domingo, 31 de janeiro de 2010

Mais um estudo científico a culpar a televisão e desculpar os pais

Um novo estudo científico sobre o consumo de produtos multimédia nas camadas mais jovens declara que o jovem médio, dos 8 aos 18 anos, consome em média 7h e meia deste tipo de produtos por dia. O estudo faz várias projecções ridículas e catastróficas, mas a sua metodologia soa estranha e duvidosa:

Os dos 8 aos 18 anos passam mais de sete horas e meia por dia de volta desses dispositivos (...) e como muitos deles são virtuosos da multitarefa (por exemplo, navegar na internet e ouvir música), concentram nessas sete horas e meia quase 11 horas de conteúdo multimédia.

Que raio de critérios são estes? Segundo esta metodologia, se eu estiver no meu quarto a navegar na Internet, ouvir música, de televisão ligada e a falar ao telemóvel durante uma hora, estou a consumir 4 horas de produtos multimédia! Ou seja, se eu passar 5 horas a ouvir música, navegar na Internet, falar ao telefone, de televisão ligada e a jogar Gameboy, consumo 25 horas por dia de produtos multimédia!

Espera, 25 horas por dia?

Talvez seja daqui que surge o exagerado título da notícia:

(tan tan taaan)

ONDE ESTÁ O SEU FILHO? DEVE ESTAR ONLINE HÁ MAIS DE 11 HORAS

Qualquer pessoa de bom senso percebe que é impossível estar 11 horas online por dia; a não ser que se trate de um adolescente que não vá à escola, ou que durma 3 horas por dia. Há casos desses, mas são raros. A generalização não é simpática.

O estudo diz ainda:

O estudo (...) revelou que o consumo de media pelos jovens cresceu muito mais nos últimos cinco anos do que entre 1999 e 20004, à medida que a tecnologia móvel sofisticada, como os iPods e os smart phones levaram o acesso aos media até aos bolsos e às camas dos adolescentes

O que, de certa forma, cola com isto:

"Os pais nunca sabem tanto como pensam sobre o que os filhos andam a fazer, diz Roberts (um dos autores do estudo), mas agora criámos um mundo em que eles estão muito mais afastados de nós e os pais não fazem ideia do que os filhos estão a ouvir e a ver nem sobre o que falam".

Segue-se uma comovente história de uma mãe que teve de impor limites ao filho quanto a horas ao computador, e oportunidades de jogar em consolas. Diz a autora do estudo:

Não acho que os pais devam sentir-se incapacitados (...) Podem continuar a estabelecer regras e isso ainda marca a diferença"

O que o estudo não parece compreender é que a culpa deste "mundo" em que vivemos é dos pais. Um miúdo do sétimo ano só tem uma Playstation e um smartphone se os pais lho derem. São os pais os principais fornecedores de todos os mecanismos modernos de consumo de produtos multimédia. A culpa não está "neste mundo" cheio de tentações para os miúdos, que afastam os filhos dos pais; está na ignorância e inactividade parental ao lidar com a realidade. Um pai ou uma mãe que deixem o filho, desde pequeno, habituar-se a horas e horas de consolas e televisão por dia, e não invista o suficiente na sua relação pessoal com os seus filhos, está a atirar as responsabilidades para outro lado. Se os vossos filhos chegam aos 15 anos a preferir uma consola à companhia dos pais e dos amigos, é porque foram habituados a isso. É porque com certeza receberam todos os jogos e gadgets modernos que pediram no Natal, e porque vocês, pais, lhes artilharam o quarto com televisões e Internets.

Vitimizar os pais, e colocá-los na posição de "educadores perdidos que não sabem muito bem o que fazer com o filho rebelde e anti-social", é tratá-los como crianças e culpar os canais de televisões e as empresas de jogos pelo seu insucesso como educadores.

E além disso, o estudo não faz a distinção entre os conteúdos que as crianças vêem. Eu passo horas na Internet, ou a ver filmes. Caramba, por esta metodologia esquisita também devo ter umas 34 horas por dia de consumo multimédia! Isso não faz de mim um idiota anti-social e com más notas, porque sempre fui educado de maneira a desenvolver um sentido de responsabilidade. Quando tenho de estudar, estudo, não vou jogar consola. As horas que passo a ver televisão ou na Internet (e que, a propósito, são passadas maioritariamente a fazer pesquisas sobre temas vários ou a ler sobre diferentes assuntos) não são factores no meu sucesso ou insucesso escolar, muito menos nas minhas capacidades sociais. Lembro-me de passar doze horas seguidas a jogar Playstation quando era mais novo, durante as férias de Verão. Mal saía do quarto. Isso não me transformou num obeso desempregado. Tenho amigos, dou passeios, vou ao cinema, pratico danças de salão; mas se me apetecer, passo uma tarde a ver vídeos no Youtube, ou a mandar mensagens escritas.

O problema destes estudos é que tratam os jovens como uma massa indistinta e homogénia, vítima de um fantástico mundo novo de tecnologias exageradas; e no meio, estão os pais, os cavaleiros da justiça e moralidade, lutando contra a maré do modernismo para salvar os seus filhos da desgraça. Isto não é verdade. Culpo os pais, sem receio de eu próprio cair numa generalização, porque são eles os responsáveis quer pela educação dos seus filhos, quer pela quantidade de gadgets que eles têem no quarto. O próprio estudo não diz nada tão directo como isto, mas sublinha o que estou a defender:

O estudo constatou que os jovens usam menos media em lares onde há regras como televisão desligada durante as refeições e nada de televisores nos quartos, ou com limites de tempo

Cá está. Surpreendentemente, um lar com pais responsáveis obtem crianças menos alienadas.

Para terminar, sublinho a estranheza deste estudo com dois parágrafos retirados do artigo:

Embora a maioria dos jovens objecto do estudo tivessem boas notas, 47 por cento dos mais intensos utilizadores de media (...) tinham, na maioria, notas sofríveis ou más, comparados com 23 por cento dos que consomem três ou menos horas. Os maiores utilizadores de media tinham mais probabilidades do que os seus congéneres moderados de se declararem aborrecidos ou tristes, de se meterem em sarinhos, de não se darem bem com os pais e de não serem felizes na escola.

E, depois de implicar uma co-relação entre "horas de consumo de media" e "sarinhos, más notas e aborrecimento e tristeza", o artigo acrescenta:

O estudo não permitiu determinar se a utilização de media cria problemas ou se, pelo contrário, os jovens com problemas se voltam mais para a sua utilização

O estudo, de certa forma, diz que o estudo chegou a conclusões que o próprio estudo não consegue determinar. Estranho? Talvez. Até porque em nenhum momento se falam dos conhecidos malefícios da televisão e computadores para a saúde física das crianças. Sou o único a achar este estudo um bocado estranho?

De qualquer forma, estou a alongar-me. Se tiverem alguma opinião ou comentário a fazer, sou todo ouvidos. Consumam mais umas horas de multimédia ao deixar um comentário.

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2 comentários:

Tiago Santos disse...

Estudos exagerados e mal feitos. Já é tipico...!
Sempre em altas estes...!

abraço!

Renato Rocha disse...

COm este post não queria dizer que os "estudos", no geral, são exagerados; no entanto, este estudo em particular parece ter uma metodologia um bocado estranha. Se o estudo se tivesse concentrado noutros temas e tentado procurar as razões que levam os miúdos a consumir as tais 11 horas por dia de multimédia, talvez tivesse alguma utilidade.

abraço!