segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Samora 49


- Conhece a minha opinião sobre as mulheres. Nunca a descrevi claramente, mas você conhece-a bem – Samora observava uma fotografia de Sonja- Esta rapariga, além de nova, parece-me positivamente desinteressante. Uma companhia que aquecerá os seus lençóis e cujo ventre transportará a sua descendência; sem dúvida. Mas que olhos mortiços, que sorriso apagado, que aparente necessidade de parecer um animal atropelado! Saberá sequer discutir epistemologia, poesia nórdica medieval, ou cozinhar um assado capaz? Por outras palavras, estará à sua altura?

- Pretendo casar-me com ela – respondi.

Samora olhou-me com seriedade. Levantou-se, abriu os braços:

- Traga cá esses ossos, meu caro. Anna! – chamou, num vozeirão – Desça à cave e traga champagne!

Samora era, no fundo, um democrata. Aquilo que odiava era, para ele, catalisador de honestidade: dizia quando amava e quando odiava com igual paixão e sinceridade, mas não há dúvida que retirava um enorme prazer do prazer dos outros; prazer esse que tratava como uma característica mesquinha da vida, uma expressão da natureza mais animalesca do homem e não do seu intelecto. Para Samora, a felicidade dos outros podia muito bem ser da responsabilidade de algo insuportável e desinteressante como para ele era Sonja: mas a felicidade era algo imaterial que, concordava, o comum dos mortais necessitava no seu dia-a-dia; e admiti-lo, não só admiti-lo como congratular-nos por essa felicidade, era para Samora apenas mais um dos seus numerosos sinais de superioridade em relação aos outros.

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