Existe na sociedade uma onda de consternação. E eu que sou
dos poucos nabos em política, finanças, economia europeia e relações
internacionais que admite que é verdadeiramente nabo em todos estes domínios
não vou aqui pôr-me a resmungar com “os governantes”, a oferecer soluções que
não tenho mas penso ter, a repetir chavões.
Ao invés de chamar ladrão ao Passos ou mandar o Relvas
estudar, vou pedir cordial mas sinceramente que todos os portugueses, ou pelo
menos a sua maioria, vá levar no rabo. Uma, duas, três vezes; as que forem
precisas até se sentirem verdadeiramente acordados.
Isto porque um jovem como eu, de vinte e um anos, olha para
o panorama nacional actual e ri-se. Ri-se porque temos duas facções inimigas em
constante confronto: os cidadãos (ou “o povo”, “os trabalhadores”, “as vítimas
de um roubo financeiro”, já somos tanta coisa que nem sei), e os governantes ou
políticos. Quando falo dos cidadãos falo dos advogados, taxistas, funcionários
públicos, pedreiros e professores; quando falo dos políticos falo dos
Presidentes da República, dos líderes parlamentares dos principais partidos mas
também de todo e qualquer representante dos Verdes.
Se bem entendo do que ouço e vejo, a “classe política”
roubou, enganou, dissimulou, conspirou e, na sua maioria, foi incompetente ao
longo dos últimos trinta, quarenta anos. A dívida pública aumentou
drasticamente e dinheiro foi sendo pedido, a juros, para tapar um buraco que
aumentava sem controlo. Chegou-se aos dias que correm e, aparentemente para
surpresa de todos (e por culpa do “último executivo”, segundo os governantes,
ou por culpa “destes ladrões do poleiro”, segundo os cidadãos), Portugal faliu
e atingiu um novo grau de incompetência.
A mim o que me confunde é o facto de não vivermos numa
ditadura. É o facto de o sistema democrático funcionar de x em x anos,
garantindo que os incompetentes possam ser corridos e substituídos por outros.
E, segundo julgo saber, o poder foi sendo passado qual batata quente entre dois
partidos principais: o PS e o PSD. Nas periferias, os outros partidos (e,
quando na Oposição, os próprios partidos principais) vociferam soluções
milagrosas que não sabem explicar, e garantem que a queda do “actual
executivo”, qualquer que seja, despertará a pátria.
E, no entanto, esse sistema democrático não funcionou. Pelo
contrário: parece-me que quem tem hoje 40, 50, 60 anos acordou de repente com
um país bloqueado, um sistema incontornável, uma garantia terrível de que ou
tem os “boys” de um lado os “boys” do outro a governar. E nesta faixa etária
incluo não só os trabalhadores que hoje se manifestam como se o “roubo” tivesse
acontecido ontem, mas também aquelas personagens sábias que ouvimos nas
televisões. Medina Carreira, António Barreto, Marcelo Rebelo de Sousa, Lobo
Xavier, Pacheco Pereira (são tantos): todos vêm semanalmente explicar ao povo
por que são intelectual e politicamente superiores e mais cultos do que
qualquer elemento do Governo, e que soluções garantem serem necessárias para
dar a volta à situação; e todos se mostram antagónicos a assumir posições de
responsabilidades ou, dito de outra forma, a aplicar as ideias que vendem como
vencedoras.
Ficamos portanto reduzidos a duas classes: aqueles que
chegam efectivamente ao Governo mas são um desastre por não saberem o que
fazem, e aqueles sabem o que fazem mas nunca querem governar.
Vou dar um exemplo: é preciso crescimento económico. Eu sei disso,
o leitor sabe disso, toda a gente sabe disso. Como é que isso se consegue? Eu
não sei, o leitor não sabe, e parece-me que as mais altas instâncias europeias também
não sabem. Mas ao dizer “é preciso crescimento económico” duas ou três vezes
por dia o PS garante que ganha as próximas eleições.
Mas quem votará em tamanha demonstração de vazio? Quem os
mete “no poleiro”? Quais são os responsáveis máximos pelas repetidas revisitas
dos “mesmos gatunos” aos lugares cimeiros da política?
São os portugueses que, com amizade, peço que vão levar no
rabo.
Porque são eles os principais responsáveis pela situação em
que estão e em que estamos. Porque a sua inactividade, a sua falta de cultura,
a sua falta de vontade, os seus repetidos erros de julgamento, o seu civismo
deficiente, os seus direitos adquiridos e a ausência do seu voto ou o seu voto
sempre nos mesmos conduziu-os, agora, às manifestações e às greves. Hoje gritam
com a energia e o descaramento de um tipo de adormece ao volante, bate em três
carros à sua frente e vai a tribunal queixar-se da falta de sinalização.
Aqueles que peço que vão levar no rabo dizem que lutam
também pelos “jovens”, pelos “licenciados”, pelas “novas gerações” (onde me
incluo). A isso respondo com um grande “olha, agora também eu”. Porque as
“novas gerações” que vão pagar a conta nunca lhes passaram pela cabeça. Foi
necessário começarem a ver, efectiamente, os seus filhos a ficarem sem
oportunidades para que os pais e os avós portugueses acordassem da anestesia.
E, corajosos como sempre foram em lutar por um país melhor, hoje pedem “um novo
vinte cinco de abril”, exactamente porque o primeiro correu tão bem tão bem que
devíamos repeti-lo.
Eu e os meus colegas etários chegámos agora mesmo à festa.
Quem comeu o bolo todo e sujou as casas de banho foram vocês. E ainda se
queixam? A sério. Vão levar no rabo.
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