sábado, 25 de dezembro de 2010

Um euro de Natal

Indivíduo dedilhava o teclado do telemóvel de última geração. Estava a acabar de escrever uma mensagem que dizia:
“Apesar de toda a crise e de toda a fome e pobreza, teremos sempre o Natal para aproveitar o que mais gostamos e passar tempo com aqueles que mais amamos. Desejo-te um Santo Natal, com muita paz e amor, cheio de prendas e felicidade, e umas grandes entradas no próximo ano. Que todos os teus desejos se realizem e que os teus objectivos se concretizem. E que consigas passar muito tempo com os que mais amas.”
Indivíduo releu a mensagem e repensou o seu conteúdo. Achava que estava curta demais. Faltava qualquer coisa, talvez a palavra amor só que com maiúscula. Por isso acrescentou no fim:
“Com muito Amor para ti e para aqueles que mais amas”
E preparava-se para clicar no botão “Enviar a todos os contactos” quando a janela de seu quarto se desfez em estilhaços e uma bala lhe furou a testa como se fosse papel. O indivíduo tombou, largando o telemóvel a meio caminho entre a posição de pé e o chão alcatifado de sua casa. Quando a sua cabeça esburacada atingiu o chão, já o seu telemóvel caíra em cima do sofá com a mensagem “Erro ao enviar a mensagem” em brilhantes letras brancas.
O atirador furtivo, no topo do edifício do outro lado da rua, arrumou a arma de alto calibre e vestiu as luvas. Mais um Natal salvo. O seu trabalho ali estava feito.

O Autor deste blog gostaria de desejar uma excelente celebração desta festa tipicamente católica e, portanto, portuguesa que é o Natal. A celebração do nascimento de uma figura mitológica que, ao que parece, nem sequer nasceu em Dezembro, é algo a respeitar e a preservar. Desejo-vos muitas árvores pagãs cheias de presentes que destruirão os vossos filhos com mimos injustificados e uma grande entrada em 2011.
Com muito Amor, sarcasmo e, claro, Amor,
O Autor

A defesa da privacidade pública

Há duas coisas que o típico português aprecia e defende acima de tudo o resto: o direito à mais obsessiva privacidade e as modernices inúteis. Numa conjugação destes dois gostos muito populares, a Administração da minha escola decidiu disponibilizar as notas do 1º Período de uma forma original.
Avisos:
Classificações do 1º Período
Aviso os alunos e seus encarregados de educação que as classificações do 1º período se encontram afixadas em pauta nas vitrinas disponíveis na escola e também publicitadas no GIAE online.

O director, em 21.12.2010
O GIAE é a sigla complicada que define um site onde os alunos vêem as suas faltas e notas, o qual só pode ser acedido por uma password que os directores de turma devem dar aos alunos. A razão parece simples: promover a privacidade do aluno, evitando que as outras pessoas vejam as suas notas.
O que é coerente com o facto de essas mesmas notas estarem disponíveis publicamente nas vitrinas da escola; assim, quando algum espião internacional quiser destruir a minha liberdade e privacidade individuais ao analisar os meus resultados escolares, só terá de se dirigir à própria escola que, com passwords, senhas de acesso e GIAES online, só dificulta a vida do próprio aluno na sua luta para preservar o seu direito à privacidade.
Safa-se o espião internacional mas não o aluno que, sem pass (porque nunca a recebeu, porque a perdeu, porque não a tem naquele momento) não tem forma de saber que notas tirou no 1º Período; a não ser que queira interromper as férias com uma visita física à escola que, com certeza, estará fechada durante alguns dias do Natal e do Ano Novo.
Resta-me esperar pelo primeiro dia de aulas para ver as minhas notas, e, com cuidado, evitar olhar para o resto da pauta, onde figuraram as notas dos meus colegas. A última coisa que quero é sodomizar-lhes a privacidade.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Smith e as Sereias - Fim

Num dos caixões, o corpo magro de um rapazinho louro, cujo aspecto de menino bonitinho e inocente estava violentado pela maquilhagem pesada e pelas bochechas chupadas.

Noutro dos caixões, uma sereia lindíssima, de longos e pálidos cabelos louros, com as pálpebras cerradas respeitosamente sobre dois enormes e sedutores olhos azuis.

Noutro dos caixões, uma outra sereia, também esta lindíssima, de ondulados cabelos ruivos que por alguma razão tinham perdido a sua cor viva. As suas mãos delicadas estavam colocadas confortavelmente sobre a sua barriga lisa, junto ao soutien feito com conchas lilases.

E no último dos caixões, um homem jovem, de cabelo castanho, faces simples e roupas ainda mais, conservando ainda um pequeno esgar sarcástico e matreiro nos músculos rígidos da boca.

O Autor entrou na pequena Igreja e observou a enorme Pescada de pedra, no topo do altar, e os quatro caixões colocados no centro, uns ao lado dos outros, abertos. À entrada da igreja estava um livro de visitas aberto e em branco, com uma Bic por estrear ao lado de um jarrão de corais. O Autor dobrou-se, agarrou na caneta, pensou no que escrever e desistiu. Pousou a caneta e caminhou até ao centro da sala.

O cheiro a mofo da Igreja misturava-se com o cheiro dos químicos que fluíam de dentro dos caixões, provavelmente responsáveis pela conservação dos corpos debaixo de água. E quem quer que tivesse tratado do funeral tinha feito um bom trabalho. Os corpos estavam bem concervados, realistas. Pareciam, vá lá, vivos. Como se tivessem existido até alguns segundos atrás e só agora mesmo, neste momento, tenham fechado os olhos.

O Autor dobrou-se e depositou junto aos caixões um enorme ramo de algas coloridas, colhidas nas estufas reais agora desertas e em ruínas. Por alguma razão aquele ramo de algas tinha sobrevivido, impávido e alerta, a toda a ruína que parecia agora cobrir o Palácio Real. Até a Igreja, observava o Autor, tinha buracos na parede, algas-daninhas a crescer aos cantos e um ou outro animal marinho a espreitar por entre fendas e buracos sujos. Era como se tudo à sua volta tivesse morrido, e também merecesse estar dentro de um caixão.

O Autor ficou de pé a olhar para os quatro caixões e o silêncio da situação incomodou-o. Subitamente aquele funeral parecia-lhe estúpido por ser desprovido de qualquer pessoa a chorar. Que chorasse ele, ao menos; mas não conseguia. Não era dado a esse tipo de emoções, se bem que já estivesse estado mais longe.

As causas daquelas mortes continuavam a ser um mistério, mas o Autor pesquisava por entre a sua memória à procura de qualquer referência. Talvez a culpa fosse sua, uma qualquer negligência da sua parte; ou um acidente de percurso, incalculável e impossível e prever.

Sentou-se pesadamente num dos bancos de madeira agora apodrecida, e colocou o queixo sobre as mãos. Ficaria por ali um pouco, a prestar o seu respeito aos mortos. Há que respeitá-los por aquilo que fizeram em vida.

Horas depois o Autor levantou-se do banco e olhou uma última vez para os quatro caixões. Não gosta de despedidas, especialmente se a pessoa de quem se despede não lhe pode responder com um “Até sempre”, ou “Não é preciso ficares assim”, ou ainda “São coisas que acontecem, faz parte da vida”.

O Autor sentiu-se inútil ali de pé. Deu um jeitinho no ramo de algas, que entretanto escorregara ligeiramente, e caminhou de mãos nos bolsos e cabeça baixa até à saída da Igreja, e daí para fora do Oceano.


Fim



Todas as Terças e Quartas nunca mais haverá episódios do Smith e as Sereias.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Hoje apetece-me ridicularizar as crenças religiosas de alguém…

… E nada melhor que agarrar neste texto.
É do senso comum que a principal consequência da série Harry Potter é um aumento significativo de jovens e crianças a praticar bruxaria. Isso toda a gente sabe. Mas é sempre bom quando podemos ler um artigo como este, em que essa ideia é defendida. E de que maneira!

"Harry Potter and these 'Twilight' vampires glamorize the power of evil," argues author and Roman Catholic Priest Thomas J. Euteneuers.
A practicing exorcist, Euteneuers told Deal W. Hudson of InsideCatholic that he intended his new book, "Exorcism and the Church Militant," as a warning on how the Harry Potter series and Stephanie Meyer's "Twilight" movies about teenage vampires, for example, desensitize children to "the dark world" of witchcraft.

Vê-se logo que estamos a ler um texto sério quando o especialista chamado para opinar é um “practicing exorcist”. Mas calma, não critiquemos já o trabalho deste respeitável académico. Estavam a dizer…?

Euteneuers says the wild popularity of the Potter films encourages children and teens to be curious, even to dabble in occult activity, trying their own hands at magic spells, tarot cards, Ouji boards and the like. And once kids start "playing around" with the occult, he says, it "opens a window" for Satan and his minions.
"Demons do not discriminate between intentions – no matter how innocent – and children lose the clear distinction between good and evil," Euteneuers says. "This has lead to many, many cases of [demon] possession among young people."

Para Euteneuers, ler o Harry Potter torna as crianças mais vulneráveis e receptivas às investidas do demónio. Todos sabemos o quanto a taxa de possessões a nível mundial aumentou drasticamente desde que a juventude começou a ler este tipo de literatura. Eu próprio, fã inegável, senti muitas vezes a presença do Diabo a tentar meter-se comigo.

"By reading Harry Potter, a young child will be drawn into magic and from there it is a simple step to satanism and the devil," he said.

Exacto, foi o que eu disse. Eu em pequeno sonhava com vassouras voadoras, e tinha a fantasia infantil de que a minha vida seria maravilhosa se tivesse uma varinha. Daí até chegar às galinhas degoladas foi um instante. Quando dei por mim estava a sacrificar virgens e a pintar pentagramas com o sangue de carneiros.
Outro especialista académico, um “realizador e especialista no oculto”, defende que…

"My greatest concern is that godly fear that protects mankind from dabbling in the spirit world is being taken away from children who read these Harry Potter books," says filmmaker and occult expert Caryl Matrisciana, producer of the documentary "Harry Potter: Witchcraft Repackaged."
"The terrors and horrors of black magic and occult practice, rituals, ceremonies and demon possession are being normalized," she said. "Alarmingly, the Potter books are engaging in pagan discipleship, disciplining our children to spiritual alternatives and also turning them away from the biblical principles and God's protection."

Ei, esperem. Este é um texto de um grupo religioso? Estranho… Não parecia nada mais do que a posição justificadíssima de um grupo desinteressado de pessoas realmente preocupadas com as crianças.
Já agora, é engraçado que o autor deste texto admita que o poder dos livros do Harry Potter é maior que o poder de Deus. Se os livros afastam as crianças da protecção divina é com certeza porque a protecção divina se está a borrifar para essas crianças. Os meninos ficam tão, mas tão profundamente possuídos que nem Deus está para se aborrecer com eles. Suponho que seja bem feita: quem lhes mandou serem pagãos?

With only one movie left to be released in the 8-film franchise, a movie in which – spoiler alert! – young Harry will follow a path very similar to the one followed by Jesus of Nazareth nearly 2,000 years ago, the debate over Harry Potter's religious ramifications is apparently far from over.

Com a diferença de que enquanto o Harry Potter combate, com as suas terríveis magias pagãs, uma ameaça perigosa e que ameaça o seu mundo e a sua sociedade justa e feliz, Jesus desceu à terra para nos salvar de uma ameaça curiosa: o seu próprio pai. Mas, como já defendi anteriormente aqui no blog, Deus e Voldemort não são assim tão diferentes. Ambos fazem uso da sua força sobrenatural para dominar as populações, ameaçando-as com torturas enormes se estas não seguirem as suas imposições infundadas e cruéis; e os Muggles estão para Voldemort como os homossexuais e os ateus estão para Deus. A analogia, afinal, é bastante acertada!
Esta ideia de que nascemos em pecado, que há um Inferno, que apenas uma autoridade mágica e autoritária pode dar significado à nossa vida, e que somos absolutamente vazios sem Jesus é uma ideologia muito mais positiva para transmitir às crianças. Varinhas que deitam luz? Isso é terrível! Dêem antes a Bíblia aos miúdos.
Ficção por ficção, a eles tanto lhes faz.

Eu (não) votei no australiano

A Wikileaks veio, acha ela, salvar o planeta. Podemos agora estar mais descansados com a eficácia da democracia quando um australiano de 39 anos se auto-intitula como paladino da liberdade de expressão, e faz carreira a revelar informações confidenciais como a revista Maria revela os próximos episódios das novelas da TVI. O que interessa se estes confrontos diplomáticos poderão destruir sensíveis equilíbrios entre os países, e quem sabe trazer problemas práticos e perigosos? Claro que é justo roubar material classificado do Governo, porque isso sim é transparência democrática. E o que interessa é que um australiano de 39 anos e o seu site se sentem no direito de revelar informação secreta dos maiores governos justamente eleitos pelas populações. Para defender a democracia, estão a ver?

Smith e as Sereias - episódio 36

Previamente, em Smith e as Sereias, Jack tem de vestir uma fatiota humilhante, Smith ouve a conversa ameaçadora dos tripulantes e um carrinho de fruta aparece do nada dentro do Nautilus.


Eu sempre soube que era bom para a porrada, mas aquela situação era demasiado desequilibrada até para mim. Eles eram uns vinte, enormes, musculados, maioritariamente suados e com cicatrizes que mostravam que estas eram autenticas máquinas de destruição de tabernas. Não resisti, portanto. Eles agarraram-se, ainda a pingar sumos de várias frutas esmagadas, e arrastaram-me para dentro da salinha onde tinham estado reunidos.

Sentaram-me numa cadeira e inclinaram o candeeiro na minha direcção. Para me intimidar.

- Isso é para eu ver melhor? – perguntei. Aprendi nos filmes que os bons espiões e heróis de acção são sarcásticos quando se encontram perante o perigo. Queria imitar o paradigma.

- O que é que tu ouviste da nossa conversa? – perguntou o tripulante da cicatriz, que não só parecia ser o líder do grupo como o mais mal disposto de todos.

- Hei, o que te aconteceu na cara? – perguntei – Tentaste dar banho a um gato?

Outra coisa que aprendi nos filmes de espiões é que o herói sarcástico leva sempre nos dentes. Isso é importante, porque nenhum vilão responde às piadolas do herói com festinhas ou um batido de morango. Por isso, e obedecendo à regra geral, o tipo com cicatriz atirou o seu punho de um lado ao outro da sala, encontrando a minha cara a meio caminho e provocando-lhe o mesmo efeito que um camião a alta velocidade a chocar contra a minha cabeça. O meu nariz rebentou, e senti um líquido quente a descer-me pelo pescoço. Era sangue.

- Ah ah ah – disse eu, procurando esconder a horrenda dor – Só isso?

O homem ia atirar-se a mim outra vez.

- Não, não, espera, espera.

Ele parou. Eu olhei para ele. Tinha três opções. Admitir que os tinha ouvido, e assim ameaçar os meus amigos, e assim levar mais um murro; mentir-lhe, e ele ia perceber e dar-me outro murro; ou lançar mais outra bomba de ironia, que me custaria mais um murro. Pensei. Pensei. Pensei.

- Deves ser muito solitário, essa cicatriz deve afastar a senhoras – disse eu, e fechei logo os olhos. Pimba, o meu nariz dobrou-se agora para o lado oposto, e senti mais sangue a descer-me pelo queixo. Aquilo doía, seriamente; e o sarcasmo à herói de cinema não estava a resultar tão bem como eu pensava.

- Ouçam, muito recentemente aprendi uma coisa chamada altruísmo. É excelente. Significa sacrificarmo-nos pelos outros. E isso inclui levar murraças no nariz. Por isso podem bater-me, mas não vou vos dizer o que sei.

- Óptimo – resmungou o tripulante de cicatriz – Tragam a sereia ruiva.

A sereia ruiva…

- Oi, calma lá – ergui-me na cadeira – Vocês não se atrevam a fazer mal à Ariel!

- Ela é a tua namorada, não é? – perguntou o tripulante da cicatriz.

- Vocês não lhe vão tocar… - estava a ficar zangado. Não me lembro te ter ficado assim antes.

- Então vamos ter de fazer aqui um acordo.

De nariz desfeito, a ser ameaçado, com sangue a escorrer pela cara, estava disposto a levar mais uma centena de murros antes de arriscar colocar a Ariel em perigo. É extremamente estereotipada, esta ideia do protector da dama indefesa; mas a verdade é que o herói sarcástico deu lugar ao herói protector. Olhei para o tipo da cicatriz com olhos de mau mas subjuguei-me logo:

- Digam-me logo o que querem e deixem-me ir.

- Manténs a boca fechada e nós mantemo-nos longe da tua namorada. Não sei se já reparaste, mas vocês estão mais ou menos fechados dentro do nosso submarino. Percebeste?

Eu percebi. Percebi logo. Levantei-me e saí porta fora. Tinha sangue na camisola, em cima do sumo da fruta. Olhei para mim mesmo e pus-me a descer corredor fora, com a promessa de um dia ser eu a partir o nariz àquele selvagem.

***

- O que raio te aconteceu? – perguntei eu, quando vi entrar Smith dentro do quarto. O nariz dele era uma batata gorda e empapada em sangue seco, e tinha a camisola toda suja. Foi ajudá-lo a sentar-se, e corri à caixa de primeiros socorros que me tinha lembrado de trazer na mala.

- Tropecei no carrinho das frutas – explicou-me ele, a colocar um pano empapado em líquido de medusa do Pacífico.

- Estás a brincar, certo? Alguém te fez isto. Quem?

- Uma melancia.

- Smith, a sério!

Ele olhou para mim e depois para o tecto. Respirei fundo.

- Tenho de te pôr o nariz no sítio.

- Como assim?

Levei as mãos ao nariz e toquei-lhe ligeiramente na batata vermelha.

- Au!

- Calma, maricas.

Dei-lhe um safanão e o nariz foi ao sítio com um estalo. Smith deu um salto.

- Agora vais contar-me o que se passou.

- Andava a correr e fui de caras com uma carrinha da fruta que ali andava a passar.

- Como num mau filme de perseguições?

- Exactamente. Ouve, tu tens de confiar em mim. Confias em mim?

- Sinceramente? Não. Diz-me, Smith. Quem te fez isso?

- Ninguém.

E a conversa acabou ali.

***

Chegou a noite. Fiquei na cama de baixo, não me importo. A Ariel não faz barulho a ir à casa de banho. Vamos tentar dormir agora. Vamos sim.

Não consigo dormir. A verdade é que não deixo pensar no Jack. Pobre Jack… Meu querido Jack… Não é que eu goste dele, necessariamente. Quer dizer, mais ou menos. Não é sim nem é não. É um mais ou menos; mas um mais ou menos definitivamente a cair para o lado do menos. Mas menos não significa que eu não goste dele, eu acho-o simpático, e querido, e honesto, e fantástico, e estupidamente lindo. Aquele cabelo. Como é que ele consegue? É tão suave. No outro dia toquei-lhe sem querer no cabelo. Parece uma peruca de seda. É maravilhoso. Um dia talvez tenha filhos lindos como ele. Especialmente se ele fosse o pai. Não por querer que ele seja o pai, é só mesmo porque se ele, SE, numa hipótese remota, remotíssima, me engravidasse involuntariamente como o Smith fez à Ariel, eu seria uma mulher feliz. Não por ele ser pai, nada disso, muito menos por ele depois ter de viver comigo, e dormir ao meu lado, e ajudar-me a mudar as fraldas, e trazer-me o pequeno-almoço à cama com uma rosa e aquele sorriso delicioso e querido e de rapaz maravilhoso. Nada disso mesmo.

Calma, Lilith. Adormece. Estás a ficar um bocado obcecada demais com a tua mania de não queres que o Jack seja o teu marido para o resto da vida. Não achas que estás a exagerar? Acalma-te. Pensa noutra coisa. Pensa na actualidade mundial, por exemplo. Alguma notícia interessante?

No outro dia e eu o Jack estávamos a ler o jornal, e o Jack comentou que…

***

- Hoje portaste-te bem, Jack – disse o Capitão Nemo, bebericando outro batido de algas que Jack lhe preparara. Estava sentado ao seu enorme cadeirão no seu escritório pessoal, uma sala oval com uma enorme lareira a um lado e uma prateleira enorme do outro, coberta com livros, manuscritos, equipamentos electrónicos e uma impressionantemente realista maqueta do Nautilus em cima de uma elegante base de vidro.

- Obrigado, Capitão – disse Jack com uma pequena vénia. Estava estafado, queria ir dormir e tirar a porcaria da peruca em forma de alga que lhe fazia comichão no pescoço.

- Este batido está excelente.

- Obrigado, Capitão.

- Sentes-te humilhado?

- Oh não, nada disso. Está tudo bem, senhor.

- Estava a fazer uma pergunta sincera, e espero que a resposta esteja ao mesmo nível.

- Sinto-me mais humilhado do que nunca, Capitão.

- Bom. Muito bom – o Capitão virou-se para a lareira e continuou a bebericar o batido –Amanhã espero-te aqui às seis e meia. Podes ir.


Todas as Terças e Quartas, novos episódios de Smith e as Sereias