domingo, 8 de novembro de 2009

Momentos na Vida de Alguém

Se alguma vez me tornar um autor famoso, este texto vai aparecer nas antologias. É um marco na minha obra literária, feliz ou infelizmente. O que, por sua vez, diz muito da qualidade da minha obra literária.


Acorre à casa de banho logo chegado a casa, e é com esforço hercúleo que levanta a mão para o interruptor e o prime, desfalecendo sobre a maçaneta e deixando-se cair para o interior da divisão. Os azulejos pálidos olham para ele, mas ele nem repara. É rapidamente que o faz: com uma mão, levanta a tampa de porcelana e olha para dentro da Terra Prometida com um sorriso encantador: com a outra, desaperta desajeitadamente as calças, quase arrancando o botão e por pouco não destruindo a berguilha. O tecido desce-lhe pelas pernas, e é em pânico que repara que falta a cueca. Leva logo a mão de novo à cintura e remove a cueca já em pleno voo, aterrando sobre o buraco de porcelana e respirando fundo.

A casa de banho espera.

E, de súbito, num grito do Ipiranga, todas as suas preocupações se vão pelo cano abaixo; primeiro, a libertação do gás, um silvo quase celestial. De seguida, uma pausa pela de suspence, e só depois a libertação em si, para todo o lado, o choque com o fundo da sanita, e o respectivo splash. Gotas de água voam, indo incrustar-se-lhe na bunda, e o cheiro invade a divisão, violando-lhe as narinas delicadas, mas nada o move, nada lhe retira aquele momento de pura felicidade.

A diarreia escorre, e ele sorri, suspira, deixa-se ficar. Ocasionalmente olha para baixo, como que perguntando Já está? E logo lhe acode nova vontade, e mais um silvo improvisado seguido de um ronco intestinal e da libertação de mais e mais e mais nhanha castanha.

Logo que se alivia, prepara-se agora para se lavar, e continuar com a sua vida. Carrega na alavanca por cima da sua cabeça e logo lhe acode à virilha e rêgo da bunda a frescura da água cristalina do autoclismo; agradece por viver num mundo civilizado, onde tais luxos são possíveis, e levanta-se da sanita cuidadosamente, agora com um destino bem definido e apenas uma missão: lavar-se no bidé.

FIM

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