segunda-feira, 5 de julho de 2010

A culpa continua a ser do chinês

O chinês que, relembro, era minha propriedade em Badajoz e que me escrevia todas as histórias, conseguiu fugir à dois dias atrás. Fui a Badajoz perguntar se alguém o tinha visto, soltei os cães que correram toda a noite pelo bosque a farejar, mas tudo o que apanharam foram coelhos. Levei os braços à cintura e fiquei pensativo, naquela postura de herói de TV que considera a melhor acção a seguir.

Contactei a agência que me vende os chineses para reclamar, no contracto estava escrito que o chinês era totalmente anti-fuga, porque lhes partiam os pés em pequeninos e não os deixavam sarar a tempo de retomarem toda a potencialidade motora. Perguntei à rapariga que me atendeu como era possível que um chinês clinicamente coxo me tivesse fugido aos cães, e ela disse que me ia passar ao seu superior. Fiquei meia hora a ouvir uma música dos Beatles tocada em flauta de pan, coisa horrorosa, e depois a música calou-se e a menina regressou a perguntar se não poderia ligar mais tarde. Disse que não, que as chamadas para a China eram caríssimas e que aquilo ia ficar resolvido agora. Sublinhei que sou um conhecido autor de um blog aqui em Portugal, e isso pareceu assustá-la e levou-me a sério. Disse que agora sim é que ia falar com o superior e não beber café com as colegas, e passado cinto minutos um chinês que, pela voz, tinha bigode, atendeu-me o telefone e perguntou-me o que se passava.

Depois de alguma discussão, na qual insisti que o chinês estava ainda no prazo de garantia, deram-me razão e comprometeram-se a enviar-me um chinês contador de histórias novinho em folha, este com os pés ainda mais incapacitados que o normal para evitar mesmo as fugas. Estava a dar a minha morada ao chinês da empresa pelo telefone quando me tocaram à campainha, eram dois simpáticos agentes da polícia que me vinham perguntar porque é que tinha partido o nariz à minha porteira. Antes de abrir a porta fui ao quarto e meti os dois chineses que tinha a dobrar-me as meias lavadas dentro da respectiva caixa, e disse-lhes que se não se mantivessem calados não havia peixe cru para ninguém.

OS dois agentes entraram, sentaram-se no meu sofá e eu ofereci-lhes chá. Recusaram, e voltaram a perguntar-me pelo nariz da porteira. Disse que tinha sido em legítima defesa. Eles perguntaram-me porque raio teria sido preciso defender-me com um murro de uma senhora de setenta e dois anos, e eu dobrei-me sobre eles e segredei-lhe que ela na verdade era uma ninja treinada pelo exército israelita. Os dois agentes olharam um para o outro, e voltaram a olhar para mim. Eu garanti-lhes que aquilo era verdade, e que a via a entrar com os pequenos chineses escravos que ela tinha em casa. Expliquei que estava a treinar crianças chinesas para serem assassinos como ela. Os dois polícias agradeceram o chá, identificaram-me, e foram-se embora. O meu plano para parecer um doentio psicótico tinha resultado, e com certeza ninguém teria coragem de acusar uma pessoa desequilibrada como eu de crime nenhum.

Fui até ao frigorífico e agarrei no sedativo que dava aos chineses quando eles ficavam nervosos e começavam a urinar pelas paredes. Agarrei nos dois chineses que tinha no meu quarto, dei-lhes um pedaço de sushi a cada um por se terem portado bem e arrastei-os pela casa, até à porta da rua e meti-os no elevador. Desci até ao apartamento da porteira, e toquei à campainha da porteira. Ela abriu. Tinha a cara transformada numa batata de ligaduras e Betadine, estava horrorosa. Espetei-lhe logo com a seringa do sedativo, nem lhe disse bom dia. Ela cambaleou para trás, perdendo os sentidos, e eu aticei os chineses para dentro da casa dela e fechei logo a porta. Agarrei no telefone e chamei a polícia.

Depois de apresentar queixa e de a ver ser levada por dois agentes, acusada de posse de chinês ilegal, percebi imediatamente que poderia dormir descansado e que não teria de lidar com acusações infundadas contra a minha pessoa. Subi até minha casa e adormeci serenamente.

No dia seguinte, ou seja, ontem, liguei para a empresa dos chineses a encomendar dois novos meninos, porque tinha gasto os meus dois assistentes na pequena brincadeira com a porteira. Disseram-me que estavam de stock indisponível, e perguntei se estavam doidos. Exigi um chinês, e garantiram-me que tinham os armazéns vazios. Perguntei à menina que me atendeu o que ia fazer, e ela disse-me em tom conspiratório que sempre podia tentar os russos.

Liguei para lá, e está tudo tratado. Os dois meninos russos devem chegar dentro de dois dias, e o miúdo chinês contador de histórias em três. A porteira foi hoje libertada por falta de provas e algo me diz que não se vai meter comigo mais. Tudo voltará ao normal. Finalmente. E aí sim, poderei publicar mais histórias aqui no blog.

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