sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Samora 50


- A vida tem destas coisas, como diz o lugar comum – Samora levantou-se da cadeira a meu pedido, para discursar, e os convidados do copo de água silenciaram-se – Quem está aqui não me conhece. Apresento-me: Samora. Sou o padrinho e o responsável pela educação do noivo. Seu companheiro de longa data, se bem que isso vai mudar com a chegada de Sonja. Apesar de não gostar muito dela, confesso ver no meu bom amigo os benefícios que uma mulher traz à vida de um homem: está bem alimentado, bem dormido, caminha feliz, escreve, traduz, discursa com maior gosto. Isso é suficiente para avaliar Sonja como uma boa esposa. As outras mulheres na sala sentir-se-ão ofendidas se disser que o provérbio “Um grande homem tem sempre uma grande mulher atrás de si”, uma ladainha feminista ainda por demonstrar, está errado. Um grande homem é-o independentemente da mulher que está ou não atrás dele, que o espera ou não quando chega a casa. Um grande homem é-o e basta – Samora sentou-se pesadamente e bebeu da coca-cola.

Fui eu quem iniciou os aplausos curtos e secos, sorrindo para mim mesmo. Claro; na sua insensibilidade, ofendera a minha mulher e escondera a sua verdadeira mensagem num discurso sectário e  despertador de ódios. Mas Samora expressava-se melhor ofendendo os outros, colocando-os numa posição de inferioridade em relação a si, normalmente com eloquência, tipicamente sem obter resposta à altura; depois disso, tudo o que lhes atirasse não eram palavras mas sim balas de canhão. E no entanto... No entanto foi no dia do meu casamento que Samora me tratou quase como um igual, elogiando-me como nunca fizera até aí ou voltaria a fazer desde então; a mim ou a qualquer outra criatura. Aquela foi, compreendi, a apoteose das emoções de Samora, dirigida a mim, dedicada a mim; isso comoveu-me, e recordo-o com carinho. 

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