O Trajectória Aleatória foi à manifestação de Belém

Boa noite, minha senhora. Está aqui há muito tempo?

Olhe, é assim. Estou aqui voluntariamente há mais de seis horas a defender os direitos dos portugueses. É para os nossos governantes verem que uma pessoa faz tudo pelo seu país.

Por que razão se está a manifestar?

Não é por mim, é pelos meus filhos e pelos meus netos, que eles coitados não podem pagar a renda e a culpa é daqueles nossos governantes que ali estão.

Do Conselho de Estado?

Sim, esses e o resto dos nossos governantes, e a troika, e os bancos. São todos da mesma laia.

Boa noite, caro jovem.

Boa noite.

Então, veio manifestar-se?

Sim, nem estava a contar com isto. Foi há uns dias que vi no Facebook um convite para esta manif e por isso vim até aqui espontaneamente. Trouxe um cartaz feito espontaneamente ontem à tarde com o qual pretendo mudar o mundo, quer ver?

Que diz aí?

“Mete a troika no Cu-elho”.

Muito bem.

Fui eu que inventei. Sozinho! É um trocadilho entre o nome do Coelho e a palavra “cu”.

Eu percebi.

A ver se nos levam a sério, aqueles palhaços.

Boa noite.

Só se for para si. Para mim esta é uma noite de escândalo e de esperança.

Explique lá isso.

Olhe, eu estive no 25 de Abril quando ele sucedeu e acho que está na altura de fazer outra revolução, só que com mais porrada.

Qual é a sua opinião sobre o actual estado da democracia?

Democracia? Você é mesmo ingénuo, vê-se mesmo que não era vivo no tempo da PIDE. Ou dos nazis. Isto está pior que tudo. São os maçons e os capitalistas, mas em particular os gatunos que estragaram este país. São todos iguais. Há que estar atento e saber como as coisas são.

Boa noite. Você tem cara de deputado de esquerda.

É verdade, sou mesmo. Estava ali à beira rio a ler Marx, deparei-me com esta manifestação espontânea e decidi juntar-me a ela como cidadão comum e anónimo. Da perspectiva do PCP, que não organizou esta manifestação mas gostava de ter organizado, esta é uma clara tomada de posição dos trabalhadores em relação ao pacto de agressão que blá, blá, blá, whiskas saquetas.

Muito obrigado.

Espera lá, ainda não repeti sete vezes o substantivo “trabalhadores” nem usei a palavra “capital” de uma forma depreciativa!

(repórter afasta-se)