Não escrevo uma palavra há semanas por uma razão muito
simples: é que fui raptado por extraterrestres.
Explico: encontrava-me calmamente a ver vídeos de repórteres
de televisão a largar flatulências em directo, uma das minhas categorias de
vídeos favoritas, quando uma pesada luz branca me encheu o quarto. Como pode
uma luz ser “pesada”? Em boa verdade, os fotões não possuem massa. Que será
isso então de uma luz “pesada”? E com que lata desvio os leitores da história para
uma reflexão científica?
Divago: dei por mim abandonando o Youtube, o qual me
apresentava um registo amador de uma jornalista a ser agredida por um indivíduo
despido, e fui sugado pela luz branca pela janela aberta do meu quarto. Subi
pelos ares, sofri com a súbita mudança de temperatura, espirrei, tudo isto
antes de ser sorvido pelas portas metálicas de uma gigantesca salsicha
metálica.
Lá dentro fui recebido numa sala esférica, toda coberta com
a panóplia de instrumentos, ecrãs e projecções holográficas que os filmes de
ficção científica nos ensinaram a associar com as raças alienígenas. Daí que
tenha estranhado a forma das criaturas que se aproximavam a esvoaçar: soltavam
zumbidos, todas elas, mas eram iguaizinhas à Jessica Alba.
Uma das criaturas carregou num colar que trazia ao pescoço e
disse:
- Bem vindo, terráqueo. Proviémos de Andrómeda.
- Provimos.
- Provimos de Andrómeda.
- Ai, que longe.
- Apresentamo-nos cordialmente a tu com forma de Jessica
Alba, conhecida e apreciada fêmea terráquea. Encontramo-nos preparados para
súbito fluxo sanguíneo ao nível de teus órgãos sexuais mas não para encetar
coito, pelo que apelamos à contenção e calma. Aproximamo-nos em paz.
As criaturas aproximaram-se mesmo, e vinham em paz até ao
momento em que tiraram uma sondas compridas de trás das costas e apanharam-me
despercebido. O que se seguiu foi uma humilhante pesquisa pelos meandros dos
meus orifícios, durante a qual berrei perdidamente, apesar de estar a ser
perscrutado no meu íntimo por três cópias perfeitas da Jessica Alba. Não que a
ache particularmente atraente; não acho. O seu aspecto latino e seus lábios
carnudos vão ao encontro de um ideal de beleza muito em voga na América e, quem
sabe, nos países latinos, mas nós europeus (explicaria eu aos E.T. a meio da
colonoscopia) preferimos as loiras.
Lá me sondaram. Todo dorido, fui levado até um quarto
esférico e deitaram-me numa cama muito confortável. Adormeci. Quando voltei a
acordar tinha três cópias perfeitas de uma loira que desconhecia.
- Estás, nobre terráqueo, cordialmente preso para estudos –
disse-me uma das loiras.
- Seres objecto de intensivo estudo. Nós de Andrómeda
pesquisamo-nos vossas tradições, costumes, anatomia e forma de reprodução.
Vastamente mais interessantes que habitantes de Plutão.
- O que mais odiarmos em humanidade? – perguntou
retoricamente a terceira loira – Cha cha cha.
- Quê?
- Cha cha cha. Relatórios preliminares apontam para tratar
de dança social executada em proximidade com terráqueo de sexo oposto.
Sentimo-la absoluta ameaçadora, perigo, amedrontante perigosidade.
- ? – fiz eu com as sobrancelhas.
- Pedimo-vos desculpa por incómodo – disse a primeira loira
– Há que entenderes, valiosa aquisição para os alunos de Andrómeda que vos
estudam.
- Eu não sou a aquisição de ninguém – expliquei,
levantando-me da cama – E agradecia até que me dessem um anti-inflamatório e me
conduzissem a casa.
- Impossível – disseram as loiras em uníssono.
Olhei-as de frente e através das sobrancelhas, à western.
Charlize Theron, pensei. Tinha três Charlizes Therons à minha frente e só agora
relacionara a figura com o nome. Não tinha estado mal em alguns filmes, e de
facto era bonita. As três Charlizes ergueram-se ameaçadoramente, pelo que não
me restou outra alternativa senão começar a cantar e a mexer as ancas.
- Dois, três, cha cha cha – contei, passeando-me pela sala.
Deviam tê-las visto: as Charlizes começaram a soltar guinchos impossíveis e
treparam pelas paredes curvas da sala como se não houvesse amanhã. Levei a
dança até às últimas consequências e executei uma rotação bastante rápida, indo
embater com a biqueira do sapato no traseiro de uma das Charlizes.
A partir daí foi um passeio: amedrontadas com a
possibilidade de as agredir outras vez recorrendo a ritmos latinos, as
extraterrestres convidaram-me para uma visita guiada pela nave e
apresentaram-me todas as suas maravilhas tecnológicas. A que mais me
impressionou foi um frigorífico automático: premia-se um botão e a bebida
ficava gelada. Exigi coca-cola. Não tinham. Executei dois passos de cha cha
cha. Uma Charlize foi lá abaixo à Terra e voltou com uma Pepsi. Mexi a anca. A
Charlize voltou, em pânico, a descer à Terra. Regressou com uma Coca-Cola
Light, dois litros. Bebi a gosto.
- E que fazem vocês nos tempos livres? – perguntei.
Explicaram-me que o estudo da humanidade era apenas parte
dos seus passatempos. Estavam agora embrenhadas no estudo de uma partícula
antiquíssima, descoberta pela sua civilização há uma carrada de milénios.
Exigi-lhes que me explicassem do que se tratava. Explicaram-me. Arregalei os
olhos. Sob a ameaça de uma troca de peso em ritmo sincopado, as Charlizes
prometeram deixar-me na morada que lhes indiquei. Despedi-me cordialmente e
agradeci-lhes o anti-inflamatório, que viria a aliviar-me o tecido adiposo em
torno do recto. Elas prometeram nunca mais me raptar, nem a mim nem à minha
família.
Mas outro valor mais alto se levantava; e a referência aos
Lusíadas não é descabida não senhor. Entrei no CERN como quem chega à Índia
depois de desbravar oceanos e pedi à menina da recepção que me indicasse o
supervisor.
- O supervisor de quê? – perguntou-me ela.
- Disto – disse eu, sabichão, levantando o dedo
e apontando para a sala, i.e., para o CERN.
Um cientista de barbicha veio ter comigo e perguntei-lhe se
me sabia dizer onde estava o acelerador de partículas, porque tinha uma coisa muito importante para lhe
mostrar. Ele perguntou se eu era maluco,
e eu disse que em princípio não.
- Sei como identificar a partícula de Higgs – disse,
triunfante.
- Como sabe dessa partícula?
- Wikipedia. Ora leve-me lá ao acelerador, faça favor.
Fomos. Lá os ajudei (coitados) a identificar a partícula.
Ficaram todos boquiabertos. Abriu-se champanhe. O cientista de barbicha (que,
viria a perceber mais tarde, simpatizara comigo) aproximou-se e disse que
aquilo não podia ser, a partícula tinha de receber o meu nome.
- O bosão de Rocha – disse ele.
- Ora, deixe estar – disse-lhe, a fazer-me de difícil.
- Vá lá.
- Não senhora, obrigadinho.
- Mas nós insistimos.
- Pronto, então ande lá com isso.
Lá se telefonou ao tal Higgs, a perguntar se se importava
que a partícula perdesse o seu nome. Ficou possesso. Parecia uma menina ao
telefone. Disse que “Rocha”, ainda por cima, era impronunciável em inglês. Pedi
que me passassem o telefone. Procurei acalmar o senhor, explicar-lhe que meu
amigo, a ciência é feita de quem lá chega primeiro, eu cá não fico em casa de
rabo sentado a teorizar, vou às coisas e agarro-as. Mandou-me fuck myself e
desligou.
No dia seguinte anunciaram a descoberta da partícula Rocha
mas enganaram-se no nome; e eu em casa, a anti-inflamatórios. O universo está
cheio de injustiças.
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