sexta-feira, 9 de abril de 2010

Porque é que eu acho que a criança-prodígio está errada

Sendo fã de um site chamado TED.com, que produz palestras de gente fascinante sobre assuntos variados, vi com curiosidade a palestra de Adora Svitak, uma rapariga de 12 anos obviamente super inteligente e provavelmente sobredotada. Na sua palestra, a pequena defende que os adultos deviam ouvir e aprender com as crianças, e que isso faria toda a diferença para poder mudar o mundo.



Isto vindo de alguém sobredotado não parece grande conselho, uma vez que a maioria das crianças de doze anos não tem grande coisa interessante ou utilitária para dizer aos adultos. Talvez por isso os miúdos andem na escola, a aprender e não a ensinar. Mas Adora tem argumentos de peso: diz ela que coisas terríveis como o Imperialismo, Guerras Mundiais e o Goerge W. Bush (incluído na lista por piada, com certeza) são tudo culpa dos adultos, e não das crianças; e os pequenos, por sua vez, deram-nos personalidades como Anne Frank e um pequeno rapazinho ciclista que, ao que parece, ajudou a juntar milhões de dólares para apoiar o Haiti (milhões esses dados por adultos, não por crianças).

Duvido que estas generalizações sejam muito correctas. Pelo mesmo raciocínio, poderia dizer que os adultos são responsáveis por coisas como a descoberta da penicilina, o desenvolvimento da medicina, ou a construção dos primeiros frigoríficos; enquanto que se as crianças mandassem no mundo toda a gente comia pastilhas elásticas ao jantar.

Adora usa um exemplo flagrante da ingenuidade e estupidez infantil, que na sua opinião é uma coisa boa e a atingir. “Nós crianças não temos medo de estabelecer metas irracionais ou aparentemente impossíveis, como acabar com a fome no mundo ou viver num mundo onde tudo fosse grátis. Quantos de vocês ainda acreditam nesta possibilidade?”. A verdade é que só mesmo uma criança, ou uma Miss Universo, podia olhar para a realidade de hoje em dia e construir a sua vida à volta de tão utópico objectivo. É preciso ter 12 anos para acreditar realmente que a Humanidade poderá atingir tamanhas façanhas. Não há problema em acreditar nisso, muito menos em procurar fazer a nossa parte para nos aproximarmos desse objectivo; mas acreditar que um mundo sem fome é virtualmente impossível não é um problema de mente fechada que os adultos têm; é a conclusão lógica quando se olha para o nosso planeta.

Para Adora, esta capacidade de imaginar objectivos sem limitações é uma boa ideia; e até pode ser. A criatividade é eficiente, quando alguém a deixa idealizar e criar à vontade. Talvez por isso as grandes empresas publicitárias tenham vindo a perceber a vantagem inerente a dar aos seus funcionários um ambiente mais descontraído e estimulante, de maneira a deixar a criatividade o mais “livre” possível. No entanto, isto é pouco eficiente quando lidamos com o mundo real. Mesmo dentro da publicidade, os publicitários podem imaginar qualquer coisa dentro de certos limites. Estes limites são necessários, uma vez que ninguém trabalha com orçamentos ou materiais infinitos e ultra-manejáveis. Lembro-me de ter estudado a “metodologia projectual”, uma espécie de ciclo de regras a seguir quando se cria um projecto artístico; e a primeira coisa a fazer é algo chamado “Recolha de Informação”, de maneira a sabermos de que forma estamos limitados pelos materiais e ideias que vamos utilizar. Isto não serve para nos tirar criatividade, mas sim para a direccionar.

Adora quase compara ainda os adultos com os regimes totalitários, no sentido em que, defende ela, os adultos não deveriam ser capazes de fazer as regras em relação aos miúdos; em vez disso, essas regras, como s regras dentro da escola ou do acesso à Internet, deveriam ser decididas quer pelos adultos quer pelos miúdos, em conformidade de opinião. Isto é provavelmente o maior disparate da palestra, e penso que não é difícil perceber porquê.

A verdade é que há razões para tratarmos as crianças como crianças, e os adultos como adultos. As crianças não estão preparadas, ou por falta de desenvolvimento ou por falta de conhecimento, a lidar com muitos dos problema e desafios que se apresentam à Humanidade; e é da responsabilidade dos adultos a sua educação para que um dia sejam adultos responsáveis. Por alguma razão as crianças não podem votar, não podem beber álcool, não podem casar, não podem conduzir e não podem concorrer à Presidência da República. Será esta uma forma de discriminação? Afinal, diz-nos Adora, a idade não tem nada que ver com os ideais e acções de cada um!

Claro que ninguém está à espera que uma criança de 17 anos, ao fazer anos e atingir a maioridade, ganhe subitamente capacidades que não tinha anteriormente; mas certas fronteiras têm de ser montadas de maneira a preparar os miúdos para certas coisas. Por isso os adultos dão-lhes educação e estabelecem regras que, para uma criança, podem parecer loucas ou irrelevantes, mas que na sua maioria são importantes para o seu desenvolvimento. É por haver adulto a criar os miúdos que os miúdos são alimentados, educados e podem livremente aprender e desenvolver as suas ideias.

Claro que para Adora é fácil falar, uma vez que se trata de uma criança obviamente sobredotada e bastante curiosa e capaz; o mesmo não pode ser dito de todas as crianças de 12 anos. Lá por ser impressionante ver uma criança desta idade falar e pensar assim, não podemos babar-nos e aceitar o que ela diz sem antes destilar as suas mensagens positivas do meio dos outros disparates.

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