quinta-feira, 29 de julho de 2010

Eu não tenho nenhuma posição oficial em relação à minha sensualidade, mas que sou muito sensual ai isso sou

Paulo Portas foi a uma tourada e largou uma pérola.

“O CDS-PP não tem uma posição oficial sobre as touradas. Há muita gente que é contra e muita gente que é a favor. Mas sempre que quiserem atacar as touradas, o CDS defende-as”, disse ontem ao PÚBLICO, Paulo Portas, no final da corrida de touros do CDS nas Caldas da Rainha.

Percebo perfeitamente; aliás, aquilo que eu mais faço é defender afincadamente tudo aquilo sobre o qual nunca formei nenhuma opinião definida. É mais fácil, porque se assim me chamarem de bárbaro inconsciente posso sempre sublinhar que não sei do que estão a falar.

Estas foram as únicas declarações de Paulo Portas que se escusou a responder a mais perguntas: “Não confundo política com entretenimento”.

Para ele, leia-se, a noção de entretenimento inclui a tortura pública de animais, isto com certeza pelo bom nome da mais do que qualquer outra coisa valiosíssima Tradição.

O resto da noite nem sequer contou, como seria de esperar se já sabemos que o CDS-PP não tem nenhuma posição oficial em relação às touradas, com uma grande quantidade de sobreposições entre a tal política e o tal entretenimento.

Ao líder do CDS-PP foram-lhe dedicadas algumas das pegas da noite e por mais de uma vez os ferros que espetavam os touros eram erguidos pelos cavaleiros com a bandeira daquele partido.

Eu cá continuo a sentir um enorme orgulho pelo touro quando o dito animal espeta uma cornada num dos bárbaros que o tenta perfurar com ferros. E se houver mazelas para o lado do humano ainda melhor. Sim, eu sei; não passo de um bárbaro que sente prazer na desgraça e sofrimento alheios, por isso serei igual aos apoiantes das touradas, certo? Errado. Os touros que lá estão a ser espetados vão de arrasto e sem escolha, mas os toureiros fazem do esventrar em público profissão.

Curioso que ninguém se lembre de criar um espectáculo em que um tipo bem vestido e corajosamente montado num cavalo espanca gatinhos ou cachorros à paulada, e todos nos choquemos com os terríveis vídeos das pobres focas que são mortas a sangue frio para que lhe seja retirada a pele. No entanto, um touro, talvez por ser menos fofinho, já pode ser espancado sem problemas; aliás, é uma tradição a manter, e um bom programa para fazer com os miúdos.


http://publico.pt/Política/sempre-que-quiserem-atacar-as-touradas-o-cds-defendeas-diz-paulo-portas_1448650

O equilíbrio mental dos fetos

Estranha a entrevista a um psicólogo chamado Thomas Verny, publicada na revista Sábado desta semana. O senhor citado é um especialista em psicologia pré-natal, e dedica os seus esforços a avisar as pessoas que o que fazem durante a gravidez afecta a futura vida e equilíbrio mental da criança. Uma passagem da entrevista reteve a minha atenção. O entrevistador pergunta se a personalidade do bebé se define durante a gravidez.

Resposta?

Esses nove meses são determinantes. Se nesse período a criança se sentir amada pelos pais, se houver comunicação entre eles e se culminar num bom parto, ou seja, se ela conseguir nascer por si própria sem a ajuda de terceiros, então vai começar bem a vida. E vai ter uma personalidade positiva.

E de seguida, Thomas Verny explica como o tal parto sem ajuda de terceiros influencia a saúde mental da criança:

(a criança) pensa: eu consegui sozinha! Se nascer com a ajuda de fórceps é muito diferente. Mais tarde, quando se confrontar com uma situação limite, vai precisar de ajuda para a resolver. Ou seja, esta criança tem mais probabilidade de se sentir desamparada numa situação difícil.

Adoro como este psicólogo equipara o “equilíbrio mental” da criança com o seu “positivismo” e a sua capacidade para resolver situações sozinho. Ou seja, uma pessoa que tenha tido um parto complicado será uma dependente do pior, porque as memórias reprimidas do parto a tornarão mentalmente desequilibrada. Sem contar com todas as pessoas que, por falta de confiança ou personalidade mais amedrontada, não possuem tamanho positivismo e coragem: com certeza serão uns desequilibrados.

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quarta-feira, 28 de julho de 2010

E assim foi que numa manhã de sol

E assim foi que numa manhã de sol seguida de uma madrugada de apertada escuridão e abrasadoras temperaturas Renato Rocha acordou sem sono e se depositou, rabo primeiro e pernas e tronco depois, no sofá de sua casa a ver televisão e a ver se dormia.
E assim foi que as séries e os filmes se seguiram sucessivamente, e o cansaço e sono incoerente não deixaram que na memória de Renato Rocha algo deles ficasse registado mais do que traços gerais de uma ou outra história, ou o olhar de um ou outro actor ou actriz.
E assim foi que Renato Rocha, sem dormir, deixou-se assim ficar e aceitou as consequências de uma noite sem dormida, tais como as dores de cabeça e olhos vermelhos que com certeza se seguiriam, e com elas uma falta de energia e uma inércia muscular desarmante, esmagadora como cimento nas articulações.
E assim foi que Renato Rocha, procurando afastar do seu destino imediato um dia passado nas mágoas de quem nada dormiu, se aventurou pelos armários da cozinha e descobriu o café solúvel do Pingo Doce.
E assim foi que numa manhã de sol Renato Rocha aqueceu água, lhe misturou do exótico pó castanho, verteu o calor da bebida guela abaixo, e deixou que a cafeína no sangue fizesse o seu trabalho.
E assim foi que o dia se abriu sem sonos nem dores de cabeça.
Renato Rocha descobriu o café e a vida se tornou mais bela.
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segunda-feira, 26 de julho de 2010

Porque é que eu sou a favor da pirataria

NOTA INICIAL | Este é o primeiro texto publicado neste blog que obedece à minha mais recente limitação criativa auto-imposta: a “Iniciativa Duas Páginas”. A partir de agora, todos os meus textos de opinião, que se tendem a alongar brutalmente formando, nas palavras do meu avô, “umas lombrigas”, terão no máximo dos máximos duas páginas. Servirá de treino para mim, e de boa notícia para todos os milhares de leitores do blog que adormecem antes de chegar ao fim dos posts

“Lá vens tu ser do contra, seu chato insuportável”, pensarão com certeza quem me conhece. Admito que às vezes sou do contra, se bem que não percebo bem porque se coloca uma conotação depreciativa em algo que consiste unicamente em não concordar com as outras pessoas. Penso que isso é bom, porque se todos pensarmos da mesma maneira ninguém ouve opiniões diferentes e o mundo não anda. Por isso, na boa tradição aqui deste blog de defender as minhas opiniões mais dramáticas, declaro abertamente que sou a favor da pirataria; e explico porquê.

(Uma distinção é necessária, para começar: uma coisa é a pirataria feita pelos romenos que vendem os últimos sucessos de bilheteira em DVDs manhosos na Feira do Relógio, e outra é a pirataria feita pelo puto de doze anos que copia um CD para um amigo. Lucrar com o trabalho dos outros é vergonhoso, e não é o primeiro mas sim o segundo “tipo de pirataria” que vou defender)

Em quase todos os DVD’s que compro (na versão original, porque não compro piratas) vem um anúncio grotesco, com uma música irritante, que apresenta uma ideia muito semelhante a “Você nunca roubaria um carro, ou uma mala… Então, porque é que rouba filmes?”. Digam o que disserem, a pirataria não é roubo. Se eu copiar um CD de um artista, utilizando um CD original que um amigo me empreste, eu não estou a roubar nada a ninguém. A música, o filme, o programa de TV, o jogo para computador, tudo isso pode ser pirateado sem que alguém fique realmente desprovido da sua propriedade (o que define um roubo). A quem e que propriedade roubo se fizer a cópia de uma música?

A resposta pode soar óbvia: o artista. Se eu copiar uma música do Rui Veloso estou a roubar o Rui Veloso? Não. Se eu for a uma loja e arrancar de lá um CD e o trouxer para casa, acabei de roubar a loja (e o Rui Veloso); mas no caso da cópia pirata, ninguém fica sem o seu CD e sem a sua música. O roubo parece acontecer apenas e unicamente se partirmos do princípio de que eu iria realmente à loja dar quinze ou vinte euros por um CD, caso a pirataria fosse impossível. Esses quinze ou vinte euros potenciais ficam assim “perdidos”, e entram nas contas de quem calcula os milhões de euros de prejuízo por causa da pirataria, partindo-se erradamente do pressuposto de que todas as pessoas que adquirem ou compram produtos pirateados iriam comprá-los à loja se a pirataria não existisse.

Da mesma forma que seu eu for a um site na Internet e fizer o download de um filme, o filme em si continua lá. Aliás, o “filme” não existe propriamente senão “materializado” em DVDs, película, cassetes, etc. Eu não roubei a propriedade de ninguém, especialmente se tivermos em consideração que eu, impossibilitado de ver o filme grátis, nunca iria gastar dinheiro para o ver.

Isto funciona igualmente nos casos em que eu nunca teria acesso a esse filme (ou livro, ou música) se não fosse através do YouTube, Google Books ou outros serviços. Faço danças de salão e é quase uma necessidade a aquisição de músicas para dançar. Se eu fosse calcular o dinheiro que teria de gastar para adquirir de forma “justa” toda a música que tenho em CD’s, tinha de vender o computador onde estou a escrever neste momento para ficar de boas relações com a indústria musical; sem contar com as semanas de espera gastas em encomendas, porque muito do que muita gente ouve e vê não existe editado em Portugal.

Claro que o facilitismo não é desculpa, muito menos a questão dos preços: mas temos de olhar para as coisas com realismo, e perceber que não é de admirar que, com os preços gigantescos que hoje se cobram para uma ida ao cinema ou a venda de um CD ou DVD (do qual uma parte absolutamente minúscula reverterá para o tal “autor”), as pessoas prefiram pedir emprestado a quem tenha para fazer cópias.

Será um desrespeito perante os artistas e profissionais? Claro que sim, é inegável. O que não falta na minha família é malta relacionada com a música, que sobrevivem maioritariamente ou na totalidade com o dinheiro que ganham a fazer a sua arte, por isso que não me acusem de não compreender a luta daqueles que fazem da música (especificamente, mas funciona para qualquer arte) a sua forma de vida. Porém, os próprios artistas começam hoje a perceber que a pirataria, ou pelo menos o disponibilizar de conteúdos grátis a toda a gente, não é só uma coisa “normal” como uma necessidade.

Antigamente quando alguém lançava um CD corria os habituais programas de televisão a promovê-lo. Hoje em dia, sites que disponibilizam as músicas de forma gratuita são uma constante. Os próprios artistas criam MySpaces e blogs para promover as suas músicas ou vídeos, dando depois a possibilidade de encomendas online (por exemplo).

Caramba, até os próprios fãs das bandas e intérpretes são os primeiros a defender os seus direitos perante o mal das cópias ilegais, defendendo os seus artistas com unhas e dentes, mas também os primeiros a colocar no Youtube vídeos com as músicas do último CD dos seus ídolos, e espalhando-as pelos Facebooks e afins para que toda a gente as ouça sem ter de comprar o CD. Isto leva apenas a que mais gente conheça a banda, e mais gente ouça e comente as músicas, e mais gente se veja com vontade de ir à loja comprar o CD ou aos concertos. Um exemplo pessoal: um artista que aqui já “apresentei” chamado Bryan Steeksma tem muitas das suas músicas disponíveis para serem ouvidas vezes e vezes sem conta; não fosse isso, não teria milhares de fãs e, consequentemente, mais CD’s vendidos (incluindo comigo, que encomendarei não tarda o seu CD).

A diferença entre estas novas tradições e a pirataria à antiga, em que alguém punha na Internet ou nas feiras as músicas e filmes da moda, é apenas uma: os artistas perceberam que disponibilizar parte ou a totalidade das suas façanhas é meio caminho andado para as dar a conhecer. E para o público, é a única forma de ter acesso a muitas coisas que de outra forma seriam inatingíveis. Há um valor inerente na pirataria, que é o de levar mais pessoas a conhecer os artistas e, portanto, multiplicando as probabilidades de, mais tarde, esse artista contar com mais vendas e mais fãs. Poderíamos até dizer que, no mundo de hoje em dia, uma das melhores formas de ajudar os nossos artistas favoritos é disponibilizar as suas obras na Internet.

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Os bispos afinal também percebem de economia

O Opinião Pública desta manhã está a perguntar às pessoas se acham justo o que Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa, precisamente a doação de 20 por cento do salário dos políticos (cristãos) para ajudar à crise; porque já sabem como é, os políticos devem ter alguma responsabilidade especial em pagar tudo e mais alguma coisa.

Claro que toda a gente adora esta ideia, porque por alguma razão a culpa de qualquer crise e de qualquer défice é sempre "dos políticos" já que "os políticos" são todos iguais e todos eles só pensam em ganhar fortunas; e todos os economistas concordam que tudo o que basta para resolver a crise mundial é um pouco de caridade cristã.

As várias opiniões que ocupam as linhas telefónicas sublinham este ponto, referindo-se a todas as organizações cristãs que ajudam os pobres em contraste com todos os malandros dos políticos que ficam na mansão a contar dinheiro. Um senhor diz até que o bispo em questão foi um "verdadeiro apóstolo" da palavra de Cristo. Claro que alguém que passe alguns momentos a ler sobre a tal palavra teria, de maneira a não ser tão hipócrita como o bispo auxiliar, de vender todas as suas posses e dar o dinheiro aos pobres (Mateus 19:21). Se é cristão e não está a obedecer à palavra do seu Messias, então com certeza será tão mau como todos esses políticos desonestos e apegados ao dinheiro; mas isto era preciso que os cristãos e especialmente os católicos soubessem realmente o que raio é a "palavra de Cristo" e a seguissem, porque Jesus falou em mais coisas do que "ajudar os pobrezinhos".

Aqui fica a minha ideia: metam todas as Igrejas, Padres, líderes espirituais e pessoas que vivem à conta das religiões a pagar impostos como qualquer outra pessoa. Assim todos ajudam a “pagar a crise” e os senhores da Igreja poderão perceber o que significa doar parte do salário para o país antes de abrirem a boca para cuspir hipocrisias.


Um apelo: vamos combater a ignorância científica (e a pulseira)

Com certeza que se forem pessoas atentas e preocupadas com o vosso bem-estar físico e emocional já ouviram (e se calhar já viram ser usada ou já usam até) as novas pulseiras do equilíbrio. Se já tiverem uma, são um dos 20 mil portugueses que já as adquiriram desde Dezembro passado. Se não tiverem uma, sintam-se desactualizados e anti-sociais: estrelas como Cristiano Ronaldo e outros desportistas de topo popularizaram e catapultaram as pulseiras do equilíbrio para um estatuto de inegável utilidade prática.

O que é a pulseira do equilíbrio? Trata-se de um objecto em forma de pulseira (claro), que confere ao utilizador extremos e automáticos benefícios do ponto de vista da flexibilidade, do fluxo sanguíneo, da força, bem-estar, equilíbrio emocional e outros que tais. Quem me conhece sabe que vejo este tipo de produtos com cepticismo, mas estou preparado a dar a oportunidade de ser convencido. Qual será a explicação para este produto tão incrível?

Orlando Russo, o representante em Portugal da Power-Body (uma das três marcas destas pulseiras), é um gajo simpático e explica-nos como tudo funciona. Cito:

A Power-Body, criada no final de 2009 por um cientista da NASA, é uma pulseira de silicone cirúrgico, anti-alérgico, antibacteriano, com dois hologramas quânticos embebidos numa frequência com iões negativos, que, ao estar em contacto com o nosso corpo, estabiliza a nossa frequência. Tem a ver com a quântica.

Se não franziram as sobrancelhas pelo menos cinquenta vezes ao ler o último parágrafo é porque são menos desconfiados do que eu. Este não é o primeiro produto a ser vendido como tendo benefícios por causa “da quântica”, um dos ramos da física que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não serve exclusivamente para justificar muitos dos produtos de New Age que por aí andam. A física quântica, que estuda os constituintes da matéria à escala mais minúscula conhecida, nada tem que ver com aplicações práticas com a nossa “frequência” (o que quer que isso seja). Da mesma forma, ninguém percebe muito bem o que são dois “hologramas quânticos”, e a razão de estarem embebidos em iões negativos.

No site da marca, pode ler-se ainda que…

Estudos científicos, bem como testes práticos específicos, provam o poder da energia quântica presente na Power-Body® quando em contacto com a energia do nosso corpo.

Ora, alguém que tenha tirado sequer o nono ano de escolaridade saberá que não existe nenhuma “energia quântica” (são quatro os tipos de energia no Universo: a gravítica, a electromagnética, e as forças nucleares forte e fraca). Curioso que todos os “estudos científicos” conduzidos para “provar” a efectividade da pulseira tenham ainda encontrado, sem dizer nada a ninguém, uma quinta forma de energia no Universo.

O jargão científico mais complicado é utilizado, conjugado e pintado com um discurso apelativo e aproveita-se da geral ignorância científica da população para vender algo que nada tem que ver com ciência; mas como a maioria das pessoas não sabe sequer que não existem hologramas quânticos, acham o discurso o máximo. Nem sequer o compreendem, mas pensam que se o vendedor das pulseiras é capaz de se sair com um discurso tão fluido sobre temas tão complexas, é porque terá alguma razão. A física quântica é utilizada porque apenas um grupo restrito de pessoas actualmente consegue compreender sequer a totalidade das aplicações e implicações desta ciência; assim, os vendedores utilizam um ramo da ciência que pouca gente compreende para dar um falso prestígio aos seus produtos, da mesma forma que os maus livros e filmes de ficção científica enfiam qualquer palavreado científico nos seus diálogos para explicar as tecnologias ou acontecimentos extraordinários do futuro (ainda hoje, no filme “O Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado”, uma personagem explicava a outra que conseguia transmitir os seus poderes a outras pessoas por causa de uma “agitação nas moléculas”). Se eu disser que a frequência do meu blog é transmitida num comprimento de onda que entra em sintonia herztiana com as vibrações naturais e eléctricas das moléculas sub-atómicas dos neurónios do leitor, permitindo que este experiencie um completo equilíbrio no seu PH e consequentemente um equilíbrio emocional resultante do encontro de três vibrações holográficas cerebrais, alguém me levará a sério?

Divago; voltemos à pulseira. Não haverá então testes científicos que comprovem a sua efectividade? Uma atenta exploração do site citado acima conduz-nos apenas a alguns “Testemunhos”, que consiste em membros de bandas, desportistas e actores a dizer o quanto a pulseira é uma maravilha. Outra secção, no entanto, apresenta o TESTE POWERBODY. O muito científico e rigoroso teste foi captado em vídeo.


O rigor é extenuante. O cientista responsável pela investigação é visto a apresentar o produto que está a testar com um “tarãn”, e os risinhos generalizados e a postura generalizada de risota só comprovam que a pulseira traz não só equilíbrio físico mas também muito bom humor. É óbvio que o cuidado e rigor presente na experiência científica absorveu todo o orçamento, porque a qualidade do vídeo é idêntica à de qualquer vídeo caseiro feito entre amigos a beber cerveja.

Outro momento divertido do “teste” é ver o rapazinho louro a deixar-se cair na primeira tentativa e, na segunda vez já com a pulseira, a fazer uma força descomunal para se manter de pé, isto se esquecermos o mais óbvio facto de que a segunda vez o rapazinho louro já sabia o que lhe ia acontecer, e poderia reagir apressadamente ao (já não tão) súbito puxão.

O site da marca não apresenta qualquer link ou referência para nenhum dos “estudos científicos” que “provam” que a pulseira resulta; mas se podemos testar por nós mesmos o poder dos hologramas quânticos, porquê esperar que alguém certificado nos venha dizer que sim senhor, aquilo funciona? E porquê esperar de uma marca que se quer levar a sério a publicação no seu site oficial dos testes científicos que citam tantas vezes para vender o seu produto? Confesso, sou eu que sou exigente demais. Afinal, porquê preocupar-me com isto? Não é mais uma treta New Age que depressa desaparecerá quando as pessoas forem lentamente abandonando a moda?

Não.

Orlando Russo, o tal representante de uma das marcas de pulseiras, sente-se ambicioso e declara com orgulho que vão tentar meter as pulseiras nas farmácias. Talvez faça todo o sentindo colocar uma pulseira alimentada a uma forma de energia que nem sequer existe ao lado dos medicamentos que realmente funcionam; inteligente estratégia de marketing, partindo o princípio de que as farmácias só venderiam medicamentos e outros produtos que fossem certificados e preparados especificamente para determinado fim, desde o mais eficiente analgésico ao rebuçado da tosse. Uma vez que nem a própria distribuidora da pulseira nos consegue explicar especificamente que provas terão quanto à efectividade do produto, espero que algum tipo de autoridade do nosso país esteja a controlar este tipo de investidas da indústria New Age num domínio que não lhe diz respeito, misturando-se com os medicamentos sérios e que (coisa pequena) funcionam realmente.

Seja; ponham as pulseiras ao mesmo nível que os antibióticos. Ponham também à venda nas farmácias “O Segredo”, ou cristais, ou banha da cobra, ou livros de ajuda espiritual, talismãs e pêndulos. Tudo isso resulta para muitas pessoas, certo? Então porque não dar-lhe o mesmo lugar nas farmácias que a pulseira? Se isto for para a frente, se estas pulseiras passarem a ser vendidas nas farmácias, se ninguém levantar um dedo para questionar a onda de pessoas que garantem pela sua saúde que a coisa resulta, se a ignorância científica generalizada e a sua aparente falta de cepticismo e capacidade para duvidar do que quer que um representante de uma marca disser, e se os famosos atletas mundiais continuarem ser, mais do que qualquer confirmação científica, um dos critérios para que milhares corram à procura de um produto destes; se tudo isto acontecer, se todos estes factores se estão a encontrar, não seria altura de alguém no nosso país agir de maneira a evitar que as nossas farmácias se transformem em autênticas lojas de bruxaria e medicinas alternativas?

Isto é urgente, minha gente: é um problema de educação, porque da mesma forma que devemos ensinar os nossos miúdos que não se deve aceitar doces de desconhecidos e que devem ter cuidado para não serem levados pela publicidade enganadora, é também importante prepará-los com uma bagagem que garanta que olharão para este tipo de coisas com um franzir de sobrolho e não com uma ida à farmácia comprar imediatamente as bugigangas movidas a energias mágicas.

(Li um artigo sobre isto na revista “Domingo” do Correio da Manhã de hoje. Links:

http://www.power-body-usa.com/pt/ )

sábado, 24 de julho de 2010

Caros milhões de leitores e fãs em delírio

Vou de fim de semana para fora do país, aliás para fora do planeta, porque vou com uma das minhas personagens aqui do blog visitar a sua tia a Andrómeda (se eu fosse um escritor famoso toda a gente saberia de que personagem estou a falar; mas não me queixo do meu estatuto de blogger anónimo. Perdoem-me a divagação).

Retomando, vou de fim de semana mas voltarei na segunda, e juro por tudo o que me é mais sagrado que estou a preparar algumas coisas novas para aqui colocar; mas como é tudo coisa para requerer trabalho e dedicação não pode ser publicado às três pancadas como (tudo) o resto que aqui escrevo. Deixo-vos com alguns posts em que opino sobre coisas variadas.

Desculpem-me o português foleiro e a estranha construção das frases, mas são quase três da manhã e ainda não acabei de fazer a mala.

Cordialmente, e com todo o amor e carinho do mundo,
O Autor

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Como o Feira Nova está a destruir as Famílias de todos nós

A Igreja Católica já veio opinar sobre outro assunto a que não lhe diz respeito com argumentos parvos que não consegue justificar, como aliás é sua tradição. Numa conferência de imprensa, o representante da Conferência Episcopal veio informar-nos de que a abertura dos hipermercados e centros comerciais aos domingos é muito negativa, porque afasta as pessoas do que é "realmente importante": o convívio com a família. Disse ainda que, com a abertura dos centros comerciais e hipermercados aos domingos, a população será "empurrada" ao consumo mais desinibido, e por isso afastada dos valores familiares.

Como a Igreja trata a população como uma massa de mortos-vivos sem personalidade, não é de admirar que achem que toda a gente vai começar a fazer mais compras nos centros comerciais e nos hipermercados porque se sentem "empurradas" pelo terrível e herético novo horário de funcionamento. E, aliás, o porquê de os novos horários de funcionamento dos supermercados ser um factor inegável na destruição dos valores familiares é um absoluto mistério que a Igreja não explica (se calhar é muito óbvio, e só o facto de não o compreender é a demonstração de como as minhas idas consumistas ao Pingo Doce me transformaram completamente). Tenho a certeza que as boas famílias católicas portuguesas, preocupadas como estão com o que é "realmente importante", deixam de fazer compras no Continente ou no Colombo porque sabem as tamanhas consequências destrutivas que isso traria ao frágil equilíbrio da sua família. Prova disso é só as famílias destruídas é que vão às compras nos grandes centros comerciais.

A Igreja diz sempre a mesma coisa, numa reciclagem do que sempre foi a sua dogmática forma de impingir a sua forma de pensar aos outros: que há algo dentro das ideias ou inovações modernas que destrói a família e aquilo que é de mais fundamental na sociedade. Assim, vão repetindo a ladainha, quer acusando o casamento homossexual ou os hipermercados nacionais. Amanhã será outra coisa qualquer a destruidora dos grandiosos valores familiares, resta esperar para ver qual é. Claro que todos temos o direito de expressar uma opinião, mas a Igreja sente a necessidade (e, infelizmente, obtém tempo de antena suficiente) de mandar vir com tudo o que a sua muito limitada interpretação de valores morais e familiares não consegue compreender e incluir, mesmo sendo incapaz de apontar os factores negativos da inovação que pretendem criticar.

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Não, agora a sério: porque é que utilizamos o Facebook?

Hoje entrei no Facebook e olhei feito parvo para a página aberta à minha frente, perguntando-me com alguma surpresa "O que raio é que eu ainda venho fazer ao Facebook?".
Não querendo ser acusado de criticar sem experimentar, inscrevi-me no Facebook há uns tempos e desde aí vivi em primeira mão nesta pequena realidade à parte, onde todos somos amigos íntimos uns dos outros e onde se trocam links, músicas, comentários foleiros e fotografias por tudo e por nada. Há, geralmente, uma sensação sentida pela maioria dos utilizadores de que o que quer que tenham a dizer, desde comentar uma recente descoberta em Marte ou dizer que vão passar a ferro, interessará a todos os outros utilizadores seus amigos, ou que esta informação será essencial para o seu bem estar e felicidade; e pior, esta perspectiva confirma-se quando os amigos respondem com comentários tão ou mais cheios de conteúdo interessante, como "Gostei!" ou "Vou partilhar porque é muito giro". Isto dito de experiência própria, porque eu próprio, se bem que evitando colocar parvoíces que me parecessem superficiais, partilhei e dei a conhecer links para vídeos ou artigos que, para mim, tinham algum interesse. Aliás, aproveitei para publicitar o meu blog sempre que aqui escrevia alguma coisa nova (e, diga-se de passagem, não tenho mais leitores por isso). Em todas essas ocasiões, no entanto, há em mim uma sensação de inutilidade profunda, porque é obvio pelo tipo de respostas obtidas que ninguém se interessa minimamente por aquilo que tenho a dizer.
Isto comprova-se, a meu ver, na forma como percorro as actualizações nesta página enorme onde me é mostrado o que é que os meus amigos andaram a fazer. Muito raramente encontro algo de interesse, sendo a grande maioria entradas informando-me de que um amigo meu gosta das frases Nicola, ou que uma amiga tem o milho a crescer no FarmVille, ou que um amigo meu é agora amigo de um gajo qualquer que eu não conheço ou até que "Fulano juntou-se ao grupo Tal e Tal"; grupos esses que, aliás, começam a ganhar estatuto na sociedade sem qualquer razão para isso. Não foi há muitos dias que ouvi uma notícia do estilo "Lady Gaga tem mais seguidores no Facebook que Obama". Às vezes temos de colocar as coisas em perspectiva e perguntar: O que raio significa a Lady Gaga ter muitos seguidores no Facebook? O que é que isso significa para o que quer que seja? Ser seguidor de algo no Facebook não é demonstração de respeito, carinho, amor, fascínio; é simplesmente o resultado de se carregar num botão.
De cada vez que entro no Facebook sinto-me cada vez mais entristecido por aquilo que vejo ser, para todos os efeitos, o mais democrático mas também mal aproveitado sistema de comunicação à escala global. As pessoas têm a possibilidade de partilhar o que de melhor têm para oferecer, e usam-no, na sua maioria, para avisar o resto dos amigos de que comeram camarão e que estava bem temperado. Há aqui, parece-me, o espelhar perfeito da forma como as pessoas não têm nenhum cuidado ou sequer gosto em ocupar o seu tempo livre com coisas interessantes ou desafiantes. Sim, claro, há pessoas inteligentíssimas que só lá vão de vez em quando, que partilham coisas interessantes, que comentam de maneira a abrir conversas que podem ser úteis e estimulantes; mas a maioria das pessoas gasta horas por dia na mais plena e patética forma de passar o tempo.
O que, argumentem se quiserem, é legítimo porque cada pessoa tem o direito de perder tempo com trivialidades; mas é difícil ser optimista em relação às próximas gerações quando se perpetua o Facebook como uma futurista, inovadora e brilhante ferramenta de contacto social e este se baseia na troca de sacos de aveia no FarmVille, ou nos comentários jocosos às fotografias em fato de banho dos nossos amigos. Tenho uma série de amigos com os quais falo com alguma regularidade, e curiosamente nunca falamos no Facebook. A minha tia vive em Madrid, ou seja, longe, e o nosso contacto no Facebook resume-se a mensagens muito raras; talvez porque falo com ela por telefone ou por outros meios. Da mesma forma, tenho amigos no Facebook com os quais nunca falo, que me adicionaram e com os quais nunca iniciei qualquer tipo de contacto.
Parece-me que as grandes formas de comunicação já foram inventadas, e utilizar o Facebook com a desculpa de que se mantém contacto, através dele, com os nossos amigos, é uma falácia; se o único contacto entre duas pessoas é uma série de trocas de comentários num fórum digital, então algo de errado se passa com essa profunda e comovente amizade. Se não for, então mais vale perder duas horas e ir ao cinema com quem gostamos do que perder duas horas a comentar em todos os perfis de todos os nossos amigos para mostrar o quando lemos as suas divagações com atenção.
Portanto: uma desarmante falta de conteúdo e um inútil mecanismo de contacto entre as pessoas. Que mais defeitos encontro no Facebook (ou, sejamos rigorosos, na forma como as pessoas utilizam o Facebook)? Talvez a hipocrisia dos utilizadores. As nossas preocupações com questões de segurança, agora que o mundo da Internet e dos computadores veio automatizar tudo e mais alguma coisa, tornou-se paranóica. A população é geralmente contra os chips nos automóveis, contra cartões contendo todos os nosso dados, contra câmaras de vigilância nas ruas ou contra a organização e gestão de informações pela parte dos governos e dos bancos, tudo isto com a desculpa de que são inegáveis e perigosíssimos ataques às nossas liberdades individuais e à nossa privacidade; mas não vê qualquer problema em partilhar informações sobre a sua vida pessoal, fotografias dos filhos, da sua casa ou do seu carro, avisar toda a gente de quando e para onde vai quando sai de casa, revelar informações sobre doenças, preocupações íntimas e relações pessoais, onde trabalha, o que faz da vida, etc. Haver uma câmara que regista os movimentos nas ruas do centro da cidade de maneira a evitar crimes ou facilitar a reposição da ordem e justiça é simplesmente demais para a cabeça do nosso Zé Povinho, mas o mesmo aceita com toda a facilidade (aliás, não só aceita como é o único responsável) a partilha de informações pessoais num fórum totalmente público na Internet, onde todos podem ter acesso à informação.
E, relembro, fá-lo com a descontracção de quem utiliza um monitor e um teclado para despachar as suas relações com as outras pessoas, dando parabéns ou conversando com os amigos; e com a mesma descontracção de quem tem à sua disposição um fascinante mecanismo de partilha de informações e o utiliza para plantar batatas ou divagar sobre um provérbio chinês inspirador.
Quando penso no Facebook e na minha experiência pessoal com "ele", chego à conclusão de que não estou uma pessoa mais sociável ou me encontro em maior e melhor contacto com os meus amigos e conhecidos; e muito menos o tempo gasto a procurar entradas interessantes compensa a perda de tempo útil que podia estar a utilizar para fazer todas as coisas de que realmente gosto. E, no entanto, usei o Facebook durante meses. Quando penso nisto, resta-me perguntar-me a mim próprio se serei, eu e todos nós, tão estupidamente fáceis de entreter como isto, e se os nossos critérios estão assim tão baixos. Gostava de acreditar que não. Gostava mesmo.
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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Visita ao Zoo

Fui ao Zoo, levei a máquina da minha mãe (que é um espectáculo) e o resultado é esta emocionante reportagem sobre a mais selvagem das vidas selvagens (a alguns passos da Segunda Circular). Se quiserem dar os 16,50 euros do bilhete (que inclui todos os espectáculos e actividades dentro do Zoo, incluindo teleférico, golfinhos, mostra de répteis e aves em voo livre, entre outros) vale mesmo a pena ir visitar o Zoo. Ver animais não é só para crianças (mas evitem o espectáculo dos golfinhos, dura imenso tempo e é geralmente aborrecido).




Logo à entrada, o fotógrafo tem a oportunidade de conhecer e passar alguns momentos
de divertido tête à téte com o boneco do Epá.




Aves com respeito pela sinalização.




Um pombo de patas enfiadas num monte de esterco de rinoceronte.



O responsável pelo pedaço de esterco citado.




O que é que um gato está a fazer passeando-se pela área dos rinocerontes? Mistério (e mais esterco).




Uma espécie qualquer de ave com ar com ar de quem está com um problema familiar grave.





O clássico cemitério dos cães. Estes são apenas dois exemplos do lirismo presente nas lápides.




Um urso a usufruir de uma merecida sombra.



Uns macacos de mãos à espera pelos amendoins que muita gente lhes dá de bom grado, apesar dos gigantescos avisos informando que não se deve alimentar os animais.






As crias fofinhas têm de vir de algum lado.



Esta foi tirada na área gigantesca dedicada aos chimpanzés, numa altura em que meia dúzia deles e respectivos piquenos andavam a correr e a saltar em cima uns dos outros que nem doidos fazendo as delícias de quem assistia.





Mais chimpanzés.



Esta ficou bonita.




O cuidado no Zoo em manter os animais no ambiente o mais aproximado possível aos seus habitats originais é meticuloso e coerente, como podemos ver nesta fotografia. Junto aos elefantes, uma pequena queda de água para os refrescar; e mais acima, um prédio de apartamentos com roupa estendida a uma das janelas.




Um pato com uma curiosa protuberância na cabeça.





O enorme MacDonald's existente na zona de refeições do parque; isto porque o Zoo é o local perfeito para oferecer às pessoas do mais natural, selvagem e exótico. E se estiverem a perguntar-se onde raio fui buscar o helicóptero para poder tirar esta fotografia, informo-vos que foi tirada durante uma viagem de teleférico.




Uma transeunte totalmente anónima e com nenhuma relação pessoal com o fotógrafo estabelece diplomáticas e cordiais relações com a fauna do Zoo, nomeadamente com uma trupe de suricatas que quase me saltou em cima quando me debrucei sobre o vidro para a fotografar. Se não souberem o que raio é uma suricata aconselho-vos a rever o Rei Leão.





A fofinha pata de um crocodilo.




Um rinoceronte a fazer olhinhos à câmara.




Um pombo-de-nicobar, visivelmente mais estético
e atraente que os nossos pombos "normais".





Uma ternurenta espécie de Bambi qualquer.


E para terminar: sim, aquele sou eu segurando um bocado de uma pitão com muitos e muitos metros de comprimento. Momento alto do dia.


Visitem o Zoo de Lisboa. Vale mesmo a pena. Mais informações em http://www.zoo.pt/main.aspx

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domingo, 11 de julho de 2010

Se o PNR não é racista eu sou uma mulher de 35 anos

O Partido Nacional Renovador, o partido que mais luta pela igualdade em Portugal, fez uma manifestação contra os recentes assaltos na linha de comboios de Cascais. Como se tratava de uma manifestação “sem o objectivo de provocar”, escolheram a praia do Tamariz, na linha de Cascais, onde “a escumalha”, segundo um dos entrevistados, costuma ir relaxar e “fazer arrastões”. Outro dos protestantes reclamava com os grupos de “pretos e ciganos”, que segundo o PNR parecem estar no centro da criminalidade em Portugal. Parabéns, vocês têm muito jeito para fingir que não querem provocar ninguém!

Solução para a criminalidade? Mais poderes policiais e controle de imigração. O porquê do controlo de imigração ser um factor vital na luta contra a criminalidade pode ser um mistério. Veremos se encontramos respostas no site oficial do PNR:

A IMIGRAÇÃO É A CAUSA DE TODOS OS MALES?

Não. O PNR entende que cada povo pode enriquecer a sua cultura através do contacto com outros povos ou civilizações. Mas expressa igualmente a sua preocupação com as tendências mundialistas e multiculturais, das quais a imigração é apenas uma das faces, e que constituem uma ameaça à identidade, independência, e segurança nacionais.

O PNR bate-se contra a imigração desregulada, contra a importação de mão-de-obra barata, contra o nivelamento por baixo dos salários, contra o aumento da criminalidade, contra a proliferação de guetos e zonas de não-direito, contra o aumento do desemprego.

Eu estava enganado! O discurso parece quase razoável! Também eu sou contra a criminalidade, os salários baixos, e o desemprego. E em relação à imigração?

OS IMIGRANTES SÃO NECESSÁRIOS PARA FAZER CERTOS TRABALHOS?

Não. Antes de mais, se as profissões indiferenciadas fossem remuneradas com justiça haveria muitos portugueses interessados em segui-las, como sempre houve.

Aliás, o facto dos portugueses fazerem esses trabalhos lá fora é prova disso, mas se são pagos miseravelmente é porque há quem se sujeite a eles por qualquer preço, o que faz com que o nível salarial baixe cada vez mais.

Efectivamente, os imigrantes que partem desesperadamente à procura de uma vida melhor vão mentalizados para aceitar quaisquer tipo de condições, ficando à mercê de uma nova forma de escravatura e de multinacionais sem escrúpulos, que são quem realmente beneficia das políticas imigracionistas, não o próprio imigrante.

A beleza do raciocínio nacionalista pode ser resumida numa frase: imigrantes que venham para o nosso país são uma escumalha inútil e que pretende roubar o trabalho aos pobres dos portugueses, que só não os aceitam porque estar no desemprego deve ser melhor do que receber um salário baixo; mas os imigrantes portugueses noutros países são uns pobres coitados que, em desespero, se vêm explorados pelas multinacionais sem escrúpulos. Conseguem sentir o aroma a hipocrisia? Mas espera, eles adivinharam a pergunta que ia fazer a seguir!

OS PORTUGUESES TAMBÉM NÃO SÃO UM POVO EMIGRANTE?

Sim. Mas, antes de mais, os Portugueses que habitam em território nacional não podem ser constituídos reféns dos que, por motivos pessoais ou materiais, demandaram para outros países.

Além disso, é preciso ter em conta ainda que a maior parte dos emigrantes portugueses instalou-se em países europeus, como a França, a Alemanha ou a Suíça, não pondo em causa os costumes e os aspectos civilizacionais dos países de acolhimento.

Ah, está explicado. Então o problema não está nos imigrantes ou na imigração em si, mas sim na nacionalidade dos imigrantes que cá chegam, cultura essa que pode colocar em risco os “aspectos civilizacionais” dos outros países. Assim, um imigrante de uma cultura “europeia” será com certeza bem-vindo e não faz mal nenhum, mas são esses malandros de outras culturas que vêm estragar tudo! Pouco importa se o imigrante faz realmente algum trabalho de qualidade, ou produz riqueza; o que importa é a cultura de onde veio, porque ela pode chocar de alguma maneira com a nossa cultura e isso é que não pode ser. Aliás, toda a gente sabe que o contacto com outras culturas é das coisas que mais criminalidade e caos social traz a um país. Continuemos, exactamente sobre se os imigrantes produzem ou não riqueza:

OS IMIGRANTES GERAM RIQUEZA?

Não, geram tanta riqueza como outra pessoa qualquer, mas regra geral o imigrante ainda beneficia das benesses custeadas pelos portugueses e que lhes são dadas pelos governos, subservientes do mundialismo e capitalismo selvagem que alimenta as suas negociatas.

Então… Isso não quer dizer que um imigrante trabalhador gera tanta riqueza como um português a fazer o mesmo trabalho? E não estarão todos os pobres desempregados portugueses, que face aos baixíssimos salários oferecidos pelo patronato (obviamente responsabilidade dos temíveis imigrantes de outras culturas), ao usufruírem do subsídio de desemprego e outras regalias, a “beneficiar de benesses custeadas pelos portugueses e que lhes são dadas pelos governantes”? Para o PNR, aparentemente, a cultura é que é o mais importante. Se a minha cultura for europeia e eu estiver a sobreviver de subsídios por não ter emprego, sou uma vítima de um sistema multicultural e injusto; se eu vier de uma cultura não-europeia, sou um aproveitador e um desonesto. Estranhos critérios.

Os imigrantes podem contribuir para o aumento do PIB, mas isto se não forem incluídas as despesas que a presença deles em Portugal implica, e que fazem com que eles na verdade contribuam para o empobrecimento do Estado.

Então uma pessoa que trabalhe e que produza riqueza mas que, por ter filhos, ou por usufruir do serviço nacional de saúde, ou por ter abonos de família, ou por ter qualquer tipo de ajuda social, está a empobrecer o Estado? Segundo o PNR, está; mas só se for imigrante, porque ao que parece não há NENHUM português que, apesar de produzir riqueza com o seu trabalho, não beneficie de algum tipo de ajuda social. Continuemos, depois de já estar bem assente que, além de “igualdade”, os nacionalistas não parecem ter ido ao dicionário procurar o significado de “hipocrisia”:

Junte-se ao valor do défice os milhões que já foram, e ainda são, gastos com habitação social, rendimentos mínimos, abonos a famílias que não param de crescer, recrutamento de polícias para vigiar certos bairros, custos com serviços prisionais, subsídios de desemprego, assistência hospitalar e sanitária, cursos profissionais e de língua portuguesa, etc., etc., tudo isto custa muitos milhões aos contribuintes.

Desafio ao leitor: da lista apresentada acima, aponte-me UM ÚNICO dos factores de despesa pública enumerados que não seja também usufruído por portugueses. Não há portugueses com o rendimento mínimo? Nem nas prisões? Nem a ter famílias numerosas? (aliás, curioso que o PNR critique os abonos a famílias que “não param de crescer” quando também se apresentam como um “partido pós-família e pós-vida”) Muito menos com subsídio de desemprego?

A ideia do PNR é claríssima: os imigrantes são uma massa de pessoas sub-desenvolvidas, com tendências para o crime, para o desemprego, e para a despesa pública, que retiram prazer de viver à conta do Estado. E, como já ficou demonstrado, o PNR defende que esses imigrantes são os de culturas não europeias, o que não deixa grande margem para dúvidas. Os negros são o principal alvo de críticas do PNR. Mas serão racistas?

O PNR É UM PARTIDO RACISTA?

Não. O racismo é uma doutrina que assenta na superioridade de uma raça sobre as outras. Ora, os nacionalistas são os únicos que verdadeiramente respeitam as diferenças entre raças, povos e nações, e que pretendem que estas não desapareçam.

Sim: a diferença entre um português desempregado ou com acesso a subsídios do Estado e um não-português desempregado ou com acesso a subsídios do Estado é que o primeiro é uma vítima do segundo. O PNR até é simpático, e respeita as diferenças entre “raças” (bela escolha de palavras); desde que essas diferenças fiquem lá bem longe, nos outros países.

E, relembrando o comentário referido no início do post sobre as guerras de gangs entre ciganos e “pretos” e a adjectivação de “escumalha” aos visitantes da praia da linha de Cascais, o site do PNR sublinha:

O PNR condena o terror das agressões racistas, verbais ou físicas, e de que são vítimas muitos portugueses no seu dia-a-dia.

Ah, percebi! Então o PNR não é racista porque condena as agressões racistas, mas só contra portugueses. As agressões racistas aos não portugueses não merecem atenção, aliás, nem parecem constituir racismo. Dizer que o Partido Nacional Renovador não é racista é uma verdade ao mesmo nível de defender que o Hitler foi um grande defensor da igualdade entre os povos.

Talvez o cartaz do PNR colocado em Lisboa, ilustrando uma ovelha branca a expulsar à marrada uma série de ovelhas negras do país, seja o mais brilhante exemplo do cuidado que o PNR tem em não parecer racista:


sábado, 10 de julho de 2010

O que têm em comum O Segredo, Jesus e o Pensamento Positivo?

Estou de férias, o que me permite perder tempo com coisas nas quais não gastaria um segundo em tempos mais ocupados. Entre jogar Yu-Gi-Oh e descobrir com satisfação uma espécie de Videoclube com séries no meu aparelhómetro do Meo, pus-me a ler “O Segredo”.

Primeiro um filme e depois um livro, “O Segredo” é basicamente a ideia de que basta pensarmos ou querermos muito uma coisa para que esta aconteça, quer seja dinheiro, um carro novo ou a cura de uma doença crónica. Desde 2006, data em que saí o filme original, nem está tudo rico muito menos foram curadas as gravíssimas doenças crónicas que pareciam nada mais do que o resultado de pensamento negativo na perspectiva do Segredo, por isso das duas uma: ou todo o mundo ignorou a maior descoberta da história humana em larga escala, ou a coisa simplesmente não resulta.

Mas se sabemos que não resulta, porque é que toda a gente cai no esquema? Bem, primeiro é porque resulta mesmo, pelo menos em algumas situações. Parece-me óbvio que muitas vezes o optimismo pode realmente levar a bons ou melhores resultados. Uma equipa de futebol desmoralizada joga pior que as outras, isto porque o nosso estado de espírito afecta o nosso desempenho. Isso não significa, no entanto, que seja o pensamento positivo o responsável pelos bons resultados. Se eu acreditar sem sombra de dúvidas que vou passar num exame, e estudar com esse objectivo, é natural que tire melhor nota simplesmente porque o meu estudo foi mais concentrado e atento; enquanto que se estiver numa total depressão nervosa dificilmente me vou concentrar. O problema é que, ao ter boa nota no exame, posso agradecer ao Segredo e a minha inegável ligação com as mais poderosas energias do Universo, ou posso ser capaz de perceber que o crédito é simplesmente meu.

O Segredo, e outras ideias sobre pensamento positivo, baseiam-se na ideia de que ao termos pensamentos positivos e ao darmo-nos bem com toda a gente, atraímos magicamente energias semelhantes para o nosso corpo. Mas será preciso uma explicação mágico-energética para um fenómeno tão óbvio? Claro que se eu andar pela rua a maltratar e esmurrar todas as pessoas que encontro, incluindo família e amigos, toda a gente me vai responder na mesma moeda; mas se for simpático e tratar melhor as pessoas, terei mais probabilidades que as outras pessoas sejam simpáticas para comigo.

Isto resulta até certo ponto, porque a partir do momento em que deixamos o domínio das outras pessoas e daquilo que pode realmente “responder” aos estímulos que recebem da minha parte, entramos no campo da demência. Se eu pensar positivamente em relação a ganhar a lotaria, será razoável pensar que tenho mais probabilidades de ser premiado? (e aqui levanta outra questão curiosa: e se TODA a gente pensar positivamente que vai ganhar a lotaria ao mesmo tempo? Como é, o Universo escolhe quem ganha e quem perde?) Se eu quiser mesmo mesmo mesmo ter um carro desportivo, será que o vou receber? O universo dá carros desportivos assim, desta maneira? Se eu tiver a certeza no meu coração que vou arranjar um emprego maravilhoso, será que vou mesmo? Provavelmente, mas ainda resultará melhor se eu comprar mais bilhetes da lotaria, ou poupar para comprar o carro, ou for à entrevista de emprego com um currículo impressionante. Não há nenhum poder universal e cósmico a reinar o Universo, muito menos a controlar se ganhamos o carro que queremos ou não. Há sim, da nossa parte, uma predisposição para trabalhar mais e melhor ou atingir um melhor desempenho quando o que está em jogo são coisas que queremos ou gostamos mais.

Mas como ninguém percebe isto, culpam O Segredo e outro tipo de programas e teorias das leis da atracção e dos pensamentos positivos, porque até parece fazer sentido. É o mesmo truque de igrejas como a IURD, que publicitam a sua mensagem utilizando comoventes casos de vidas transformadas para melhor pelo poder de Jesus. “Agora tenho uma casa própria, um emprego e o meu filho já não me bate” é apenas um exemplo. Tenho uma dor de cabeça. Se eu tomar uma aspirina e ao mesmo tempo rezar ou utilizar o meu pensamento positivo para acreditar no meu coração que a minha dor de cabeça vai ficar curada, o que curou a minha dor de cabeça? A aspirina ou as energias cósmicas do pensamento positivo?

O bom do Segredo, como aliás de qualquer teoria sobre “pensamento positivo”, é que pode ser testado. A razão porque as pediatrias de todo o mundo ainda dão medicamentos às suas crianças em vez de aulas de como relaxar, pensar positivo e entrar em contacto com as energias do Universo é porque nada disso salva vidas. Bastaria colocar 100 crianças de um lado, com a sua medicação regular, e 100 crianças do outro, sem qualquer meditação mas com doses elevadas de pensamento positivo, e esperar pelos resultados. Claro que ninguém fará isto, muito menos quem defende este tipo de “teorias”, porque seria facilmente acusado de infanticídio.

Falo nisto porque encontro o mesmo padrão em todos os gurus das curas milagrosas, religiões ou técnicas do pensamento positivo: todos prometem curas milagrosas para as enfermidades mais terríveis, todos parecem estar interessadíssimos em que toda a gente fique curada, rica, ou totalmente feliz da vida, e todos (dizem) acreditar que o sistema DELES é que é inegavelmente o mais eficiente. O leigo que olhe para a variedade de opções que há por aí fica sem saber no que acreditar. Em Jesus? Num disco milagroso? No poder do pensamento positivo? No Segredo? Afinal, que raio de força é esta? E se é tão positiva, energética, e capaz de alterar para melhor a vida de uma pessoa, desde a estabilidade económica às curas de doenças e passando pelo bem-estar emocional, porque é que a totalidade da Medicina mundial não abraça estes métodos? Com certeza haverá mais pacientes curados e problemas resolvidos no mundo (e, consequentemente, lucro para quem o vender, se me quiserem acusar de tratar os médicos e cientistas de serem é agarrados ao dinheiro e fechados a novas ideias) se estas técnicas forem implementadas a nível mundial, em todos os hospitais, psiquiatrias e, caramba, postos da segurança social.

No entanto, tal como a metodologia, todas as técnicas milagrosas têm em comum uma aparente dificuldade em demonstrar os seus resultados. A única forma que nós leigos e simples mortais que desconhecem o poder supremo do Universo têm de obter informações sobre os resultados de tais fantásticas descobertas é por relatos de pessoa aqui e pessoa ali, “Ah, mas isto resultou com o meu primo” ou “Eu tinha gota e agora já não”. Seria de esperar que a demonstração de tão evidente forma de curar milhões de tudo e mais alguma coisa não seria difícil de conseguir. No entanto, parece que a única forma de termos acesso a este tipo de curas e fenómenos cosmológicos e energéticos é inscrevermo-nos nas respectivas religiões, centros de ajuda espiritual, workshops ou cursos intensivos. Se eu tivesse algo que pudesse salvar a vida de milhões nas minhas mãos e mudar o mundo da medicina ao mesmo tempo contactava o comité Nobel e as grandes Universidades mundiais, e não um publicitário.

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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Traição

Pedro ligou à mulher a avisar que não ia jantar a casa, que tinha uma importante reunião de negócios para preparar, e assim que desligou o telefone chamou a sua secretária e pediu-lhe para desligar o telefone. Ela assim fez, no seu profissionalismo provocante, entrando no gabinete com a blusa já desapertada. Entusiasmado, Pedro soltou uma gargalhada galopante, e encostou-se para trás na cadeira. A sua secretária podia até ser uma óptima profissional, com um curriculum impressionante, mas que era um bom pedaço de mulher ai isso era.
A sua secretária atirara já os papeis e as molduras com as fotos da mulher de Pedro para o chão quando a campainha tocou. Pedro ficou vermelho.
- Deixa estar – disse a secretária, mordendo-lhe a orelha com tiques felinos. Pedro sentiu a testosterona borbulhar-lhe entre as pernas. A campainha voltou a tocar uma, duas vezes. A secretária ia já de boca onde não devia quando a campainha voltou a tocar, sem parar, com uma incrível perseverança. Pedro soltou um grunhido, e depositou a secretária em cima da mesa.
- Vai ver quem é, e quem quer que seja despacha-o. Vai, vai! – pediu, apertando o cinto, atirando o cabelo grisalho para trás da orelha. A secretária apertou a blusa e olhou-o com cara de poucos amigos. Pôs uma perna à frente da outra de forma provocante, e foi abrir a porta. Pedro ouviu vozes, a secretária demorou-se, e quando finalmente regressou trazia um homem atrás de si.
- Senhor Gaspar, este senhor quer falar consigo – disse ela, numa voz de má actriz. O homem era enorme, tinha bigodes, e um olhar vago.
- Pedro Gaspar?
- O próprio. Que deseja?
- Posso falar consigo a sós?
- Sofia, deixa-nos sozinhos por favor.
Sofia, a secretária, mostrou-lhe o dedo nas costas do homem de bigode, e saiu fechando a porta. Pedro engoliu em seco.
- Que deseja? Estou extremamente ocupado.
- Não vou demorar, Sr. Gaspar. É apenas para lhe dizer que sou Ricardo Matias, investigador privado. Sabe o que faço da vida?
- Investiga a vida das outras pessoas? – perguntou Pedro, sarcasticamente.
- Exactamente.
- É da polícia?
- Não, já fui. Tenho as minhas facilidades, aprendi com a profissão e sei como obter informações. Sou especialista em infidelidade matrimonial.
- Vá direito ao assunto, por favor.
- Vim só dizer-lhe que tirei algumas fotos que podem ser interessantes – disse ele, atirando uma fotografia rectangular para cima da mesa. Nela, Pedro estava semi-nu, deitado em cima da sua secretária no que parecia ser uma cama de hotel. O enquadramento era tremido e torto, mas a imagem era perceptível.
- Ora adivinhe lá quem me contratou – disse Ricardo Matias, sentando-se sem cerimónias. Pedro agarrou na fotografia e parou para pensar, sem conseguir controlar na totalidade a cor vermelha que lhe subia à testa – e adivinhe lá quantos zeros tem de ter um cheque seu para que essas imagens não cheguem às mãos de quem as quereria muito ver.
- Dê-me um momento, por favor – resmungou Pedro, pregando os olhos nas fotografias como que a certificar-se que sim senhor, era a sua gorda e peluda figura aquela deitada em cima da sua secretária. Ricardo Matias cruzou as mãos sobre o colo e olhou em volta como que a estudar o ambiente numa sala de espera. Estava tranquilo. Pedro rasgou as fotografias num furioso acesso de raiva, e atirou os pedaços para o outro lado da mesa.
- Tenho os negativos, como deve imaginar – disse Ricardo Matias, quase pedindo desculpas.
- Ouça-me – disse Pedro, mas calou-se outra vez, o que não deixava de ser contraditório. Finalmente olhou Ricardo Matias nos olhos e estendeu-lhe um dedo – Eu sou um homem rico e poderoso. Tenho grupos inteiros de homens como você a trabalhar para mim. É só fazer um telefonema. Estas imagens vão desaparecer, ou um de nós desaparece em vez delas. Entendido?
- Um de nós significa o senhor, suponho? – disse Ricardo Matias com uma fingida inocência.
- Não brinque comigo – Pedro parecia uma panela de pressão pronta a cuspir a tampa. Os seus olhos eram dois pequenos pontos brilhantes – Eu não serei chantageado por um tipo como o senhor.
- Óptimo - Ricardo Matias levantou-se como se a conversa tivesse terminado por decisão sua - Olhe, fazemos assim. Pense melhor. Deixarem o meu número junto da sua muito profissional secretária. Convinha que me dissesse alguma coisa nas próximas vinte e quatro horas, senão vou achar que não se sentiu suficientemente chantageado por um tipo como eu, e serei obrigado a dar essas fotografias a quem pertencem – piscou-lhe os olhos e saiu.
Ricardo Matias saiu do escritório. Entrou a secretária.
- O que foi aquilo?
Pedro estava absolutamente inchado.
- Sai – ordenou. A secretária sabia que era mesmo melhor sair. Fechou a porta atrás de si. Pedro agarrou no telefone e marcou um número.
***
- Não achas que isto é um bocado exagerado? – perguntou Tobias, o assassino profissional contratado por Pedro para encontrar o detective privado com as fotos incriminatórias, enquanto olhava de lado para o revólver que lhe apontavam à cabeça.
- Nem por isso - respondeu Ricardo Matias, entrando no carro e sentando-se no banco de passageiros ao lado de Tobias. A mão que segurava a arma não tremeu – O teu patrão contratou-te para me seguires?
- Ei, não sei do que estás a falar – disse Tobias com um sorriso, levando tudo com a maior calma do mundo – Eu só estava aqui a comer um hambúrguer. Estou à espera da minha senhora, que vem ter comigo para irmos à baixa beber um copo.
- A tua senhora.
- Sim, a minha senhora.
- És um bom mentiroso.
- Faz-se por isso.
- Achaste que eu era estúpido o suficiente para atravessar a rua, tirar a chave do bolso e entrar em casa sem antes me certificar que não havia nenhum parasita como tu nas imediações?
- Sinceramente? Sim.
- Vou sair deste carro, e tu vais ligar o motor e com toda a calma do planeta acelerar daqui para fora, rua abaixo, e não vais voltar mais. Entendido?
Tobias olhou de lado para a arma. Sentiu-se estúpido. Era suposto ser um profissional, mas quando tinha fome e começava a comer esquecia-se de tudo e ficava desleixado. Esperar que o tal detective privado, que agora lhe segurava uma arma à cabeça, regressasse a casa da sua ronda de chantagem abrira-lhe o apetite, e fora até a um restaurante da esquina comprar um pacote de batatas fritas, um hambúrguer e uma coca-cola extra large. Ia a meio do pacote de molho para batatas quando aquele individuo lhe entrara no carro com todo o descaramento.
- Pensando melhor, posso esperar a minha senhora noutro sítio, sim – disse ele. Que se dane, ia dali para fora e voltaria mais tarde para maltratar os testículos deste sacana. Ninguém lhe apontava uma arma à têmpora e continuava a andar normalmente durante muito tempo.
Ricardo Matias não tirou os olhos de Tobias à medida que saia do carro, levando o pacote de batatas consigo. Tobias viu-o afastar-se um metro da viatura, virou a chave e acelerou devagar. As batatas era demais. Apontar-lhe a arma era uma coisa, mas levar-lhe as batatas era muita humilhação.
***
- O seu marido contratou um dos seus capangas para me seguir, e eu surpreendi-o à porta de casa – disse Ricardo Matias. A mulher do outro lado da sala levou o copo de whisky à boca e continuou a olhar pela janela.
- Sempre foi um selvagem. Não me admira nada. Suponho que está preparado para lidar com esse tipo de ameaça.
- Felizmente.
- Muito bem – a mulher tinha uns cinquenta anos, um cabelo pomposo, e a postura e o queixo levantado de uma daquelas senhoras da alta sociedade que alia uma enorme quantidade de dinheiro a uma doentia frieza e objectividade que a tornavam perigosa. Falava das traições constantes do marido com o mesmo tom, timbre e ritmo daquele que usava quando pedia à empregada que lhe fosse buscar um copo lavado.
- Se me permite, Sra. Gaspar.
- Trate-me por Helena, por favor. Esse apelido enoja-me actualmente.
- Se me permite, Helena, devo dizer-lhe que acho pouco provável que o seu marido me dê algum tipo de dinheiro pelas fotografias.
- Eu conheço o meu marido, Ricardo. Eu sei perfeitamente que ele venderia a alma para manter a sua reputação intacta.
- Porque insistiu que o fosse visitar e oferecer-lhe as fotos por dinheiro?
- Porque quero ver até que ponto vai a sua desonestidade e corrupção. Por outras palavras, quero ver quanto vale para o meu marido a sua reputação. Escusado será dizer que receberá a quantia monetária que ele lhe oferece na totalidade, além do que já lhe pago. A mim pouco me importa o dinheiro neste momento, até porque o dinheiro que lhe pago não é meu, é do meu marido.
- Então o que lhe importa?
Helena Gaspar olhou para Ricardo e pousou o copo numa pequena mesinha de madeira.
- Importa-me esmagá-lo.
***
A criada serviu o caldo com uma concha de prata. Helena começou a bebericá-lo, sem precisar de olhar de lado para Pedro. Sentia-o a mexer-se na cadeira como uma criança gorda e nervosa.
- Correu tudo bem no escritório hoje? – perguntou Helena.
- Correu – disse Pedro, sem sequer olhar para ela. Começou a beber o caldo.
As colheres faziam barulho a raspar no prato. Cinco minutos depois a criada regressou para levantar os pratos e servir o prato principal.
***
Ricardo agarrou no telefone, marcou o número e esperou. A voz da secretária era mecânica e profissional.
- Escritório de Pedro Gaspar.
- Bom dia, cara amiga. Poderia ser amável ao ponto de me passar o seu chefe?
A secretária olhou para o escritório de Pedro através da parede de vidro que os separava. Pedro olhou para cima, compreendeu-lhe a expressão facial e disse que não com a cabeça.
- O Sr. Gaspar neste momento está a meio de uma importante reunião, não o poderá atender.
- Ande lá com isso, ambos sabemos que não há reunião nenhuma.
- O Sr. Gaspar está ocupadíssimo.
- Bem, sendo assim terei de ligar mais tarde – disse Ricardo, e desligou o telefone. Saí da cabine telefónica, olhou para os dois lados da rua, atravessou-a e entrou pela porta.
***
- O que disse ele? – perguntou Pedro Gaspar, aproximando-se da secretária.
- Que liga mais tarde – informou ela. Trocaram um olhar cúmplice, que tentava ao máximo manter uma imparcialidade que nunca poderia existir. Pedro desapareceu para dentro do escritório, fechou a porta. Alguém tocou à campainha, a secretária foi abrir e Ricardo entrou sem cerimónias.
- Cá estamos outra vez, não é assim? Decidi vir sem avisar, espero que não haja problema – olhou para a parede de vidro, atrás da qual Pedro Gaspar bebia um copo de whisky de uma assentada – Ah, vejo que a reunião acabou.
Ricardo entrou no escritório e sentou-se numa das cadeiras. Pedro não se virou, permanecendo de frente para o pequeno bar atrás da secretária.
- Pode ser sem gelo – disse Ricardo.
- Saia imediatamente do meu escritório ou chamo a polícia.
- Não foi muito simpático da sua parte enviar um tipo para me seguir daquela maneira.
- Não sei do que está a falar.
- Ouça, não lhe vou dar um valor certo porque você é um homem de negócios de renome, e portanto lá saberá quanto vale a sua integridade pessoal. Mas lembro-me distintamente de lhe ter dado um prazo de vinte e quatro horas. Já começou a pensar num valor?
- Não lhe vou pagar um único cêntimo – rosnou Pedro. Começou a ficar vermelho, o que parecia ser sua tradição em momentos de stress.
Ricardo levantou os ombros.
- Ok! –levantou-se e ia sair pela porta quando Pedro lhe pediu para parar. Ricardo ficou de mão na maçaneta.
- Quanto?- perguntou Pedro, como quem tem uma espinha presa na garganta.
- Estou aberto a sugestões.
Pedro dobrou-se sobre um pequeno livro de cheques, rascunhou qualquer coisa, arrancou-o com força e estendeu-o a Ricardo. Ricardo atravessou o escritório e agarrou no cheque.
- Agora desapareça-me da frente.
Pedro deixou-se cair na cadeira e levou o copo de whisky à boca. Ricardo saiu, cumprimentando a secretária com um aceno amigável enquanto enfiava o cheque no bolso do casaco.
***
- Impressionante – disse Helena Gaspar, mirando o cheque – Impressionante.
- Não estava à espera que fosse tanto, confesso – Ricardo estava na mesma cadeira onde se sentava sempre que visitava Helena Gaspar. Ela, de pé, olhava para o cheque com desdém.
- Que tamanha falta de brio, de honestidade, de decência – disse, estendendo-lhe o cheque. Ricardo aceitou-o – É seu, bem o mereceu. Tem as fotografias?
Ricardo depositou um envelope castanho A4 em cima da mesinha ao seu lado.
- Incluindo os negativos.
- Óptimo – Houve uma pausa. Helena olhava pela janela para o impressionante jardim que se estendia lá fora. – Sabe, a perspectiva de me divorciar do meu marido não me aflige minimamente. Pensei que seria pior, muito pior, mas a sensação é na verdade extremamente agradável.
- Fico feliz por saber isso.
- Muito obrigado pelo seu serviço, Ricardo. Guarde o cheque, mereceu-o.
- O prazer foi meu, Helena.
Cumprimentaram-se com um cordial aperto de mão. Ricardo saiu, guardando o cheque no bolso interior do casaco para não o perder.
***
- Pedi-te especificamente para que a minha cara não fosse reconhecível – disse a secretária, pousando a fotografia em cima da mesa e dando mais um gole do seu batido de morango. Ricardo puxou a fotografia para si e guardou-a.
- As minhas desculpas.
- Não quero que a minha cara apareça nos jornais – insistiu ela.
- Eles esborratam a imagem para não se ver os pormenores mais sórdidos. Aliás, pela posição em que estás na fotografia a tua cara devia ser o mínimo das tuas preocupações – Ricardo sorriu-lhe, mas ela não pareceu estar interessada em brincadeiras.
- Trouxeste aquilo? – perguntou. Um À sua volta, sentados na esplanada, os homens não deixavam de reparar nela, talvez perguntando-se o que raio faria uma mulher daquelas a beber um refresco com um tipo de gabardina.
Ricardo estendeu-lhe uma mala por cima da mesa.
- Meu deus, que dramático – um sorriso, pela primeira vez – Uma mala, como nos filmes.
- É para tornar tudo mais real. Consegues imaginar o que aí está dentro?
- Quantos zeros tinha o cheque?
- Bastantes.
- E aí está metade?
- Hum hum.
A secretária puxou a mala para si, passou-lhe a mão por cima como que lhe sentindo a textura e temperatura. O empregado de mesa aproximou-se trazendo a conta.
- Eu faço questão – disse Ricardo, pagando com uma nota de vinte e deixando o troco. Levantou-se, cumprimentou a secretária com um cavalheiresco beijo nas costas da mão e despediu-se.
- Até uma próxima.
- Até uma próxima.
Ricardo afastou-se, e a secretária ficou a beber o seu refresco até ao fim.
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