O Archaeopteryx, um ser vivo que viveu no Jurássico (há 150 milhões de anos) e que apresenta características de réptil e ave, pelo que se pensa tratar de um exemplo bastante visual da passagem progressiva dos répteis do tempo dos dinossauros para as nossas aves actuais
Não há uma conspiração secreta a liderar estas descobertas; muito menos podemos achar que todas as ciências da vida estariam erradas na precisa proporção necessária para nos dar uma gaçsa ideia de unidade e coerência. A verdade é que olhar para o mundo natural com olhos de ver e retirar dele alguns dados, aliado à nossa capacidade de raciocínio, pode fazer maravilhas. Nada em ciência é opinião ou crença, porque nenhuma ideia sobrevive sem ser fundamentada. Um cientista que apresente uma ideia, qualquer que ela seja, e reinvidique razão, é rapidamente ignorado pelo resto da comunidade científica se não tiver provas, dados ou informações que demonstrem que a sua hipótese pode sequer ser levada a sério. Sem isto, a ciência seria uma colecção de propostas e proposições infundadas. Tudo é medido, observado, testado e repedito, ou tudo se enquadra num modelo que procura explicar qualquer fenómeno; e, por não ser dogmática, a ciência já esteve errada (e continua, e continuará a estar em algumas questões).
"Levas a ciência a sério? Seu burro. Não sabes que eles antigamente achavam que a Terra era plana? Como podes confiar no que te dizem, se estão sempre a mudar de opinião?"
Como muitos religiosos gostam de referir, muitos cientistas antigos fizeram proposições ridículas. Isaac Newton, por exemplo, acreditava na alquimia (e, a propósito, em Deus); não por Newton ser burro, mas porque na altura em que viveu a ciência evoluíra até certo ponto, e só até aí. A sua teoria corpuscular da luz, por exemplo, explicava com eficácia todos os fenómenos da luz (reflexão, refracção e decomposição da luz branca) conhecidos na altura; no entanto, alguns anos depois, a teoria corpuscular foi substituída pela teoria ondulatória, pois apenas esta explicava as mais recentes descobertas no campo dos fenómenos da luz. Actualmente, o modelo aceite é o da dualidade onda-partícula, muito diferente de qualquer outra proposição com a qual Newton alguma vez sonhara. A ciência evoluíra, e procurara explicar o mundo à medida que o mundo se ia tornando menos misterioso.
Entretanto, muitos dos erros que os antigos tomavam como factos foram e estão a ser corrigidos, e é provável que ainda mais concepções que hoje tomamos como certas sejam destruídas amanhã. Isto não invalida todo o trabalho e descobertas feitas por esses cientistas. Newton não deixa de ser um dos mais importantes cientistas da História só porque a sua teoria corpuscular da luz e as suas suposições sobre a gravidade podem estar erradas ou ultrapassadas; foi graças ao seu trabalho que as gerações seguintes, munidas desses conhecimentos, puderam fazer investigações mais abrangentes e precisas, descobrindo as falhas nos modelos sobre os quais tinham sido ensinados na escola e podendo, assim, corrigi-los para o bem do conhecimento humano.
Isto porque a ciência, ao contrário da religião, não crê. Vê, mede, analisa, e retira conclusões; e, mais importante, corrige-se a si própria. É o método científico que nos permite corrigir os modelos que, entretanto, descobrimos serem errados; em nada a crença ou o apego a determinada ideia ou teoria tem peso na busca pela verdade. A convicção pessoal de um cientista nunca pesará tanto como um dado objectivo mas contraditório.
A ciência pode ser repetida
A ciência contém outra característica importante, e que não só nos dá razões para aceitar as conclusões científicas como nos permite fazer previsões acertadas sobre o mundo: a ciência pode ser repetida. As medidas podem ser feitas várias vezes, de forma a diminuir os erros de leitura; as mesmas experiências podem ser repetidas por diferentes cientistas em diferentes lugares do mundo, com os mesmos resultados. Ao datar uma rocha, por exemplo, os cientistas utilizam diversos processos de datação. Se um cientista chinês, um australiano e um inglês chegam, por processos diferentes ou até iguais, à mesma idade aproximada da rocha em questão, é difícil acusá-los de "crer" que a idade da rocha é X; todos os dados, dentro da nossa capacidade actual de entender a realidade, apontam para a idade X. Não há razões para duvidarmos de sistemas de datação que são usados todos os dias, e que apesar de distintos e de se basearem em diferentes formas de calcular a idade de um objecto ou substância, apresentam resultados incrivelmente aproximados e de forma sistemática. Não seria de esperar que se tudo não se tratasse de uma crença selectiva ou de um erro de cálculo, os vários processos de datação chegassem a conclusões distintas?
Assim é com a evolução, já aqui referida; podia ser que os milhares de fósseis descobertos entre os dias de Darwin e a actualidade, bem como todas as informações recolhidas sobre o funcionamento da hereditariedade e dos genes, fossem contra a ideia da selecção natural. No entanto, isso não acontece. Não se trata dos cientistas escolherem acreditar na teoria da evolução; enquanto ela funcionar como modelo que explica os fenómenos biológicos e a origem da diversidade dos seres vivos, e até novas informações destruírem os seus fundamentos, a evolução por selecção natural continuará a ser o modelo utilizado. Não por crença ou fé cega e parcial, mas porque funciona mesmo quando tentamos explicar o que observamos no mundo e obter previsões sobre o que vai acontecer.
A religião, pelo contrádio, justifica a divindade dos seus Deuses e profetas com acontecimentos antigos, mal fundamentados e longe de poderem ser testados ou repetidos sob condições controladas, ou sob a observação directa de qualquer ser humano. A vida de Jesus, sobre a qual há pouquíssimas e nebulosas referências fora da Bíblia, está repleta de milagres que desafiam as leis naturais. O próprio nascimento de Jesus (e de outras figuras centrais de outras religiões mais antigas, já que não é difícil encontrar semelhanças entre as histórias mitológicas de muitas das religiões de há uns quantos milhares de anos), bem como o seu caminhar sobre a água e a sua ressurreição, sem a qual a divindade do personagem seria duvidosa, são milagres incríveis, mas nunca repetidos. Jesus investiu tempo e energia em provar a torto e a direito a sua divindade a qualquer pessoa que encontrasse pela rua, mas hoje em dia é incapaz ou recusa-se a repetir a façanha.
A crença nestes acontecimentos baseia-se na crença de um livro traduzido e copiado de língua em língua, século em século, mão em mão e motivações em motivações. Acreditar num método de datação por carbono, baseado em fenómenos conhecidos e observados da física e da química, que hoje em dia é feito diariamente sob condições controladas, e acreditar que um homem chamado Jesus voltou dos mortos há dois mil anos atrás porque uma colecção de livros contraditórios entre si nos referem tal acontecimento; são duas "crenças" ao mesmo nível? Tenham dó.
Crer na ciência é a mesma coisa que crer em Deus?
Em ciência não há certezas absolutas nem dogmáticas, mas na religião sim. Em ciência, há razões para acreditar nas coisas, e essas razões podem ser comprovadas por outras pessoas várias vezes ao dia, e sem nenhum tipo de crença prévia nos resultados. Não "acreditamos" nos antibióticos, eles funcionam mesmo. Não acreditamos nos fenómenos ópticos ou no funcionamento dos electrões; é graças a eles que temos comunicações ou satélites. Por explicar convincentemente o mundo que nos rodeia, por obter resultados práticos e em concordância com a realidade, e por se corrigir a si própria à medida que nova informação é descoberta, a ciência é e continuará a ser a única forma válida de obter algum tipo de conhecimento sobre o mundo natural.
A religião, por seu lado, mantém-se inalterada, mudando aqui e ali os seus dogmas e as suas desculpas para melhor se justificar à luz das descobertas dos últimos séculos. Basta reparar como, ao longo dos tempos, a figura de Deus serviu para explicar a origem do planeta e do Homem muito antes de estes processos serem compreendidos como sendo mecanismos puramente naturais, sem a necessidade de uma explicação divina. A explicação "Deus" é mantida para tentar justificar tudo o que, no contexto do conhecimento humano, ainda não foi explicado de outra maneira. Esta posição é uma falácia, e uma óbvia desonestidade; e à medida que nos movemos para uma sociedade que cada vez mais compreende o mundo e se compreende a si própria sem necessitar de uma justificação sobrenatural, é mais do que natural a necessidade da religião de tornar o seu Deus uma nebulosa criatura infinita e fora das leis comuns da nossa realidade. Afastando Deus do domínio do natural e do real, e por definição do investigável, colocamo-lo numa prateleira tão alta que ninguém lhe pode chegar; e assim, o religioso sente-se justificado em acreditar, porque a "crença" na ciência ainda não chegou ao seu Deus. Não há uma crença cega na ciência; e se houvesse, haveria muito mais justificações para acreditar na ciência do que em Deus. No entanto, não é a fé o combustível da ciência; é a vontade de obter conhecimento e verdade, ao invés de aceitar o que nos é dito por um livro.
O ateísmo e ciência são normalmente colocados lado a lado, porque ambos têm em comum o horror à crendice gratuita e a vontade de "acreditar", e levar em conta apenas aquilo em que há razões para ser levado em conta. A ciência é, portanto, diferente da religião. Não garante ser possuidora da verdade absoluta, muito menos afirma que aquilo que "sente" ou "acredita" são factos inegáveis; e, principalmente, a ciência não tem problemas em admitir que está errada quando está errada, procurando imediatamente corrigir esses erros sem vergonhas ou receios de perder credibilidade.
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