sábado, 13 de outubro de 2012

Misses e Manifes


Há um momento nos desfiles dos concursos Miss Universo que já faz parte do cânone satírico. A concorrente, que até ali só teve de mostrar que se sabe bronzear e consegue andar de saltos altos, é convidada a abrir a boca e dizer alguma coisa. Como todos sabemos, é normal ouvir-se coisas como “Sou contra a fome no mundo” ou “Vou usar o título de Miss para ajudar a acabar com a Guerra”. Lembrei-me disto porque estive a ver a transmissão em directo da Manifestação da CGTP.

Está bem que seja difícil confundir um rouco Arménio Carlos com uma bela tailandesa de um metro e noventa: mas o conteúdo do “discurso” é idêntico. Arménio Carlos propõem que se salve o país recorrendo a uma lista de “propostas alternativas”, e que incluem “distribuição igualitária da riqueza” e “luta contra o desemprego”.

Os camaradas que lá estavam aplaudiram; de qualquer forma já não iam jantar a casa, por isso mais valia aproveitar a festa. Mas fiquei com a sensação de que, para a maioria das pessoas, dizer que se é “contra a precariedade” é efectivamente uma medida, ou uma proposta, ou uma alternativa, ou um programa de governo. E como os políticos servem para representar os cidadãos, encontramos o mesmo “factor Miss Universo” noutras personalidades com tão pouco relevo como Arménio Carlos. Assim de repente lembrei-me do líder do maior partido da oposição, António José Seguro, que de vez em quando também anda de bikini para aparecer na televisão. Isto para não falar do Bloco ou do PCP, que dão voz parlamentar ao discurso Miss Arménio Carlos e competem entre si para ver quem consegue a expressão mais bombástica para abrir o telejornal (ontem perderam; a “bomba atómica fiscal” de Seguro foi de facto a melhor tirada do dia, e substituiu merecidamente os verdadeiros assuntos nas aberturas dos telejornais).

Entretanto os manifestantes mostravam o mesmo grau de certeza e enfoque que Arménio Carlos (ou uma Miss): dos quinze minutos que vi de transmissão televisiva, cheguei à conclusão que a manifestação de hoje serviu para reclamar contra o desemprego jovem, o desemprego não-jovem, a precariedade, os cortes na cultura, os cortes na saúde, os cortes na educação, os cortes nas pensões, o governo, a troika, o pacto de agressão, Passos Coelho, o Ministro das Finanças, o Parlamento, os Partidos e, claro, contra o Presidente da República. O problema é que a lógica perversa das manifestações transforma todas estas reivindicações em nada de especial, porque uma pessoa que assista àquilo não sabe a que está a assistir. É como a anedota: se eu e o leitor formos a uma casa de frangos e o leitor comer um frango e eu não jantar, teremos comido em média meio frango cada um. 

Será que se João se manifesta porque está desempregado e Maria se manifesta porque não gosta de Passos Coelho, a manifestação pode ser considerada uma “jornada de luta” na qual João e Maria lutaram contra o desemprego e contra Passos Coelho? Será que este “sentimento generalizado de descontentamento” tem muito de descontente mas pouco de generalizado? Ou é legítimo afirmar que a maioria dos cidadãos portugueses é contra o actual sistema representativo mas depois pouco vota, ou vai a manifestações partidárias ou sindicais, ou exige uma solução governamental enquanto aplaude e apoia uma não-solução, uma não-alternativa? 

sábado, 6 de outubro de 2012

O processo criativo de Joana Vasconcelos



Joana Vasconcelos é uma artista de renome internacional por saber produzir rendilhados e construir objectos do dia a dia com outros objectos do dia a dia. Como chega a artista às obras de estonteante criatividade com as quais surpreende a crítica e revoluciona a nossa maneira de ver a natureza humana e os talheres de plástico? Através de um sistema metodológico que o Trajectória Aleatória agora descreve em exclusivo:

sábado, 22 de setembro de 2012

O Trajectória Aleatória foi à manifestação de Belém


Boa noite, minha senhora. Está aqui há muito tempo?

Olhe, é assim. Estou aqui voluntariamente há mais de seis horas a defender os direitos dos portugueses. É para os nossos governantes verem que uma pessoa faz tudo pelo seu país.

Por que razão se está a manifestar?

Não é por mim, é pelos meus filhos e pelos meus netos, que eles coitados não podem pagar a renda e a culpa é daqueles nossos governantes que ali estão.

Do Conselho de Estado?

Sim, esses e o resto dos nossos governantes, e a troika, e os bancos. São todos da mesma laia.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Análise do filme “O Padrinho” por Rúben Silva, cortador de carnes no Cartalho de Santiago do Cacém




O meu nome é Rúben e gostaria de falar hoje dum filme que gostei bastante quando era pequeno mas que agora já não gosto tanto, e que é O Padrinho. O Padrinho é um filme de 1972 e que ganhou muitos Óscares. Sabiam que o actor principal que faz de Padrinho andou com algodão dentro da boca para poder falar assim? Foda-se. Experimentem falar com algodão dentro da boca e depois digam lá se ele não é o melhor actor de sempre.

domingo, 16 de setembro de 2012

Em defesa da combinação meia + sandália


Há na sociedade, e em particular no universo do calçado casual, um tabu que deve ser adereçado. Por que razão será um estigma social calçar meias e sandálias ao mesmo tempo?

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Caros portugueses: vão levar no rabo




Existe na sociedade uma onda de consternação. E eu que sou dos poucos nabos em política, finanças, economia europeia e relações internacionais que admite que é verdadeiramente nabo em todos estes domínios não vou aqui pôr-me a resmungar com “os governantes”, a oferecer soluções que não tenho mas penso ter, a repetir chavões.

Ao invés de chamar ladrão ao Passos ou mandar o Relvas estudar, vou pedir cordial mas sinceramente que todos os portugueses, ou pelo menos a sua maioria, vá levar no rabo. Uma, duas, três vezes; as que forem precisas até se sentirem verdadeiramente acordados.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Mas alguns são mais iguais do que outros




A actual campanha de apoio aos participantes nacionais nos Jogos Paralímpicos apresenta-se como um esforço igualitário e patriótico: tudo é igual, o esforço, a pista, os sonhos. O facto de haver uma diferença óbvia entre estes atletas e “os outros” está logo definida pelo facto de participarem em competições distintas (e, diga-se de passagem, na forma como o próprio anúncio pressupõe a existência de uma “diferença” contra a qual deve reagir, defendendo que “enfim, é tudo igual”); mas por alguma razão achou-se uma boa ideia pegar no assunto pela falácia mais clara e escondê-la atrás de um slogan como “a pobreza é má”, i.e., daqueles dos quais, por mais banais e demagógicos que possam ser, parece ser impossível discordar.