terça-feira, 3 de novembro de 2009

Dia da Defesa Nacional (estive lá)

Para as centenas de leitores deste blog que o lêem apesar de não saberem quem o escreve, fica a informação: tenho 18 anos, e por isso este ano fui convocado para o Dia da Defesa Nacional. É um dia passado numa base do exército, onde aprendemos sobre a vida nas Forças Armadas, comemos comida de cantina, vemos armas ao vivo e acordamos cedo demais. Aqui fica a reportagem completa e em tempo real (sim, levei um bloco de notas e uma caneta).

8:14 – Cá estamos. O exército sempre foi um exemplo de rigor, honra e cumprimento do dever; talvez por isso os autocarros tenham chegado atrasados mais de quinze minutos. Sinto-me um verdadeiro macho, rodeado por tipos da minha idade que parecem partilhar comigo o desportivismo. Alguém levará isto a sério? Talvez para quem goste da tropa e queira seguir carreira militar este dia seja uma espécie de Noite de Natal. Alguém que se entusiasme com isto, ao menos. Somos uns 50, e vão chegando mais. Mandaram distribuirmo-nos por três autocarros Estremadura. Não há camiões com padrões de camuflagem, nem oficiais de cabelo rapado e arma na mão a ordenar-nos que façamos flexões, apenas o motorista gordo e de gravata sem autoridade nenhuma. O autocarro que estava marcado para as 8:oo arrancou às 8:19. Viva a disciplina militar!

8:26 – Os meus colegas de tropa discutem a mão de Liedson. Será algum cientista ou pintor, não? Deve faltar-me um importante gene, para os lados do cromossoma Y, que passa de geração em geração pelas mistelas químicas que definem o homem comum.

8:32 – Atravessando o Tejo via Ponte 25 de Abril. O Cristo Rei é realmente enorme.

8:35 – Ups, esqueci-me do cinto (pausa) Já está.

8:41 – Sono.

8:48 – Penso que chegámos.

8:53 – Alfeite. É aqui, é.

9:20 – Saímos do autocarro, esperámos uns 20 minutos numa paragem à entrada da Base Naval do Alfeite e agora voltámos para dentro dos autocarros. Que raio…?

9:21 – Vai uma carrinha do exército à nossa frente, a abrir caminho tipo escolta policial. Hurray!

9:42 – Fomos divididos por ordem alfabética para sermos identificados. Sou um R. Toda a gente nos trata por “juventude”. Vimos o Içar da Bandeira. Os três representantes dos três ramos das Forças Armadas (Força Aérea, Marinha e Exército) estavam alinhados, a fazer continência. A bandeira ia subindo, puxada por um velhote bem vestido com ar de cerimónia. A acompanhar, dois altifalantes arcaicos cuspiam uma música militar, que pela harmonia e musicalidade parecia uma trompa a ser tocada por uma foca. Não há armas à vista, e ninguém nos ameaçou com pancada quando vimos o içar da Bandeira Nacional. Que raio de exército é este? Eu não sabia o meu código postal no momento da identificação, e em vez de me prenderem pediram-me para “ir saber isso” e mandar uma mensagem a um familiar. Agora estou sentado numa espécie de auditório, com cadeiras individuais, um pequeno palco à frente e inspiradoras fotografias à volta da plateia, com homens do exército a segurar metralhadoras, aviões de guerra e barcos apetrechados de canhões, e com mensagens inspiradoras e originais como "Não fiques apenas a ver navios" (Marinha) ou "Uma boa escolha para mudar de ares" (Força Aérea). Quando vai começar a palestra?

10:02 – Deram-nos de comer. Fiquei no fim da fila para o balcão, e por isso não cheguei a tempo do sumo. Fiquei-me por uma sandes de chourição execrável; como era grátis, voltei ao balcão e tirei outra.

11:13 – Isto é como uma gigantesca aula de condução, só que sobre carros de combate e cidadania. Vamos ver um filme, mas o Subtenente não está a atinar com o projector.

12:50 – Almoço, finalmente. Foi uma das piores experiências gastronómicas da minha vida, mas estava com tanta fome que os filetes com arroz de feijão e azeitonas (estranha combinação) me souberam bastante bem.
Fomos visitar os fuzileiros. O sargento que nos apresentou o armamento era bastante cómico. Falava de armas, granadas e morteiros com o carinho e descontracção de quem nos apresenta os animais da sua quinta. “Um atirador experiente mete esta bala (aponta para uma coisa enorme do comprimento do meu dedo indicador) na cabeça de uma pessoa e rebenta com ela”.
Ver o armamento foi divertido, até. Há uma quantidade imensa de formas engenhosas e eficazes de matar pessoas. O Sargento apresentava muitas armas começando com a frase “Vocês devem conhecer esta dos jogos, é uma…”. Agora percebo a atracção de muita gente por este universo. Lá no meio também me lembrei de quem estaria do outro lado da bala, a “levar com o balázio”; mas isso não interessa. Só se quisesse ir para os Fuzileiros é que me iria preocupar com as implicações morais do meu “emprego”.

14:25 – Depois do almoço fomos visitar a Fragata Côrte-Real. Ao que parece, a tripulação da fragata apanhou aqui há uns tempos uns piratas ao largo da Somália; aliás, não os apanhou. Tiraram-lhes as armas e as embarcações e deixaram-nos seguir com as suas vidinhas de piratas. Isto aconteceu porque, segundo a legislação portuguesa, nenhum navio português pode prender gente; e como a fragata é considerada território português, aqui ou na Austrália, os piratas da Somália foram libertados… graças à lei portuguesa!
De qualquer forma foi uma visita interessante. Basicamente demos um passeio pela ponte do navio e visitámos as armas pesadas (como o Phalanx, um canhão enorme que dispara 3.600 munições por minuto. Por Minuto! Isso são 60 disparos por SEGUNDO. Nas palavras do chefe de artilharia, “parte qualquer coisa ao meio”), e a seguir vimos um vídeo sobre a fragata e respectivas cenas de pancada com outros navios. Toda a visita se baseou mais na capacidade da fragata em rebentar com outros navios do que propriamente na vida a bordo, nos vários postos ou na forma de funcionamento do navio. Pena; mas já era de esperar. Pancadaria vende mais do que qualquer outra coisa, especialmente quando o público alvo é uma centena de jovens facilmente impressionáveis e danados para as armas de grande calibre.

14:35 – De volta ao auditório, para outra palestra. Pelos vistos os 4 meses de tropa obrigatórios foram substituídos pelo Dia da Defesa Nacional, no que toca a obrigações militares. Obrigado, Paulo Portas. Vou votar a teu favor até ao fim da minha vida.

14:37 – Em caso de entrarmos em guerra de repente e faltarem militares, quem se baldou ao Dia da Defesa Nacional é chamado primeiro. Eh eh!

16:20 – De volta ao auditório depois de um “reforço da tarde”. Havia pão com chourição mais uma vez, mas não estou assim com tanta fome. Fiquei-me pelo sumo de laranja.
Vamos agora receber a Cédula Militar, que devemos conservar até aos 35 anos. Depois podemos deitar fora porque já estamos demasiado velhos para combater. Um a um vamos ter com a Tenente para receber a Cédula, e depois vamos lá para fora ver o arriar da bandeira. A Tenente está a mandar vir com quem fez lixo na sala do lanche, e ameaçou não distribuir as Cédulas e dar-nos todos como faltosos. Eu acharia bem feito, não fosse não ter nada a ver com os selvagens dos outros jovens. Não quero ter falta num dever cívico e militar só porque alguns idiotas não sabem meter os guardanapos no caixote do lixo.

16:55 – Cá estamos no autocarro em direcção à cidade. O arrear da bandeira foi calmo, porque a Tenente fez perceber que estávamos todos tramados se alguém se mexesse. Mesmo assim, houve risadas idiotas e bocas generalizadas. A falta de respeito fica mal a toda a gente, especialmente a todos estes universitários com a mania das grandezas. Deve fazer parte da idade ou da educação, achar que só porque estão na faculdade são uma espécie de seres superiores, de tão incrível importância e inteligencia quando comparados com o típico mortal, e agir como se ser estudante universitário fosse só por si um inatingível estatuto social, um cargo que exige um permanente desdém pelos outros. Eu também não ligo nenhuma a estas coisas do patriotismo ou do exército, mas respeito tanto como qualquer outra coisa. Caramba, é o meu país. O que estivemos a fazer hoje foi um dever cívico, para conhecer as pessoas e a instituição que garantem a nossa defesa nacional. São estas pessoas que, em caso de invasão, vão dar o corpinho por Portugal. Se um destes universitários ficar preso nos escombros de um edifício depois de alguma catástrofe natural, o mais provável é que seja um destes militares a tirá-lo de lá. Por mais inútil e sobrevalorizada que possa parecer, a nossa bandeira é um dos símbolos nacionais. Se calhar para muitos ver içar a bandeira é uma estupidez pirosa; são os mesmos que, quando a selecção de Portugal ganha um jogo de futebol, vão para a rua gritar o orgulho de serem portugueses. A bandeira nacional é mais símbolo nacional que o Cristiano Ronaldo. Deixem-se de hipocrisias. Se gostam e se orgulham tanto do vosso país, respeitem as suas instituições. São elas que garantem há oitocentos anos de História essa etiqueta que agora se põe em qualquer brasileiro que venha para cá marcar golos. Portugal era um país antes de se tornar marca. Orgulhem-se e respeitem o país e o que o representa. Cambada de hipócritas.

17:20 – Trânsito volumoso. O que é que esta gente toda veio fazer para a mesma rotunda a uma segunda-feira à tarde?

(hora desconhecida, mas provavelmente lá para as seis da tarde) – Chegada a Lisboa. Em conclusão: gostei, mas não me convenceram. Dou por terminada esta reportagem. Falta, claro, passar tudo para o computador para que a possa partilhar com o mundo.



E cá está ela. Até à próxima e Viva a Nação.

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1 comentário:

Anónimo disse...

E que é que isso tem de interesse para este país? Nada, andaram a ver como os chulos mamam do governo e brincam com aeronaves? ahahahah Que palhaçada esses coirões todos deviam era tar em minas a produzir e a trabalhar e não a brincar com armas de fogo.