Previamente, em Smith e as Sereias, não aconteceu assim nada de especial que vocês precisem de saber para perceber este episódio.
Estava sentado na minha cadeira de rodas, adesivo na barriga e roupão à volta dos ombros. Ao meu lado, num sofá de dois lugares, Ariel e Lilith remexiam numa espécie de escova e o moço louro, estendido num segundo sofá, dobrava-se sobre um bloco de notas e desenhava qualquer coisa. Estávamos na sala de convívio do palácio. A dois sofás de distância duas sereias conversavam sobre marujos giros e, mais ao fundo, a sereia gorda de banhas procurava resolver, desde há três horas, o mesmo Sudoku com uma estrela de dificuldade.
- Pronto, já está – disse Ariel, aproximando-se de mim com a escova – Dobra o pescoço para o lado.
- Que é isso? – perguntei-lhe eu.
- É um limpa-guelras. Tu e o Jack têm de aprender a limpar as guelras ou elas entopem-se e ficas com uma infecção.
- Tens de explicar quem é o Jack, porque as pessoas lá em casa podem não se lembrar.
- Quê? – resmungou Lilith.
- Tens de explicar – continuei, com toda a paciência de quem lida com a lentidão intelectual – que o moço louro se chama Jack.
- O meu filme favorito é com um moço louro chamado Jack – disse Lilith - E passa-se num barco que vai abaixo. É do mesmo tipo que fez o Avatar.
- Não gostei do Avatar – respondi logo – É um plágio da Pocahontas. Não percebo como ninguém reparou.
- Mas é melhor que a Pocahontas, porque é em 3D.
- O 3D dá-me dores nos olhos – disse o moço louro, sem largar o bloco de notas.
- Posso tratar-te das guelras ou não? – interrompeu Ariel.
- Podes. Isso é como, então?
- Espetas a escova na guelra e esfregas, como se lavasses os dentes.
- Eu nunca lavei os dentes.
- Isso explica muita coisa – disse Lilith.
- O que queres dizer?
- Nada – respondeu ela – É só porque quando te beijei sabias a queijo da boca.
- E andas à roda assim – continuou Ariel, enfiando-me a escova pela guelra e andando com ela à roda. Aquilo fazia comichão – Percebeste? Agora faz o mesmo para as outras. Espera.
Parámos todos. Ariel olhou para mim.
- Quando ela te beijou? Como assim?
Corei.
- Não foi nada, ela com certeza queria dizer que se aproximou muito para me cumprimentar e eu sem querer encostei-me…
- Ao menos diz a verdade, Smith – cortou-me Lilith – Ariel, está na altura de saberes. Uma vez que estamos todos a ficar amigos e assim. Eu e o Smith envolvemo-nos sexualmente debaixo de uma mesa das estufas.
O moço louro chamado Jack tirou os olhos do bloco e olhou para mim. Ariel também. Eu olhei para as minhas meias, perguntando-me se as tinha trocado desde ontem ou não.
- Isto enquanto tu eras meu noivo, certo? – perguntou Ariel, enfiando a escova na minha outra guelra e esfregando violentamente. Aquilo não era cócegas, era uma comichão dolorosa. Dica para todos os homens que me lerem: não discutam com uma mulher enquanto ela vos esfrega o interior das guelras com uma escova de palha-de-aço. Nunca.
- Tecnicamente, tu não me tinhas aceite e por isso, bem, foi uma coisa que aconteceu.
- Ele quis. Não o censuro, eu tirei o soutien exactamente porque sabia que ele não me ia resistir. Convenhamos, Smith, tu eras um adolescente.
- “Eras”? Isso foi há umas duas semanas! – rosnou Ariel.
- Sim, mas o Smith sofreu uma grande mutação. Se não fosse ele e a sua chantagem desavergonhada ao nosso pai, tu não estarias liberta de um casamento que não querias, eu não teria compreendido o quanto fui sádica, e ele – apontou para Jack – não estaria a alguns dias ou até horas de localizar a sua amada.
Jack tomou um olhar sonhador. Eu continuei a olhar para as meias. A escova com que Ariel quase me esfaqueava interrompeu lentamente o seu movimento homicida.
- Tens razão – disse Ariel, sentando-se ao lado de Lilith e abandonando a escova na minha guelra – Bem visto.
- É verdade, Smith. Estás diferente e gostamos mais de ti assim – disse Jack.
- Smith? – perguntou uma voz atrás de mim. Virei-me. Era Namor.
- Ena, como vai isso?
- É o nosso padrasto – disse Lilith com um sorriso. Namor fez que sim com a cabeça, mas não adorou a alcunha.
- Olá a todos. Ariel, como estás?
- Óptima. Tu?
- Também. Vinha ver como estavam. Smith?
- Quase bom.
- Óptimo. Porque tens uma escova espetada na guelra?
- Ah, por nada – disse eu, tirando a escova com cuidado.
- O Poseidon quer falar contigo.
- A sério? Sobre?
- Penso que seja sobre a tua futura situação profissional. Ah, e pediu-me para chamar também um tal de Tom Cruise.
- Sou eu – disse Jack, levantando-se de um salto.
- Tu és o Tom Cruise?
- Não, sou o Jack.
Namor soltou uma gargalhada.
- Tu pareces é o Leonardo DiCaprio!
Todas as sereias do salão olharam para nós. Lilith e Ariel viraram a cabeça para o moço louro. Houve um momento de silêncio pesado.
- Oh meu deus! É mesmo! – gritou a sereia gorda, ao fundo do salão.
- É mesmo – murmurou Lilith, surpreendida.
- Como não me lembrei disso? – dizia outra sereia, a um canto – Confundi-o com o outro, o Jack Guilenrrál.
- É Gyllenhall – corrigu Ariel, levantando a voz – Com dois éles.
- Sendo assim, Poseidon gostava de ver o Smith e o… Jack, certo? – perguntou Namor, apontando para o moço louro.
- É sobre a Rose? – perguntou ele.
- Acho que sim – sorriu Namor.
- Vai ter é de esperar um bocado – avisei eu – É que os episódios só têm três páginas e este está a chegar ao fim.
- Oh, bolas – comentou Namor – e este está mesmo a terminar?
Olhei em volta, como que à espera de um sinal.
- Bem, acho que sim, mas é uma questão de continuarmos a falar e ver quando ficamos sem espa
Todas as Terças e Quintas há novos episódios de Smith e as Sereias.
Sem comentários:
Enviar um comentário