sexta-feira, 13 de abril de 2012

Livro de estilo

Primeiro que tudo deixem-me esclarecer-vos o seguinte: qualquer mente dedicada a qualquer trabalho criativo funciona melhor quando incentivada por um sistema semelhante àquele que regula os funcionários públicos. Um horário, uma lista de objectivos, obrigações contratuais e uma ou outra pausa para café e um pastel de nata são elementos imprescindíveis para afastar a preguiça e a procrastinação, dois dos maiores inimigos de quem quer produzir o que quer que seja.

Como jovem aprendiz de argumentista, escritor, bailarino e ser humano, não me excluo do que acabei de descrever; de facto, essa ideia romântica de que o artista perfeito é aquele com liberdade total para fazer piqueniques, relaxar num retiro Tibetano e, nos intervalos dos seus profundos momentos de introspecção, dedicar-se à execução d’A Obra é um absoluto mito urbano; e se funcionou para uns quantos génios é porque foram génios e não tipos como eu, não génios, que se atrevem a enveredar por estes caminhos. Desconfio de qualquer pessoa que, na sua ânsia de se aproximar dos ideias intelectuais, culturais ou artísticos que admira, se afasta com afinco (e eficiência) da realidade do dia-a-dia; e isso inclui fazer o pequeno almoço, pisar cocó de cão e chegar a casa às tantas depois de um dia inteiro de trabalho. “Criar” (o que quer que isso signifique) é um acto que precisa de combustível, e esse combustível é a vidinha de todos os dias e não os trabalhos de outros artistas que tentamos agradar e imitar.

Daí que não tenha sido uma surpresa por aí além a descoberta de que o final do meu blog, na sua forma passada, era na verdade o final de uma obrigação necessária. Perante quem? Ninguém; a entidade a que chamamos “Internet” tem mais coisas para fazer do que ler-me, e poucos e silenciosos eram os que me acompanhavam. Não se pode dizer que estivesse, naqueles tempos, a escrever para alguém; redigia com igual afinco textos que despertavam simpáticos comentários por parte de alguns leitores como histórias que ainda hoje, sem reacções ou comentários, ganham pó nos meandros do blog.

O final desta obrigação necessária, deste incentivo a escrever, levou inexoravelmente a uma estagnação total na minha produção “literária”, nome fino utilizado para me referir aos ocasionais textos que sempre redigi. Fora ocasionais trabalhos de escola e um ou outro texto, geralmente sem interesse e raramente terminado, poucas foram as vezes em que abri o Word e me sentei para bater violentamente com a testa no teclado; processo que me despertava, e sempre despertou, o mais masoquista e genuíno prazer.

Tal seria irrelevante não fossem os meus objectivos profissionais passarem exactamente pela escrita (por vezes esqueço-me daquilo que estou a tentar tornar-me a longo prazo, tais são as preocupações e obrigações do dia-a-dia para atingir esse mesmo objectivo): seria como estar a estudar para ser nutricionista e só ter tempo de comer merendas mistas e coca-cola ao almoço. É um mistério como vou chegar a pagar o gás e a casa com aquilo que escrevo se, no decorrer do meu processo de educação, faço de tudo e mais alguma coisa excepto escrever.

Esta situação tem de ser alterada. Voltemos, portanto, à analogia inicial com o funcionário público: como tornar o seu serviço mais produtivo? Atribuindo-lhe objectivos específicos, explicando-lhe qual o seu lugar na bela e oleada fábrica que é a administração do ministério, dando-lhe palmadinhas nas costas de cada vez que acerta com o carimbo no despacho certo. Em suma: há que apertar-lhe o pescoço e obriga-lo a mexer-se, retribuindo-lhe com um biscoito finalizada a tarefa proposta. O meu biscoito, e a minha tarefa, são este blog.

Renasce, portanto, das cinzas; com novo aspecto e novos objectivos. Não se pode dizer que eu tenha perdido familiares, viajado ao Tibete ou alterado a minha visão filosófica do Universo; mas que estou diferente, estou; e diz o lugar-comum tão piegas como verdadeiro que continuarei a mudar indefinidamente. Isso vai reflectir-se, com certeza, no rumo que der a este meu espaço. Por agora, vejamos o que este blog não vai ser:

Não vai ser um espaço de lamúrias pessoais ou desabafos sobre temas que me apaixonam demasiado. Isso tornaria tudo parcial, partidário e, genericamente, aborrecido para as outras pessoas. Por vezes esquecemo-nos que somos muito menos interessantes do que pensamos.
Não vai ser lugar de numerosas e (des)interessantes discussões sobre os temas que encheram, anteriormente, este blog: religião, ciência, cepticismo.

Não vai ser um conjunto de opiniões pessoais e arrogantes, por mais justificadas que estas pudessem ser.

Não vai ser um local de partilha de informações pessoais. Para isso existem milhentas redes sociais onde podemos violar a nossa própria privacidade com mais à-vontade.

Então, o que sobra? Um espaço onde pretendo realçar as minhas histórias, seja na forma de contos seja na forma de lombrigas, longas e divididas em episódios, capítulos, volumes, tomos; onde, lá de vez em quanto, posso cometer o abuso de partilhar qualquer texto de opinião que considere relevante e um ou outro vídeo (porque agora descobri que “escrever com a câmara” é tão divertido como escrever ao teclado); e onde, acima de tudo, não procurarei evitar a minha própria personalidade para, sem ela, corresponder a qualquer ideal “artístico”.

As rubricas poderão voltar tal como estavam, quem sabe nascerão algumas novas. A periodicidade de publicações será ora frenética, ora espaçada, ora uma vergonha. Tudo dependerá de muito, e pouco ficará nas minhas mãos senão vir cá quando puder.

Terminemos o que já vai longo. Considerem aplicado o desfibrilador.

Cumprimentos,
O Autor

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