sábado, 10 de abril de 2010

Alô? Espírito, estás aí?

Hoje tive a oportunidade de ver mais um dos programas da TVI onde uma senhora inglesa afirma falar com os mortos. Quem me conhece e lê este blog sabe perfeitamente qual a minha opinião sobre este tipo de fraudes, e por isso não vou perder tempo a entrar em pormenores.

Mas podem perguntar, como podemos avaliar se isto se trata de fraude ou não? Talvez por isso vi o programa. Não só pela curiosidade, mas também porque queria ver até que ponto a senhora médium seria capaz de me impressionar. Não estava à espera que me desapontasse tanto, mas ok.

Senão vejamos. A médium utiliza um método que é constante e praticamente infalível, que joga com as probabilidades mais simples. Toda a gente os reconhecerá. Lembra-se de um jogo que havia há uns anos chamado Quem é Quem? Havia um tabuleiro com 50 caras diferentes para cada jogador, e cada jogador escolhia um cartãozinho com uma cara. O nosso oponente tinha então de fazer perguntas cuja resposta fosse sim ou não, de maneira a ir baixando as várias caras no seu tabuleiro até sobrar uma: a cara que nós escolhemos para jogar. Lembro-me de jogar esse jogo, e de usar a estratégia mais eficiente, que era cortar logo metade das caras com a pergunta "homem ou mulher?". Das 50 faces só sobravam 25.

A técnica da médium é a mesma. Começa sempre pelo geral, escolhendo entre homem e mulher; depois vai às idades, ou às ligações familiares; e daí parte para o particular. Claro que tem a tarefa facilitada ao olhar para o aspecto e reacções da pessoa que está a enganar. Uma mulher nova, por exemplo, tem provavelmente um dos pais ou avós mortos, pelo que será difícil falar de um espírito de um homem sem acertar em cheio; e quanto mais velha é a pessoa mais probabilidades há em acertar em algum familiar ou amigo. Claro que as reacções são lidas com atenção; no episódio de hoje, por exemplo, assim que a mediu falou “num homem” a mulher alvo da fraude começou imediatamente a chorar. Estava acompanhada pela mãe, dos seus 65 anos, pelo que para a médium ou para qualquer pessoa era óbvio que pelo menos o seu pai ou avó materno estaria morto e por isso acertaria na previsão.

A reacção da mulher, caída em choro repentino ao ouvir a palavra “homem”, denuncia ainda outra parte importante da fraude (para além da crença pré-existente na metodologia). É na reacção das pessoas que estão os “dados” que a médium usa para fazer os seus contactos com os espíritos. Basta ver como é notável o desvio que a conversa adquire quando a pessoa alvo faz uma careta, como quem diz “hum, não estou a perceber bem o que está a dizer”. Num episódio anterior houve um exemplo flagrante. A médium meteu conversa com uma senhora, e fez algumas sugestões. A mulher fez uma série de caretas pensativas, subentendendo-se que não estava a identificar-se com o “espírito” com que a médium parecia estar em contacto. 30 segundos se passaram, e como a senhora alvo não parecia nada convencida mas a sua vizinha, uma mulher de idade, começara a choramingar, a médium mudou a conversa. “Afinal é com AQUELA senhora que o espírito quer contactar”, disse a médium. A outra senhora levantou-se em perfeita comoção, e a primeira senhora sentou-se, sentindo-se provavelmente bastante enganada.

O carácter fraudulento do programa transpira de cada edição. Aconselho-vos a ver; para se rirem, para observarem como uma fraude é produzida e perpetuada na televisão nacional, e para ganhar talvez algum cepticismo em relação a todas estas coisas do fantástico. Nada como ver uma médium a trabalhar para chegar à conclusão de que nada há de extraordinário no que ela faz.

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