quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Mas alguns são mais iguais do que outros




A actual campanha de apoio aos participantes nacionais nos Jogos Paralímpicos apresenta-se como um esforço igualitário e patriótico: tudo é igual, o esforço, a pista, os sonhos. O facto de haver uma diferença óbvia entre estes atletas e “os outros” está logo definida pelo facto de participarem em competições distintas (e, diga-se de passagem, na forma como o próprio anúncio pressupõe a existência de uma “diferença” contra a qual deve reagir, defendendo que “enfim, é tudo igual”); mas por alguma razão achou-se uma boa ideia pegar no assunto pela falácia mais clara e escondê-la atrás de um slogan como “a pobreza é má”, i.e., daqueles dos quais, por mais banais e demagógicos que possam ser, parece ser impossível discordar.


Pode tratar-se de uma declaração acesa mas incorrecta de igualdade e patriotismo, o que será coerente com o que o próprio Comité Paralímpico de Portugal escreve no seu site: “há um apelo para que, e à semelhança do que acontece nos Jogos Olímpicos, os portugueses sigam igualmente os Jogos Paralímpicos Londres 2012”.

A desculpa, caso seja esse o objectivo, é esfarrapada e ofensiva, já que pressupõe que o espectador médio precisa de ser educado sobre igualdade social para que dê igual valor aos dois grupos de atletas nacionais (e pior: pressupõe também que, se tivermos visto os Jogos Olímpicos mas ignorarmos os Paralímpicos, é porque não os consideramos “iguais a nós”: uma horrível forma de subconsciente chantagem emocional). Assim, e sob a forma de um slogan piegas, educa-se o ignorante povo: fique este sabendo que a um deficiente custa tanto nadar duzentos metros ou atirar um disco como a um atleta dito “normal”, pelo que o apoio deve ser o mesmo.

Por outro lado, a coisa pode ser vista noutro prisma: é uma forma de esconder a deficiência dos atletas, tornando-a um factor quase desprezável quando, na verdade, é o factor mais importante. Caso um destes nossos atletas regresse a casa com uma medalha, a festa não será só pela vitória mas porque um indivíduo deficiente, com dificuldades que a pessoa comum não enfrenta, conseguiu sair-se vitorioso numa determinada modalidade. Dizer “estou contente porque o atleta paralímpico representou Portugal” é uma parvoíce considerada virtude: o que essa pessoa quer dizer é “aquele tipo mal se mexe e é campeão olímpico e eu resmungo por ter enxaquecas, caramba”.

É o equivalente àquelas mães que pedem aos filhos para não olharem demasiado tempo para um senhor que não tem uma perna: o esforço de produzir uma irreal noção de igualdade é tão grande que se cria um “politicamente correcto” que polariza as opiniões e nos transforma a todos cúmplices de uma fraude.

Aceitar as diferenças entre as pessoas, quer de personalidade quer de capacidades físicas e mentais, é, parece-me, o princípio básico de qualquer sociedade moderna; aceitar, e não varrer para debaixo do tapete. Criar uma competição estritamente para atletas deficientes é belíssimo; mas projectar a ideia de que eles são “como os outros” é imbecil, e vai contra a ideia fulcral da competição. Se toda a gente pensasse honestamente assim, ao invés de apenas projectar essa ideia politicamente correcta, então com certeza não seriam contra uma competição mista, na qual paralímpicos competem com atletas sem necessidades especiais. Soa ridículo? Porquê, se “a pista é igual” de qualquer maneira?

Pedem-se apoios e forma-se uma onda de solidariedade pelos atletas paralímpicos como se estes, por qualquer razão (no subtexto: porque são deficientes), precisassem ou merecessem um bocadinho mais da nossa admiração. Nas redes sociais proliferam as mensagens horrendas que descrevem atletas paralímpicos portugueses recebendo medalhas e, em letras vermelhas, acusações de que DISTO É QUE NÃO SE FALA NOS JORNAIS E POR ISSO PARTILHO EU (no subtexto: porque são deficientes); caramba, está lá em letras garrafais que se tratam dos Jogos PARAlímpicos de Londres.

E no entanto, é suposto aceitar estas pessoas como se fossem iguais a todos nós. Não são; e pedir-lhes que se apresentem como tal, ou tentar vê-las dessa forma, é ir contra a sua natureza que tão bem elogiamos a torto e a direito. Esta ideia muito democrática de que “somos todos iguais” é aplicada com total irracionalidade: na ideia de que “o popular” opina com igual autoridade sobre questões económicas quando comparado com “um académico”; na ideia de que um padre pode pronunciar-se sobre assuntos políticos como se pertencessem à sua esfera profissional; na ideia de que qualquer aluno com dificuldades deve ser beneficiado e ajudado a fim de, a bem da igualdade, também poder entrar na faculdade como os outros colegas; na ideia de que tem de haver igual número de mulheres e de homens em determinado grupo, mesmo que as pessoas mais competentes para fazer o trabalho pudessem ser só homens (ou só mulheres).

E pelo caminho diluem-se as distinções entre as pessoas, as hierarquias são consideradas ofensivas, o “elitista” é um indivíduo sem sensibilidade social; e as pessoas com necessidades especiais passam a viver num país que deve construir rampas de acesso, elevadores ou casas de banho adaptadas mas não os pode tratar “como” deficientes, porque são iguais a nós. Não são; e não há problema nenhum nisso.

2 comentários:

Bárbara disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bárbara disse...

eu nao tenho vindo muito ao teu blog, mas quando hoje ca passei confesso que li so esta tua opiniao, porque francamente despertou-me curiosidade sobre o que tinhas a dizer sobre este assunto. E nao podia ter saido mais satisfeita do teu post. Eu ja me indigno quando as pessoas dizem que na presença de um deficiente motor, ou invisual num transporte publico ou em qualquer outro cenario ligado ao nosso quotidiano, que é desumano as pessoas nao olharem, nem ligam, fingem que nao está lá, sao umas insensiveis e outros adjectivos piores. Pois eu respondo, pois nao olho! pois nao corro ao seu auxilio! pois nao me comovo! Porque nao ha razao para tal. Dizem que devemos aceitar tudo e todos e o meu maior sinal de respeito é conviver com essa pessoa da mesmíssima maneira que convivo com qualquer outro mortal. Isso sim é aceitar, nao o julgo pior que eu, nem melhor. Claro que em caso de apelo de alguma ajuda, eu ajudaria, mas se nao, entao sigo a minha vida sem olhar duas vezes, porque tambem nao costumo admirar a "normalidade" de pessoas "comuns".
E no caso dos Olimpicos 2012 de Londres, já achei escandaloso, o corredor amputado Oscar Pistorius, ter autorizaçao para participar numa corrida onde nao estava em pe de igualdade com os restantes atletas. Tem uma competiçao que acolhe pessoas que partilham as mesmas caracteristicas que ele, o que faz dele melhor que os outros? perdeu a corrida e até acho justo, toda a gente faz dele muito corajoso e coitadinho, mas se um o Bolt pedisse para correr nos paraolimpicos, ja seria um criminoso com certeza.

Em relaçao a essa campanha, termino so para dizer que é hipocrisia pura e dura, nao pactuo com coisas dessas, nem me vou extender mais senao nao saio daqui.
Adeus, caro!