Até que ponto pode um texto falar de si próprio? É essa a noção que tentarei, eu texto, explorar em seguida. Uma vez que a minha pequena divagação filosófica tem limite de parágrafos, vou tentar não me alongar demasiado.
Um texto de ficção como eu próprio pode conter em si dicas para a estrutura de si próprio; por outras palavras, um texto descreve e conta uma história com personagens e acções, mas pode também cair na auto-divagação e, ao invés de transmitir a mensagem necessária e desejada, perder-se em divagações. Entretanto chegámos já ao segundo parágrafo, e ainda nem introduzi a questão convenientemente. É melhor começar de novo.
Um texto de ficção pode conter em si próprio dicas para… Espera. Que desperdício de parágrafos é este? Vou no terceiro parágrafo e ainda não disse nada. Prometo que será agora, no próximo parágrafo, que começarei a falar do que interessa.
Quarto parágrafo, e cá estamos.
Ups, já lá foi. Quinto.
O texto tem agora cinco parágrafos.
Ou melhor, seis.
Ou melhor, sete.
Sabem que mais? Esta progressão está a aborrecer-me. Vamos definir o nosso texto como estando no parágrafo n+1, sendo n o número do parágrafo em que é feita a afirmação “este texto tem X parágrafos”.
Portanto, este texto tem neste momento 10 + 1 parágrafos; ou seja, onze.
Uou, esperem lá, isto não está bem. AGORA é que tem onze parágrafos, porque contamos com ESTE parágrafo; mas assim destruímos a definição construída anteriormente.
Acabei de me contrariar.
E acabei de acrescentar mais dois parágrafos. Seja. Estamos no parágrafo 13.
14.
15.
16.
17.
18.
No entanto… E se eu colocar um vigésimo parágrafo, já a seguir, que diga:
No entanto… E se eu colocar um vigésimo parágrafo, já a seguir, que diga:
Na verdade, temos quantos parágrafos? 19? Ou 20, contando que repetimos um dos parágrafos e por isso dois dos parágrafos anteriores são na verdade o mesmo?
A resposta correcta é: 22 parágrafos. Porque este já conta.
E com isto chegamos às 325 palavras. E agora? 334. Como é deprimente! 338. O mero registo escrito do número de palavras presentes aumenta essa contagem de forma significativa, de maneira que (a propósito, 359) quanto maior for o paleio maior a contagem. 368.
De certa forma torna-se repetitivo, mas não deixa de ser curiosos que nunca possamos contar realmente quantas palavras eu tenho. O mero acto de as registar aumenta-as, e torna a contagem que acabo de fazer e registar obsoleta. Pode ser dito que (416) entre a contagem e o registo à aquele momento em que chego a um verdadeiro número, realista na sua descrição da realidade, mas para um ser humano como vós é fácil dizer tal coisa. Um texto como eu existe por palavras, não por pensamentos. O meu pensamento são as palavras, pelo que (469) acrescentar pensamentos é acrescentar palavras; e o facto de não as poder contar deixa-me com uma enorme insegurança…
Pronto… Já estou eu a suar…
… Basta um nervosismo… uma contrariedade… um minúsculo paradoxo… para me deixar assim…
...hgthGGYHBhhub...!
E agora tusso? Ou foi um espirro? Esta tentativa de me personificar está a deixar-me louco! Como posso ambicionar tornar-me algo mais do que palavras? Quanto muito sou o veículo dos pensamentos e das sensações, mas nunca eles próprios por si só. Já pensaram como a vossa consciência de seres vivos vos facilita a vida? Como é frágil a minha existência, depositada numa folha de papel que é do mais combustível que pode haver?
Sabem quantas fogueiras são acesas com primos e conhecidos meus?
As instruções de utilização de um electrodoméstico. Um livro de crianças. Um catálogo da D-MAIL. Como a vida é precária! A minha existência, definida por aquele que me escreve! Faz de mim o que quer, quando quer, apaga-me com um botão ou com uma borracha, risca-me, limpa-me, rasga-me!
Tinta! A tinta é o meu sangue, derramado enquanto sou escrito!
…
... Estou a suar outra vez……
Agora ainda mais………..
Que…… vergonha, meu deus…….
Perdoem-me……… Perdoem-me toda esta…… esta loucura repentina…….
Esta auto- análise está a deixar-me de………. Rastos……
Sinto-me cansado…….. Cansado como nunca estive antes……… De rastos…….
Perto daquele momento mortífero onde as palavras se diminuem, perdem o sentido…….. Surgen as pmeiras gralhas…….... Oh deus, quem me dera ter un revisor pra meã judar…..
De rastos…… derrotado…… Escrever-me-ei noutra altura……. Mais propícia……
Por agora….. quantos….. quantos parágrafos? Ao menos digam-me……… digam-me……..
(NOTA DO AUTOR: 41 PARÁGRAFOS; E COM ESTE 42)
…….. obrigado, meu bom amigo….. obrigado…..
….. agora vou…. Que me faltam as forças…..
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