domingo, 27 de setembro de 2009

A minha geração



O meu irmão entrou agora para a primária, e com certeza vai ser uma pequenita vítima do Magalhães. Lembro-me perfeitamente de andar na primária. No meu tempo, onde não havia nada dessas modernices, a minha professora obrigava-nos a fazer as contas à mão. Tinhamos os cadernos cheios de divisões complicadíssimas. Lembro-me de passar tardes inteiras a fazer contas de dividir com a minha avó, porque ela achava piada a relembrar os tempos de escola e eu lá tinha de fazer os trabalhos de casa. Lembro-me de passar horas inteiras, a agonizar de um lado para o outro da casa, a decorar a tabuada. Lembro-me de olhar para dentro da sala dos Crescidos, que eram uma espécie de Elite. Eles lá estavam, sentados nas mesinhas, com umas máquinas enormes nas mãos: calculadoras. Os Crescidos, que não passavam de alunos da quarta classe, podiam usar calculadora! Para nós, os pequenos, aquilo era o êxtase escolar. Nunca mais pensar “Quantas vezes é que 4 cabe em 32?”, nem fazer colunas de multiplicações. Usar uma calculadora era algo inatingível.

Agora percebo tudo, quando olho para trás; e agradeço. Três anos a aprender a fazer contas de cabeça serviu-me de vantagem para tudo, não só para a matemática. Exercitar o cérebro é das melhores coisas que se pode fazer a um miúdo. Quem diz contas de cabeça diz desenvolver a leitura e o raciocínio, bem como a cultura geral. Fazer com que os miúdos aprendam a folhear livros e consultar dicionários, em vez de olhar para um ecrã.

De que maneira é que a introdução de um portátil no PRIMEIRO ano de escolaridade traz consequências para esta geração? E uma vez que há o Magalhães na primária e o portátil com Internet a partir do 5º ano, já não há um único ano de educação em Portugal SEM um computador? Porque é que a minha geração aprendeu no duro a ler, escrever e fazer contas de multiplicar de cabeça, e esta geração (e eu não sou assim tão velho, por isso não passou muito tempo) usa um portátil para melhor “compreender os conteúdos”?

Porque é que ainda não apareceu ninguém a explicar-nos como é que o bicho funciona, que tipo de conteúdos tem, para que serve, que tipo de formação terão os professores para os utilizar e ensinar a utilizar nas aulas; e principalmente o que raio vai trazer de tão moderno e inovador à educação? Aprender a mexer num portátil é uma prioridade quando um miúdo ainda nem sabe ler? Numa geração que passa 20 horas por dia à frente de televisores e monitores de consolas, de que forma é que um portátil (que só vai acrescentar aos electrodomésticos do género que já todas as famílias têm em casa) vai motivar os miúdos a estudar, a desenvolver o gosto pela leitura e pelo estudo?

E outra coisa: porque é que estas perguntas não são feitas pelos pais do nosso país? Serei eu o único a sentir estas comichões? Sou irmão de um miúdo na primária, e preocupa-me. No dia em que o vir fazer os trabalhos de casa no computador vou armar-me em velhote na fila do supermercado e resmungar que no meu tempo as coisas não funcionavam assim. No meu tempo é que era.
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1 comentário:

Madalena disse...

Não podia estar mais de acordo contigo, por variadíssimas razões:
1. Não há nada melhor do que manusear um livro, folheá-lo para a frente e para trás como nos aprouver e ter outros livros espalhados à nossa volta. Estas coisas insignificantes fazem parte do facto de gostar tanto de ler. É muito mais fácil e prazenteiro para mim ler um livro do que ler qualquer coisa escrita no computador.
2. O computador faz mal à vista, faz pior do que qualquer livro.
3. O computador é e continuará a ser um motivo de distracção, principalmente com filtros como os do Magalhães.
4. Um portátil como ferramenta única de ensino, fará com que o aluno se torne individualista e solitário. As relações entre colegas e aluno professor serão fortemente afectadas.
5. A utilização desta ferramenta tão apetecível entre a população jovem vai fazer com que se desinteressem de tudo o resto, não só dos livros, mas até de programas educativos que a televisão fornece.
6. O computador é um facilitismo e um convite à preguiça mental.

Pouco há de bom e muito menos de excelente nesta medida do Governo. A única coisa que demonstra é uma febre desenfreada pelo avanço tecnológico, uma necessidade infantil de aprovação por parte do estrangeiro que poderá levar a um sentimento de vaidade bastante baixo da nossa parte, visto que só revelará aos mais inteligentes o quão ignorantes somos e quão pequena é, na verdade, a nossa capacidade de visão.
Chamem-me consevadora mas continuo a achar que nada substitui um bom livro nem uma boa aula em que o uso das nossas capacidades e a relação de contacto respeitoso entre professor e aluno são imperativos.