sábado, 24 de setembro de 2011

O Zombie Literário


Hoje é o último dia deste blog; ou, pelo menos, da sua existência actual. Cheguei à conclusão, sem mais nem menos (não me peçam justificações: sou jovem, estou na idade da impulsividade), que esta é uma excelente altura para terminar o blog. Curioso, não é?

Além de estar ocupado, percebi que não há grande razão para continuar a publicar coisas pela Internet. Escrevo para mim; sempre o fiz, e se alguma vez aqui defendi o contrário fiquem desde já sabendo que vos estava a enganar na altura. Daí que estar a mostrá-las ao mundo traz poucas ou nenhumas vantagens. Não me interpretem como um piegas, estou a ser sincero.

No entanto, o blog não será varrido desse conceito parvo a que chamam “blogosfera”: ele aqui fica, qual zombie literário, entre a vida e a morte, e disposto a comer os cérebros daqueles que, por acidente ou de propósito, cá vierem parar. Tudo o que foi publicado durante estes últimos anos cá vai continuar no limbo, aberto a qualquer visitante e curioso.

Será isto definitivo? Olhe, não lhe sei dizer. É definitivo até eu mudar de ideias; que tal?

Um grande abraço de agradecimento do Autor aos Leitores, vocês aí, desse lado do ecrã.

Cumprimentos à família,
Renato Rocha

domingo, 11 de setembro de 2011

Flashback da Semana (5 a 11 Agosto)


Semana fraca, com os habituais episódios de “Samora” (49 e 50) e uma nova edição da rubrica “Cartas para Andrómeda”, em que o autor das cartas descreve à sua querida tia os estranhos rituais humanos quando recebem visitas. 

O Autor


sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Samora 50


- A vida tem destas coisas, como diz o lugar comum – Samora levantou-se da cadeira a meu pedido, para discursar, e os convidados do copo de água silenciaram-se – Quem está aqui não me conhece. Apresento-me: Samora. Sou o padrinho e o responsável pela educação do noivo. Seu companheiro de longa data, se bem que isso vai mudar com a chegada de Sonja. Apesar de não gostar muito dela, confesso ver no meu bom amigo os benefícios que uma mulher traz à vida de um homem: está bem alimentado, bem dormido, caminha feliz, escreve, traduz, discursa com maior gosto. Isso é suficiente para avaliar Sonja como uma boa esposa. As outras mulheres na sala sentir-se-ão ofendidas se disser que o provérbio “Um grande homem tem sempre uma grande mulher atrás de si”, uma ladainha feminista ainda por demonstrar, está errado. Um grande homem é-o independentemente da mulher que está ou não atrás dele, que o espera ou não quando chega a casa. Um grande homem é-o e basta – Samora sentou-se pesadamente e bebeu da coca-cola.

Fui eu quem iniciou os aplausos curtos e secos, sorrindo para mim mesmo. Claro; na sua insensibilidade, ofendera a minha mulher e escondera a sua verdadeira mensagem num discurso sectário e  despertador de ódios. Mas Samora expressava-se melhor ofendendo os outros, colocando-os numa posição de inferioridade em relação a si, normalmente com eloquência, tipicamente sem obter resposta à altura; depois disso, tudo o que lhes atirasse não eram palavras mas sim balas de canhão. E no entanto... No entanto foi no dia do meu casamento que Samora me tratou quase como um igual, elogiando-me como nunca fizera até aí ou voltaria a fazer desde então; a mim ou a qualquer outra criatura. Aquela foi, compreendi, a apoteose das emoções de Samora, dirigida a mim, dedicada a mim; isso comoveu-me, e recordo-o com carinho. 

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Cartas para Andrómeda #5


Querida Tia,


Já sinto saudades do seu Hyu assado no reactor nuclear e ainda agora regressei à Terra! Não sei como vou aguentar outro ano sem ir a casa...

Por falar em casa: foi curioso ver os primos a sacrificar aquele Etu em minha honea assim que cheguei. Sabia que os humanos também possuem os seus próprios rituais de boas vindas?

Li sobre isto numa aula de Hábitos Humanos. Em vez de matarem seres vivos em honra uns dos outros, eles gostam muito de partilhar comida. É uma espécie de jogo social, em que buscam a aprovação dos outros oferecendo-lhes garrafas de vinho, queijos e aperitivos salgados.

Então é assim: os humanos convidam outros humanos para partilhar uma refeição. Quando os Visitantes chegam a casa já devem trazer uma oferenda. Normalmente é uma garrafa de vinho (um líquido asqueroso mas que os humanos bebem em demasia e graças ao qual têm acidentes rodoviários), porque enquanto o Visitante fornece o alimento para mastigar, o visitante deve trazer o líquido para beber. Convenções! O professor diz que não se sabe bem de onde vêm.

Os Visitantes são recebidos pelos Anfitriões, que são os donos do território visitado. Ao contrário do que lhe possa parecer, os Visitantes não urinam nas paredes para marcar território; aqui na Terra isso é considerado um acto de má educação! Em vez disso, os Visitantes devem limpar os sapatos antes de entrar no território alheio, cumprimentar todos os Anfitriões e ofertar a garrafa de vinho como símbolo de paz e união.

Depois os Anfitriões mostram o território aos Visitantes, quando estes não o conhecem. Um território com muitas divisões e adornos dispendiosos é sinal de superioridade. O Visitante deve, nessa altura, mostrar-se surpreendido, e elogiar o território e a forma como está adornado. Os humanos recorrem a sentenças socialmente aceites como: “Adoro o que fizeram com esta divisão”, “Esse quadro é maravilhoso!” e “O quarto dos miúdos está muito giro”, sem as quais os Anfitriões ficariam ofendidos. Os Anfitriões gostam de arrumar e lavar o seu território antes de receber os Visitantes, para se apresentarem com virtudes que na verdade não possuem.

A seguir, os Anfitriões e os Visitantes sentam-se no centro do território, chamado “sala”, e consomem aperitivos ou conversam sobre banalidades. A troca de informação entre os humanos nunca é sincera nem interessante. Os temas a evitar incluem política, religião, economia, sexo e necessidades fisiológicas, uma vez que se tratam de tabus sociais e nem os Anfitriões querem deixar os Visitantes desconfortáveis, nem os Visitantes desejam mostrar-se inferiores perante os Anfitriões.

Por esta altura entra a divisão de tarefas entre o macho e a fêmea: enquanto ele entretém os Visitantes na “sala”, a fêmea está noutro local do território, chamado “cozinha”, a preparar o alimento a ser compartilhado. Uma fêmea que saiba “cozinhar” (ou seja, manusear com agilidade os utensílios da “cozinha” e com eles preparar doses de alimentos saborosos) é altamente bem vista na sociedade humana.

Quando a comida está pronta, ela é servida em recipientes preferencialmente quentes. Os humanos odeiam comida fria! Dar comida fria a um Visitante é ainda pior do que urinar no território de outro humano... e até para comer os humanos têm rituais estranhos! Usam três objectos principais: garfo (com que levar o alimento à boca), faca (com que cortar o alimento) e prato (onde depositar o alimento enquanto não é consumido). Para dificultar a vida aos Visitantes e testar se pertencem à mesma casta social que eles, os Anfitriões procuram decorar com vários adornos as suas mesas, incluindo três tipos diferentes de garfos e facas, vários pratos, vários copos (local de onde se bebem líquidos) e alimentos de difícil consumo: com cascas, com peles, com superfícies rijas, com superfícies arredondadas e difíceis de espetar com o garfo, etc.

Os Visitantes devem fazer um esforço por se adaptar aos rituais próprios dos Anfitriões: alguns comem “sopa” (um líquido semelhante em textura e sabor ao pus que o Tio deita das guelras quando está doente), outros consomem alimentos comprados previamente em lojas, onde outras fêmeas cozinham para que as fêmeas Anfitriãs possam receber os louros sem terem trabalho algum. Os Visitantes devem também elogiar o alimento, independentemente da sua qualidade, utilizando mais sentenças socialmente aceites como “Está muito bom”, “Que delícia!” ou “Está muito bem temperado”.

É de bom tom que os Visitantes peçam a receita (modo de preparação de determinado alimento) à fêmea Anfitriã, com o intuito de a elogiar e de demonstrar a sua inferioridade alimentícia. A fêmea Anfitriã não deverá revelar que retirou essa receita de nenhum órgão de comunicação social. Respostas como “A minha avó já cozinhava isto assim” ou “Assim de repente nem te sei dizer como se faz, já me sai naturalmente!” são demonstrações de superioridade esperadas por parte da fêmea Anfitriã.

No entanto, os Visitantes não devem nem pedir mais que uma receita (normalmente pedem a da sobremesa, porque os humanos são viciados em açúcares) nem repetir demasiadas vezes uma dose de alimentos. Isso seria visto pelos Anfitriões como uma ofensa! Os Visitantes devem comer pouco e de preferência ficar com fome mesmo depois da refeição acabar.

Depois da partilha de comida, os humanos podem conversar mais um pouco, evitando, claro os temas tabu. O grau de proximidade da conversa é proporcional à proximidade social entre os Anfitriões e os Visitantes. Os temas proibidos, particularmente o sexo e a vida privada de outras pessoas, são os favoritos entre Anfitriões e Visitantes que se conhecem há mais unidades de tempo. É socialmente recomendável que os Visitantes critiquem e ridicularizem as mesmas pessoas que os Anfitriões, demonstrando assim que concordam com eles e fortalecendo as ligações entre os dois grupos com um mútuo sentimento de superioridade em relação aos outros.

Depois disso, os humanos despedem-se. É de bom tom que a fêmea Anfitriã, por esta altura, ofereça aos Visitantes um recipiente com comida, para que os Visitantes possam assim lembrar-se da sua inferioridade alimentícia quando regressarem aos seus territórios. Os Visitantes devem aceitar de bom grado, mesmo que depois ofereçam aqueles alimentos ao seu cachorro (animal de estimação que come restos).

No final da visita, o Anfitrião deve ainda disponibilizar o seu território para nova visita. “Voltem quando quiserem” é uma frase socialmente recomendável, apesar de nem os Anfitriões estarem a ser sinceros (não desejam visitas inesperadas ao seu território, porque senão não o poderiam ornamentar a tempo de enganar os Visitantes) nem os Visitantes estarem dispostos a “voltar quando quisessem”, o que seria rude.

Enfim... Vou-me habituando a estas loucuras! O Professor diz que um dia destes poderemos ir disfarçados a uma festa humana, e ver como se comportam eles em situações de pressão social. Oh, isso seria fascinante! Como eles sua, como eles se sentem nervosos a mastigar em público, como a presença de fêmeas ou machos atraentes lhes põe as glândulas aos pulos!

Cumprimentos aos primos (ainda não regressaram a Sirius, pois não? Desejo-lhes uma boa viagem!) e ao Tio. Ainda tenho alguns Frtyuiu aqui ao meu lado, e de vez em quando mato um e sangro-o para o lanche. Que maravilha, os sabores da terra natal...

Com carinho,

O Seu Sobrinho

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Samora 49


- Conhece a minha opinião sobre as mulheres. Nunca a descrevi claramente, mas você conhece-a bem – Samora observava uma fotografia de Sonja- Esta rapariga, além de nova, parece-me positivamente desinteressante. Uma companhia que aquecerá os seus lençóis e cujo ventre transportará a sua descendência; sem dúvida. Mas que olhos mortiços, que sorriso apagado, que aparente necessidade de parecer um animal atropelado! Saberá sequer discutir epistemologia, poesia nórdica medieval, ou cozinhar um assado capaz? Por outras palavras, estará à sua altura?

- Pretendo casar-me com ela – respondi.

Samora olhou-me com seriedade. Levantou-se, abriu os braços:

- Traga cá esses ossos, meu caro. Anna! – chamou, num vozeirão – Desça à cave e traga champagne!

Samora era, no fundo, um democrata. Aquilo que odiava era, para ele, catalisador de honestidade: dizia quando amava e quando odiava com igual paixão e sinceridade, mas não há dúvida que retirava um enorme prazer do prazer dos outros; prazer esse que tratava como uma característica mesquinha da vida, uma expressão da natureza mais animalesca do homem e não do seu intelecto. Para Samora, a felicidade dos outros podia muito bem ser da responsabilidade de algo insuportável e desinteressante como para ele era Sonja: mas a felicidade era algo imaterial que, concordava, o comum dos mortais necessitava no seu dia-a-dia; e admiti-lo, não só admiti-lo como congratular-nos por essa felicidade, era para Samora apenas mais um dos seus numerosos sinais de superioridade em relação aos outros.

domingo, 4 de setembro de 2011

Flashback da Semana (29 de Setembro a 4 Agosto)


No primeiro “Flashback da Semana”, relembro que as regras para a nova temporada do blog já foram definidas, e podem ser consultadas aqui (clicando em “aqui”; não este “aqui”, mas sim o primeiro).

Pouca foi a produção nesta última semana. Resumiu-se às edições 47 e 48 de “Samora” (é clicar nos respectivos números) e à recriação do conto popular da lebre e da tartaruga, aqui re-titulado (olhá alegoria) “As Lebres e as Tartarugas”.

Para a semana há mais.

O Autor

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Samora 48


Sonja era jovem e isso fazia toda a diferença. A dada altura, Sara transformara-se naquilo em que Samora a quisera metamorfosear durante todos aquele anos: uma esposa que não o é, com todos os benefícios da mulher-objecto sem as necessidades emocionais dos comuns dos mortais. Ao contrário, Sonja apresentava-se com uma irresistível urgência pela vida. O seu emprego era uma plataforma para uma mais alta posição na hierarquia; o seu quarto alugado a primeira de muitas casas progressivamente maiores; a sua conta no banco um investimento a gastar no futuro. Em Sonja, apesar dos papos debaixo dos olhos e da forma magra e aplanada do seu corpo, existia uma espécie de promessa de futuro. Sara, envelhecendo, era o que tinha sido e não se reciclava; Sonja, florescendo, era uma pequeníssima parte do que se podia tornar. 

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A rentrée do "Trajectória Aleatória"

No decorrer do próximo ano vou estar demasiado ocupado a tentar construir uma vidinha, e a minha participação neste blog virá a ser severamente afectada.

Com este claro e sério atentado à qualidade da blogosfera (palavra que abomino mas que utilizo como laracha) surge a questão: Como vai o Autor organizar a sua vida? Duas estratégias lhe ocorrem, assim de repente:

Estratégia Número Um: Vir aqui de semana a semana deixar qualquer baboseira escrita sem o mínimo gosto e atenção, fruto de uma mão destreinada e de um cérebro que perdeu a prática;

Estratégia Número Dois: Definir um calendário bem estruturado e que me obrigue, dentro das minhas possibilidades físicas e psicológicas, a cumprir com um número mínimo de posts a dias certos.

A Estratégia Número Um parece-me de todo a mais coerente com os meus objectivos para este ano, leia-se, boas horas de sono e concentração total nas minhas obrigações. Porém, e porque escrever me dá gozo e porque o blog não pode parar (que faria eu sem os rendimentos que daqui advêm?), a Estratégia Número Dois é a escolhida.

Cria-se desde já, portanto, uma entidade autónoma e quase-omnipotente, que na hierarquia do blog está acima de qualquer deus e de qualquer Autor: O Calendário (com maiúscula).

Este Calendário, determinado agora mas sempre sujeito a alterações com o decorrer dos meses, estabelecerá em que dias se publicará determinado texto, com que regularidade, e a que dias de folga tenho direito.

A Primeira Edição do Calendário (permanecem as maiúsculas) estabelece-se como se segue:


Segundas-feiras: Episódio de “Samora”

Terças: Folga

Quartas: Folga

Quintas: Texto Variado

Sextas: Episódio de “Samora”

Sábados: Texto variado

Domingos: Flashback da Semana /Liberdade para publicar o que me apetecer


Entre os “Textos Variados” contam-se (além de, sem surpresa alguma, alguns textos variados) as rubricas que ajudaram a trazer a este blog as largas unidades de leitores: “Cartas para Andrómeda”, “Frase Apropriada”, “The Fernandes Challenge”, “Dicionário Rocha” e “Creative Promps”.

Novidade é o “Flashback da Semana”, no qual coloco links para todos os textos da respectiva semana. Com este mecanismo, o leitor mais preguiçoso (ou ocupado; escolham a categoria que mais vos afaga o ego) poderá visitar o blog apenas aos Domingos e escolher, entre o que foi publicado, aquilo que lhe apetecer ler.

À primeira vista parece-me um plano demasiadamente optimista; a ver vamos. Os planos são bons: primeiro porque me roubam pouquíssimo preciosas horas de descanso e trabalho; e segundo porque me obrigam a não estar parado, e a corresponder a expectativas auto-impostas.

Armado com a melancolia característica do início de Setembro,

O Autor



P.S.: É com felicidade que constato que Agosto de 2011 foi o mais produtivo de sempre na história deste blog, atingindo os 42 posts. Isto dá a divertida média de 1,3548387096774193548387096774194 posts por dia.