Caro Michel Teló,
Primeiro que tudo obrigado por me abordares dessa maneira.
Não é todos os dias que um homem escolhe falar comigo por me achar “a mais
linda”, muito menos para me dizer, nas entrelinhas, que quer praticar o coito. Simpatizo
com a honestidade em qualquer situação.
Agora, a verdade é que não me sinto lá muito elogiada. Sou
uma mulher bonita, sim; mas também inteligente, culta, viajada, interessante.
Não sou uma sobremesa, e portanto tenho pouco de “delícia”; não sou uma
maçaneta, portanto isso de me “pegares” tem de ficar para outra altura. Não te
vás já embora; não tenho sexo para te oferecer mas gostaria de te dizer umas
coisas:
Compreendo em absoluto a tua abordagem. Há na sociedade um
discurso politicamente correcto sobre a forma de comunicar entre os homens e as
mulheres que, bem vistas as coisas, se torna hipócrita: a verdade é que os
homens continuam a tratar as mulheres como seios com pernas, e as mulheres a
vestir-se e comportar-se de acordo com isso. A noção de que preciso de vestir
decotes ou mini-saia para me sentir “à vontade”, ou para estar “confiante”,
é-me tão estrangeira como a ideia de que a promessa de sexo, por parte de um
homem, será motivo de júbilo.
Ainda assim tenho a certeza de que, se musicares o que
acabaste de me dizer (omitindo, talvez, a minha resposta), serás responsável
por um enorme sucesso comercial. Entre os homens? Talvez; mas és carinha
bonita, tens voz melosa, provavelmente os machos quererão outra coisa. O teu
principal público será, ironicamente, o feminino. Milhões de raparigas
apreciarão e cantarão em uníssono esse teu poema, essa ode à mulher; e tantas
outras decorarão com gosto a coreografia com a qual tão bem mostras aquela que
pensas ser a melhor forma de nos interpelares pela primeira vez.
Talvez a tua abordagem não seja assim tão desprovida de
sentido. Talvez tenha resultado no passado, e resultará com certeza no futuro. Muitas
mulheres poderão sentir-se atraídas por ti e pela tua mensagem. Decisão
consciente e individual? Também. Mas olho à minha volta e deduzo que as
mulheres, colectivamente, não exigem ser assim tão respeitadas como isso.
A sociedade vê com bons olhos a actriz “independente” e
“confiante” que se despe para uma revista “de bom gosto”, mas que condena severamente
outra mulher que se despe como profissão, não para ser “independente” mas para
sustentar os filhos. Vivemos num mundo cheio de paninhos quentes quanto à
igualdade entre homens e mulheres, defendendo-a fervorosamente; o mesmo mundo
no qual um governo composto só por homens é automaticamente visto como machista,
e que portanto defende que o género sempre deve, afinal de contas, entrar na
equação. Os decotes, as costas destapadas até ao rabo, as nádegas tonificadas,
os bronzes, as depilações inventadas no teu país vendem tantas revistas como tu
venderás CD, e no entanto o homem que for apanhado a apreciar ou elogiar sem
pudor qualquer um destes adornos femininos será apelidado de pervertido e
remetido para um site pornográfico; talvez por mulheres que educarão as suas
miúdas para não dizerem “pilinha”, e que se deliciam ao ver as educadas
crianças dançar ao som da tua música, aprendendo já a coreografia para a
saberem identificar mais tarde. Estas crianças crescerão sem aprender quem foi Madame Curie por estarem demasiado ocupadas a idolatrar a Beyoncé e a defender o fim da carga sexual sempre conferida ao sexo feminino.
Poderás dizer: mas minha cara, as pessoas apreciam a música, dançam porque lhes sabe bem, a letra é secundária. Mentes; é a letra que as pessoas decoram, cantam na rua e em casa, com os amigos. É a letra que se propaga como um vírus da gripe, e que por mais superficial e banal que a consigas escrever, entrará e fixar-se-à no cérebro e na consciência. No dia em que conseguires musicar uma letra anti-semita ou homofóbica e torná-la um sucesso comercial, aí sim poderás convencer-me que "a letra pouco importa".
No outro dia falei destas coisas a umas amigas e pediram-me
para relaxar; estava a ser “uma chata”. Talvez seja verdade, já não sei. Olho à
minha volta e pergunto-me se sou a única, ou até se há homens que pensam como
eu. Sei que os há, já fui abordada em festas de maneiras diferentes da tua.
Tratavam-se de homens aborrecidos, que me perguntavam sobre a minha profissão
ou o que gostava de ler; e todos eles não ouviam música popular.
Boa sorte para a tua carreira. Desculpa lá a falta de
sensibilidade sexual!
Cordialmente,
Uma mulher
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