quarta-feira, 2 de março de 2011

O tipo que escreveu o filme

Scott Myers, no seu blog sobre escrita de argumentos, levanta uma questão ignorada mas pertinente. Na última cerimónia dos Óscares, nenhum dos actores galardoados pelas suas interpretações fez questão de agradecer aos argumentistas dos filmes onde participaram.
Normalmente esta é uma não-questão. Conhecidos ficam os nomes sonantes nos cartazes e, com sorte, os realizadores. Mais abaixo, aparecem os outros técnicos, como os directores de fotografia (que muita gente nem sabe para que servem) ou os montadores. E, nas profundezas abandonadas da cadeia alimentar, os argumentistas. A única pessoa cujo trabalho é de facto criativo, e que molda a ideia e a história que conduzirá e condicionará o trabalho de todos; mais particularmente, uma vez que falamos nos actores mal agradecidos, são os argumentistas que tecem as relações entre as personagens, que as inventam, que as desenvolvem, que lhes escrevem os diálogos e as reacções. Um actor, com todo o respeito, é um mero intérprete. A personagem, boa ou má, existe para além e antes dele. Existiu na cabeça do argumentista muito antes de ganhar forma no ecrã.
Trata-se de uma grave deficiência da parte dos actores mas também dos espectadores, que pouca importância dão aos argumentistas mas que são os primeiros a elogiar as personagens, esta ou aquela cena, ou mesmo diálogos e falas memoráveis. Esquecem-se do verdadeiro autor dessas maravilhas, por ignorância e por negligência.

9 comentários:

Julia disse...

tendes razao, realmente e uma grande falha nao agradecer ao argumentista...no entanto que cena e essa do argumentista ser a unica parte criativa?!?!

Julia disse...

ja agora tambem nunca ninguem agradece aos compositores

Renato Rocha disse...

O argumentista é o único indivíduo cujo trabalho é realmente criador. Todos os outros são "simples" interpretações sobre o argumento e sobre a história. Os actores "interpretam" por alguma razão. Os próprios realizadores procuram transformar em imagem uma história criada pelo argumentista. Até o compositor está "limitado" pela personalidade, ritmo e estilo da história. Não agradecer aos compositores é, a meu ver, menos grave. A música não é imprescindível na produção de um filme; o argumento é.

Anónimo disse...

Na minha opinião, é tão importante a faceta teatral, da dramatização (e aí sim concordo que o básico fundamental é o argumento), como a visual, desde a fotografia à montagem.
Existem grandes obras que valem muito pelo cuidado visual que têm, ainda que não tenham um argumento espectacular, e vice-versa. Existem artistas, por exemplo, que expõem ideia em bruto, quase como uma performance, e daí constroem o filme.
(E tens também uns filmes que são uma boa merda, e só valem pela musica :P)

Julia disse...

O que?!?! a musica e imprenscindivel!! a musica certa determina tudo!! estas a brincar?! Apesar do argumentista ter o papel criador base do filme nao quer dizer que os outros que lhe seguem (realizador actores e tais) nao sejam realmente criadores..eles e que criam o filme o argumentista cria a historia....claro que um bom argumento sempre e importante mas o trabalho dos outros todos e que valoriza esse argumento ou nao...os realizadore nao poem em imagens a historia do argumentistas poem em imagens a visao deles da historia...a visao artistica em imagens artisticas da historia...os actores e que dao vida as personagens assim cmo os compositores e que determinam a emoçao. podes apanhar num argumento qualquer e fazer 50 filmes diferentes. Sem tirar obviamnete o merito do argumentista que fornece a base, e muito mais facil para um realizador criar um filme sem argumento inicial do que o contrario e sair bem.

Ja agora agradecer aos compositores devia ser essencial e das primeiras coisas a serem feitas...o que seria da Laranja Mecanica sem o Beethoven? o que seria do 2001 sem o Strauss? Sinceramente vais dizer que o Black Swan foi um trabalho realmente criador do argumentista?! Sem tirar o merito da adaptaçao (muita bem feita e pensada) aquela gente toda devia prostar-se no tumulo do Tchaikovsky e agradecer-lhe a vida...entao e o compositor? ja tem que ser agradecido?

Renato Rocha disse...

"claro que um bom argumento sempre e importante mas o trabalho dos outros todos e que valoriza esse argumento ou nao...os realizadore nao poem em imagens a historia do argumentistas poem em imagens a visao deles da historia..."

Ou seja, não só o argumento é a base sobre a qual o resto da malta trabalha, como o trabalho dos realizadores e outros técnicos é uma mera visão da história original. Concluindo, o argumentista é o único com o único trabalho verdadeiramente CRIATIVO, as in "criar do nada". E comparares o trabalho do argumentista e do realizador com o do compositor é muito, muito exagerado. Tens de admitir que na hierarquia de importâncias o compositor está abaixo até do director de fotografia ou do director de som. Aliás, um filme pode até nem ter compositor, e não sofrer nada com isso.

Anónimo disse...

Um filme pode também não ter argumento e não sofrer nada com isso.
Creio que o que estão a tomar em conta nesta discussão é um espectro de cinema pouco aberto e bastante recente parece-me.
Ao Renato digo que pense no cinema mudo por exemplo, o que seria dele sem a musica se não um documento tépido.
E à Julia que pense que o cinema é categorizado, sobretudo, como uma arte visual.

Isso da "hierarquia" em relação a importância dos papeis que cada posto tem na criação de um filme é muito relativo. Um homem consegue fazer um filme sozinho, e se não o fizer sozinho fa-lo em equipa. O que interessa é a unidade e coerência, seja por individualidade ou por comunidade.

Anónimo disse...

O argumento é mais que o diálogo entre os actores. Um filme mudo TEM argumento, é apenas...mudo. Há uma história, personagens que a compõem e o desenrolar dessa. O argumentista tem definitivamente uma das tarefas mais importantes de um filme. Penso que isso irá depender de pessoa para pessoa (como quase tudo na arte), mas, na minha opinião, aquilo que encontro de mais interessante nos filmes que gosto é a qualidade do argumento, tanto técnica (o que consideraria estar "bem escrito", ter uma lógica aplica à sua própria realidade etc) como em termos de criatividade (abordagem e modo como se desenrola a acção? Difícil de definir). A "história" do filme é a base do mesmo. Se o argumento for mau, dificilmente a música, a realização e a qualidade dos actores vai fazer grande coisa para o melhorar. E aqui, sou obrigada a concordar (novamente) com a tremenda importância do argumento quando se fala de cinema. Contudo, não considero que seja o único trabalho criativo. A criatividade não é um conceito que se aplique apenas a coisas criadas "do nada". O trabalho de um intérprete num filme requer criatividade. Uma interpretação pode limitar-se a ir por um caminho óbvio ou "simples" (para a pessoa em questão), ou pode engrandecer o argumento pela maneira como é realizada. Não sei se me expliquei bem, mas espero ter-me feito entender.
Acho que haverá sempre coisas "dispensáveis" num filme, por vezes a música pode sê-lo, nem sempre. Pode também ter um papel fundamental na compreensão do mesmo ou ser um daqueles pequenos detalhes que tornam o filme especial. Again, pessoas diferentes tem reacções diferentes e logo opiniões diferentes. Decidir o que é "eliminável" (porque é que sinto que estou a colocar demasiadas aspas?) num filme só cabe à equipa, e consideraria tal coisa um trabalho criativo.

Renato Rocha disse...

Concordo com muito do que o último "Anónimo" (a propósito, porque não assinar os comentários?), mas penso que é importante clarificar a minha posição:

Considero o argumento não como o ÚNICO trabalho criativo num filme, mas sim como aquele que é "mais" criativo, na medida em que tudo o resto é uma visão ou interpretação desse argumento. Por mais criativo que seja o trabalho do actor (exemplo dado), ele está sempre limitado pelo argumento e pela personagem a interpretar. Chamemos-lhe "espectro criativo" à soma de todas as decisões criativas que um actor pode tomar. O seu espectro é sempre mais pequeno que o do argumentista. No papel, o argumentista tem liberdade ilimitada. Pode escrever um filme de acção passado na União Soviética, uma comédia romântica passada no Neolítico ou até um filme surrealista; mas todos os técnicos que transformarem depois esse argumento num filme trabalharão SOBRE essa decisão já tomada pelo argumentista.