domingo, 22 de maio de 2011

Novas Oportunidades (ou: Estou ofendido)

Irrita-me. Irrita-me dizer-se que Passos Coelho “ofendeu meio milhão de portugueses” por criticar o programa Novas Oportunidades. Irrita-me porque ele não ofendeu ninguém, ofendeu o programa; irrita-me porque ele tem razão: já agora seria bom saber se o programa está mesmo a resultar, ou seja, se os diplomas que atribuem a torto e a direito têm mérito, e ajudam, de facto, a malta a melhorar de vida.
E irrita-me por outra coisa. Irrita-me que uma pessoa possa, com a sua experiência pessoal de vida, receber o mesmo grau de educação que eu, e outros milhares de estudantes que não tiveram de escrever uma auto-biografia e ser entrevistados para terminar os estudos. Tivemos de investir tempo, dinheiro (dos nossos pais), horas de sono, horas de trabalho, e doze anos das nossas vidas. Queixam-me porque as pobres pessoas que vão às novas Oportunidades no final do dia e durante uns tempos estão, agora, ofendidos, porque de súbito alguém sugeriu que aquilo que andam a fazer não lhes serve para nada. Na prática; porque em teoria ganham uma palmadinha nas costas, e um diploma, e saem de sorriso na boca.
Seja; falemos então da minha geração, aquela que tira o seu ensino secundário sobrevivendo a um sistema educativo idiota que também nos dá certificados, mas não a educação que devia. Falemos da minha geração, que carrega cargas horárias idiotas, disciplinas inúteis, professores incompetentes, e exames que nos definem o futuro. Falemos da minha geração, que sairá do secundário e da faculdade com suor na testa e cujos certificados de educação serão inúteis, por estarem diluídos numa pasta homogénea . A geração que terá de pagar as contas (todas; financeiras, económicas, ambientais, culturais) com os poucos materiais que lhe são dados pelos Grandes, e que terá de tomar as rédeas de um mundo que está a morrer e de uma humanidade que não sabe o que faz.
E a educação, o mais fulcral dos elementos de uma sociedade, a matéria prima para uma evolução decente, é ignorada e democratizada de forma tão idiota que perde o seu valor. Agora, tudo de todos tem valor. Se a experiência de vida me vale o secundário, então para quê ler Saramago, e estudar os Impressionistas, e aprender álgebra? Não será óbvia a razão por que nós, mais do que qualquer participante nas Novas Oportunidades, deveríamos estar hoje ofendidos?
No dia em que toda a gente puder tirar o secundário (ou, quem sabe, e porque hoje em dia é importante dar às pessoas novas oportunidades para lhes melhorar a vida) ou um curso superior em alguns meses, é o dia em que a minha, e todas, as gerações estão tramadas. E enquanto a minha geração não se preocupa muito com isso, nem devia, as gerações dos nossos pais e dos nossos avós preocupam-se em enganar-se mutuamente, e enganarem-nos a nós. Obrigadinho. A todos vós, obrigadinho.

1 comentário:

Anónimo disse...

Da maneira que eu vejo as coisas ler Saramago, estudar o Impressionismo, e aprender álgebra figura no padrão da experiência de vida, só depende do proveito que tu tiras das coisas e do valor que lhes dás. Tão depressa podes ter um colega teu, que passou os mesmos 12 anos que tu a "perder tempo", que não conseguiu durante esses 12 anos descolar os olhos das pernas das colegas ou do futebol, sem mostrar interesse nenhum pelas coisas que lhe tentavam ensinar, mal ou bem. Como um poeta como António Aleixo, quase analfabeto e pobre, talvez por causa disso, mas que tinha uma fibra que talvez muitos homens que se julgam eruditos não têm.