e seguiu os outros futuros pais para dentro de uma pequena sala com cadeiras e painésie enormes nas paredes, cheios de imagens de bebés e diagramas explicativos. Os futuros pais sentaram-se.

- Ora muito bom dia. Sejam bem vindos ao Centro de Formação Parental. Desde já os meus parabéns pela maravilhosa notícia que é a chegada de uma nova vida. Tenho a certeza que nos vamos dar muito bem, tendo uma coisa tão emotiva e importante que nos liga a todos. O meu nome é José Cartacho e serei o vosso formador.

O formador distribuiu uma série de folhas. Carlos olhou para uma das suas.

- O que acabei de distribuir é um índice geral da vossa formação. Terão vinte e duas aulas teóricas, e doze aulas práticas. O vosso exame teórico só poderá ser realizado quando tiverem terminado todas as aulas teóricas, e só poderão ir a exame final quando completarem as doze horas de formação prática. Compreendido?

Carlos ouvia com atenção, e escrevia algumas notas na sua agenda. O índice de aulas incluía “Anatomia Pediátrica”, “Teoria da Fralda”, “Biberão e seu aquecimento” e “Aspectos técnicos da montagem de carrinhos”.

- Escusado será dizer que convém estudar o bastante para passarem nos exames, e serem uns pais excepcionais. Mas pelas vossas caras vejo já que vai tudo correr bem. Começamos?

A primeira aula, “Considerações gerais sobre a gravidez”, foi elucidativa. Carlos tirou imensas notas, e quando regressou a casa contou a Sofia que o centro de formação era óptimo e que ia ser um pai maravilhoso.

As semanas passaram-se. Carlos adquiriu o livro teórico, com o qual acompanhava as aulas atentamente. Tirava notas, completando as informações do livro com as achegas do formador e dicas que seriam importantes no decorrer do exame. Pela décima nona aula, “Roupa a condizer e aspectos da estética infantil”, Carlos estava confiante nas suas capacidades e inscreveu-se para o exame com antecedência e sem medos.

Na véspera não dormiu. Leu o livro vezes e vezes sem conta, desenhou esquemas, e pediu ajuda a Sofia no estudo dos vários tipos de toalhitas higiénicas. Às nove da manhã estava ele e mais uma série de futuros pais no centro de exames, na mais nervosa expectativa. O examinador chamou-os, entraram para dentro de uma sala com computadores individuais e começaram o seu exame. Das vinte e cinco perguntas Carlos tinha a certeza que tinha errado pelo menos uma, e bloqueou o suficiente na questão sobre as chupetas para não conseguir responder. Suava abundantemente quando recebeu a folha com o resultado, no fim do exame. Tinha passado. Deu um salto para o ar, e correu à cabine telefónica mais próxima para ligar a Sofia. Ela chorou de emoção.

De volta ao centro de formação, o seu formador deu-lhe os parabéns, e preparou-o para as aulas práticas. A primeira temática, “Pegar, adormecer e transportar o bebé”, foi a mais delicada. Treinavam com bonecos de plástico, mas logo na primeira aula Carlos sentiu uma comoção imensa ao agarrar o seu boneco. Imaginava-se já com um filho verdadeiro, de carne e osso, que chorava e gritava o seu nome. Imaginava-o já a correr pela casa, a ir para a escola, a apresentar-lhe a namorada e a pedir-lhe aprovação para o casamento. Pediu uns minutos ao formador, e saiu até à casa de banho para se acalmar.

- Não sei se aguento tamanha pressão – disse Carlos a Sofia, à noite, quando procurava adormecer.

- Se passaste no exame teórico também passas neste. Tantos tipos irresponsáveis que tiram a Licença de Paternidade e tu não conseguias porquê?

- Mesmo assim… Estou nervoso.

- Cala-te e dá-me um beijo, vá.

Deram o beijo, mas Carlos demorou a adormecer.

O dia do exame chegou, e Carlos foi até ao centro de exames treinando mentalmente a limpeza da área genital e irritada. Quando chegou a sua vez e começou a prestar provas no teste do adormecer e do arroto, começou a ganhar mais confiança. Nos exames utilizavam bebés verdadeiros, e o seu, um bebé loiro e muito gordo, parecia calmo e tranquilo aos seus braços, arrotando com facilidade e adormecendo rapidamente. O examinador passou por ele e escrevinhou qualquer coisa numa folha de papel. Carlos pousou o bebé no berço e seguiu com o seu exame, entrando na sala seguinte com um sorriso confiante nos lábios.

A prova do carrinho correu-lhe mal. Chocou duas vezes com o carrinho de outros dos examinados, e por três vezes o bebé gritou de pânico ao sentir a roda do carrinho presa num dos obstáculos do circuito. O examinador nem sequer olhou para ele, e passou-o à sala seguinte com frieza. Carlos seguiu para a prova de mudança da fralda, mas o bebé que lhe calhou, um pretinho de olhos grandes, urinou-lhe em cima da camisola e agitou-se nervosamente, pelo que a fralda ficou mal colocada e deslizou pelas pernas abaixo assim que o examinador pegou no bebé ao colo para avaliar a prestação de Carlos.

Por esta altura Carlos estava tão nervoso e impaciente que entornou leite e deixou o biberão sobreaquecer na última prova, pelo que não pôde alimentar o seu bebé sem lhe queimar a língua. Sentiu-se enjoado e tonto, à medida que avançou para a sala de espera onde aguardaria o resultado. Poucos minutos depois o examinador chegou à sala, distribuindo pelos futuros pais as folhas com os resultados. Alguns pais estavam sorridentes, e um ou outro levou a mão à cara. Chegou a sua vez, e Carlos recebeu a folha e quase a amachucou enquanto lia. Tinha reprovado. Atingira uma nota muito alta na temática do Adormecer e Arrotar, mas chumbara a Condução de Carrinho em Cenário de Rua e Mundaça de Fralda e Higiene Íntima; mais do que suficiente para reprovar no exame.

- Carlos Saldanha? – perguntou examinador, olhando para ele.

- O próprio.

- Lamento imenso, mas a sua nota não lhe permite obter a Licença de Paternidade aprovada pelo Estado.

- E agora? Quando poderei repetir o exame?

- Repetir o exame?

- Sim. Não me diga que não posso repetir…

O examinador esboçou um sorriso compreensivo e paternalista, e deu-lhe uma palmadinha nas costas.

Uma semana depois, tocaram à porta e Sofia foi abrir. Já começava a notar-se a barriga arredondada.

- Boa tarde, o que deseja? – perguntou. À sua entrada estava um homem de fato, que se identificou como agente do Centro de Formação Parental. Ao seu lado estava um segundo homem, vestido em roupas casuais e aparentemente nervoso.

- Boa tarde. Sofia Saldanha?

- É a própria.

- Que bela gravidez. Muitos parabéns! Na sequência da reprovação do seu marido, Carlos Saldanha, no Exame de Formação Parental, o Estado atribuiu-lhe um novo pai para a criança.

Sofia olhou do homem de fato para o segundo homem, que lhe acenou sem saber o que dizer. Estava envergonhado.

- Desculpe? – perguntou Sofia.

- Como deve saber, o seu marido reprovou no exame de Formação Parental; e como tal não poderá desempenhar as funções de pai dessa criança. O examinador deliberou que o senhor… - o homem de fato procurou qualquer coisa nos papéis que trazia consigo - … Carlos Saldanha não se encontra preparado para a responsabilidade de ser pai. Aqui tem o substituto.

O segundo homem deu um passo em frente, estendendo a mão a Sofia.

- Jorge Sousa. Muito prazer.

- Isto é um disparate! Não conheço este homem! – disse Sofia, dando um passo atrás.

- Não se preocupe, terá ainda uns meses para o conhecer melhor. Está de…?

- Dois meses e meio.

- Ora óptimo! Até o bebé nascer terá muito tempo para se familiarizar com o novo pai da criança, e quando ela nascer não saberá a diferença!

- Ouça, deve haver aqui alguma confusão. Isto não está certo! Terei de esperar pelo meu marido para falar com ele sobre isto – disse Sofia – Senhor Jorge Sousa, peço imensa desculpa, mas como deve compreender…

Jorge Sousa ia dizer qualquer coisa, mas foi interrompido pelo homem de fato que já arrumava os seus papéis numa pesada mala:

- Ah, senhora Saldanha, mas o seu marido não deverá regressar a casa hoje.

- Perdão?

- O Estado atribuiu-lhe um segundo pai, mais competente. Aqui o Jorge Sousa obteve a pontuação máxima do Exame, e por isso será um pai maravilhoso. Para evitar confusões, manteremos o seu marido Carlos Saldanha afastado do seio familiar durante tempo indeterminado. Sabe, para não interferir com a sua gravidez, ou o crescimento da criança.

- Está louco! O que fizeram ao meu marido!? – Sofia atirou-se para a frente, mas Jorge segurou-a.

- Deixo-vos a sós para se conhecerem melhor. Que família bonita! Muito boa tarde! – disse o homem de fato, despedindo-se profissionalmente e descendo as escadas do prédio rodeado pelos gritos de Sofia.

.

domingo, 9 de maio de 2010

O meu bebé é mais bonzinho que o teu

Acabei de ler um artigo escrito por um psicólogo que, em parceria com outros profissionais, realizou um estudo sobre a forma como os bebés pensam e desenvolvem um sentido de moral muito rudimentar mas eficiente.

Através de experiências simples, os investigadores procuraram analisar as reacções dos bebés a diferentes situações (por exemplo, uma marioneta a ser ajudada por uma segunda marioneta e a ser prejudicada por uma terceira), e conseguiram chegar a algumas conclusões sobre como os bebés analisam o mundo e avaliam as acções de outras pessoas.

Dois parágrafos interessantes:


(...) We tested 8-month-olds by first showing them a character who acted as a helper (for instance, helping a puppet trying to open a box) and then presenting a scene in which this helper was the target of a good action by one puppet and a bad action by another puppet. Then we got the babies to choose between these two puppets. That is, they had to choose between a puppet who rewarded a good guy versus a puppet who punished a good guy. Likewise, we showed them a character who acted as a hinderer (for example, keeping a puppet from opening a box) and then had them choose between a puppet who rewarded the bad guy versus one who punished the bad guy.
The results were striking. When the target of the action was itself a good guy, babies preferred the puppet who was nice to it. This alone wasn’t very surprising, given that the other studies found an overall preference among babies for those who act nicely. What was more interesting was what happened when they watched the bad guy being rewarded or punished. Here they chose the punisher. Despite their overall preference for good actors over bad, then, babies are drawn to bad actors when those actors are punishing bad behavior.


.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A malta do FCRAMS precisa de aprender o que significa “ter opinião”

Num exemplo de cobardia e desonestidade, fui banido da página do Facebook referente ao FCRAMS, o Festival de Cinema Religioso Alternativo da Margem Sul. Uma simpática mensagem de um dos administradores esclareceu-me:

Eu sou um dos administradores do FCRAMS e foste removido por mim da página do FCRAMS porque tens demonstrado deste os teus primeiros comments algum nervosismo que de todo não é o espirito pretendido no grupo.

Todas as opiniões são bem-vindas desde que demonstrem um minimo respeito, e sinceramente já estavas a passar um pouco das marcas.

Poderão estar a pensar, “Que é que este fez agora para chatear o administrador?”. Gostaria muito de vos transcrever os comentários em questão, mas não posso. Foram todos apagados da página pela administração da conta FCRAMS. Não tem problema, porque eu sei o que escrevi.

Comentei a propósito de uma das curtas apresentadas, vencedora do Prémio Melhor Argumento. O meu comentário foi sarcástico, confesso, dizendo “As outras curtas deviam ter argumentos mesmo maus, para esta ganhar o prémio”. Rapidamente fui interpelado por uma rapariga que me tratou com toda a condescendência, sentindo-se ofendida e perguntando o porquê do meu comentário. Eu expliquei a minha opinião, referindo a falta de conteúdo da curta-metragem, as personagens mal desenvolvidas, a duração exagerada, a falta de enredo e o facto de a mensagem religiosa final não ser suficiente para sustentar uma história.

Isto foi ontem. Hoje, é com surpresa que recebo uma mensagem pessoal do administrador em causa, referindo-se ao meu bloqueio,

Percebo que possas discordar do propósito do FCRAMS, mas porque não crias tu o teu movimento sobre aquilo que defendes? Decerto será melhor do que tentares moldar outros movimentos à tua opinião pessoal.

É de notar que apenas referi a minha opinião, não estava a tentar “moldar” ninguém à minha opinião. A minha resposta foi o menos “nervosa” possível:

Se não me enquadro no "espírito" do vosso grupo apenas por discordar, e se é por isso que me removem, então isso mostra uma total falta de honestidade da vossa parte. Um aviso sobre o tom da conversa, que pode ou não ser mal educado, é uma coisa; o bloqueio de um utilizador é levar o caso a extremos.

Era do meu interesse trocar algumas palavras com os outros participantes no vosso fórum, mas de nenhuma forma vos pedirei para me desbloquearem. Pedirem-me para entrar nos "limites básicos do respeito", que para vós é sinónimo de "não discordar connosco", é a demonstração de que são incapazes de lidar com opiniões diferentes das vossas.

Saúdo mais uma vez o propósito do vosso concurso, mas não posso deixar de ridicularizar a vossa cobardia perante opiniões diferentes.

Continuação de uma boa vida dentro da vossa bolha,
Renato Rocha

Referir-me à má qualidade do argumento parece ter sido demais, pois valeu-me não só o bloqueio da página como uma mensagem pessoal de um dos realizadores da curta-metragem criticada, acusando-me de o desrespeitar, a ele e ao seu trabalho, através das minhas críticas.

Devo ser mesmo muito bom a ofender pessoas. Tudo o que tenho de fazer é dar a minha opinião em relação a algo tão pessoal, íntimo e privado como a qualidade de um argumento de uma curta publicada no Facebook!

.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Lá vou eu ofender os católicos outra vez...

No Facebook há uma página - com milhares de fãs - sobre uma acção de sensibilização para a luta contra a sida que prevê a distribuição gratuita de preservativos durante a visita do papa ao país, de 11 a 14 de Maio.
Os organizadores, a propósito, já sublinharam a importância de que não vão interromper nenhum serviço religioso, muito menos provocar os fiéis de nenhuma forma. No entanto, Manuel Morujão, o porta-voz da COnferência Episcopal, já veio dizer de sua justiça.
Para o responsável, a visita (do Papa) é um acto de «acolhimento de um chefe de Estado» e não de «propaganda de nenhuma campanha»
Então pois claro que é. Lembram-se de um único chefe de Estado, sem ser o Papa, que não tenha celebrado missa em duas cidades portuguesas? Isto é tudo uma visita de Estado, seus burros! Alás, o Governo está já a preparar a tolerância de ponto para quando cá vier o Presidente da Somália.
O porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa considera que «Cada um é livre para fazer aquilo que quiser, mas o respeito fica bem a qualquer pessoa de esquerda ou de direita, católica ou agnóstica ou ateu», considerando que «vai prevalecer o bom senso para que cada coisa tenha o seu lugar».
A mensagem a reter é a de paz, amor, e respeitinho. “Cada um é livre de fazer aquilo que quiser”… desde que não ofenda o bom senso católico.
A planeada distribuição de preservativos, que se aproveita claramente e de forma inteligente da burrice papal (quem não se lembra do fiasco “preservativos são maus para a SIDA”?), chamará a atenção para uma mensagem importante, de um problema real do mundo real. É de louvar, não de apelidar de “propaganda de uma campanha”. O que a Conferência deveria apelar era não ao bom senso, mas sim ao uso do preservativo. Isso sim salvaria vidas.
.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Mais um post que vai ofender muita gente

A Nossa Senhora de Fátima perdeu uma boa oportunidade para fazer um milagre.

.

Eu Acredito (porque sim e porque sim e porque sim) e as crianças católicas

Cuidado: a aridez de raciocínio presente neste vídeo
pode provocar danos irreparáveis.

Hoje na Praça da Alegria foi apresentado um projecto chamado “Eu Acredito”, um movimento que se destina a acompanhar e festejar a visita do Papa Bento XVI. A própria vinda do Papa está já a encher os telejornais, mas hoje queria concentrar-me neste projecto particular.
Assim que liguei a televisão, uma visão assustadora. Um enorme coro de crianças pequenas cantava o hino do movimento erguendo as mãos ao ar e dizendo:
Na Fé O vejo: eu acredito!
Na igreja O escuto: eu acredito!
No Amor O toco: eu acredito!
Por isso eu digo: eu acredito!
De seguida a jovem responsável pelo coro falou com Jorge Gabriel, confessando que esta era uma forma de espalhar a sua fé que, hoje em dia, estava muito mal vista. “As pessoas parece que têm vergonha de dizer que têm fé”.
Ver todas aquelas crianças a cantar com tamanha alegria e convicção seria bonito e até comovente, não fosse o conteúdo da sua mensagem. Todas elas tinham entre cinco a oito anos, não mais, e duvido muito que alguma delas esteja em idade de sequer compreender e avaliar de forma crítica aquilo que estavam a dizer. Muito menos devem ter escolhido o catolicismo acima de qualquer outra religião por decisão própria, mas sim porque, na esmagadora maioria dos casos, é essa a religião dos seus pais. Apresentá-las então como “crianças cristãs” é errado. Tal como diz Richard Dawkins, não existem crianças democratas, crianças republicanas ou crianças comunistas; então porquê apelidá-las de “católicas”?
Quando, um dia, tiver um filho, tenciono ensinar-lhe como pensar, e não o quê. Tenciono educá-lo sobre todas as religiões, e sobre como muita gente não as tem. Tenciono dar-lhe os mecanismos de que precisa para ser ele a tomar uma decisão, e não eu a tomá-la por ele. Se calhar sou eu que estou enganado.
Aqui se apresenta uma das grandes vantagens que a religião tem como vírus social. Tudo o que é preciso é apanhar as crianças numa idade em que não reuniram as capacidades suficientes para sequer questionar ou avaliar aquilo que lhes dizem e põem a cantar; e, crescendo assim, torna-se “crença” óbvia e mais que comprovada. A letra diz tudo: “Eu acredito, eu acredito, eu acredito”; e basta.
Mas qual será então o problema de acreditar? Qual o problema de ter fé? E, principalmente, porque é que ter fé não é uma coisa boa? Não será uma virtude, acreditar em “algo superior”? O problema é que quando se “acredita” (ou, no caso de muitas crianças, se é educado a acreditar) a nossa forma de encarar e interagir com o mundo deixa de ser o mais objectiva possível, adoptando uma visão que se limita à nossa religião. Há uma razão para as pessoas “gozarem” com quem é católico hoje em dia, e a própria responsável pelo movimento Eu Acredito mostrou-o em directo e sem sequer se dar conta.
Jorge Gabriel perguntou-lhe qual a sua opinião sobre os recentes casos de pedofilia, e se não seria natural a desconfiança e dúvida sentida pelas pessoas em relação à Igreja Católica. A senhora balbuciou, saltitando de frase em frase até emergir com a sua mensagem principal: “Acho que os padres pedófilos deveriam ser afastados, mas não devemos confundir os assuntos do Homem com os assuntos de Deus. Se o Papa Bento XVI decidiu só falar agora sobre os casos e não muito antes, ele terá as suas razões que com certeza serão compreensíveis; e acho que as pessoas deveriam aprender mais sobre as coisas antes de começarem imediatamente a criticá-las”.
Que mulher ignorante! O Papa não “decidiu falar agora”; ele foi forçado pela opinião internacional a explicar porque raio é que os casos de pedofilia na igreja se multiplicavam como coelhos; e, principalmente, porque é que a sua assinatura foi parar a papéis que moviam padres de uma paróquia para a outra de modo a proteger a Igreja. Parece-me que quem devia aprender mais sobre o que diz não são os temíveis lobbies anti-igreja mas sim os próprios católicos, cuja sede de protecção os faz justificar até o mais hediondo dos crimes.
A racionalização feita por aquela mulher demonstra como o nosso pensamento pode ser alterado e moldado pelo pensamento religioso. Passam a justificar as acções do Papa e não são capazes de fazer a mais óbvia e importante de todas as perguntas: “E se eu estiver errado?”.
Talvez seja este o tipo de católico preguiçoso que impere em Portugal, e talvez por isso a separação do Estado e Igreja esteja tão fraquinha ultimamente. Faltam apenas alguns dias para a orgia espiritual que vai fechar a cidade a uma terça feira e fazer um Estado laico pagar milhões em segurança, infra-estruturas e tolerâncias de ponto. Entretanto, o aparente mão-de-obra de um dos maiores escândalos da Igreja Católica desde o tempo da Reforma vem a Portugal e será recebido com honras que nenhum outro chefe de estado alguma vez recebeu. Realmente, qual é o problema da religião?
Resta aos pobres católicos portugueses, a gozada e mal tratada minoria (como aliás se apresentam) demonstrar a sua Fé, que é íntima e pessoal com Jesus, a todos aqueles que, por serem ateus ou não-religiosos, não a querem ouvir.
___________________________________________________________
E já agora, porque tem que ver com este post e com o que disse sobre as crianças,

.