O Trajectória Aleatória, sempre actual, está
preocupado com a classe média. Felizmente não é o único. Hoje temos connosco o
mais recente justiceiro português. Chama-se Bigode do Pinhal e está a fazer
furor nas redes sociais por roubar aos ricos para poder dar à classe média.
Sr. Bigode
do Pinhal, boa tarde.
Boa tarde.
Primeiro
deixe-me perguntar-lhe o seu nome verdadeiro.
Não posso, a polícia anda atrás de mim por causa de
eu ser um Justiceiro de rua.
Porquê Bigode
do Pinhal?
Em criança cresci com dois modelos de Justiceiro: o
Zorro e o Robin dos Bosques. Ambos praticavam a solidariedade através da
extorsão ou da violência, e eu achei isso bonito e decidi tornar-me um
auto-didacta para também ser Justiceiro. Como homenagem fiz uma aglutinação:
temos uma referência ao universo mexicano do Zorro com “Bigode”, até porque
tenho um bigode de Carnaval com que esconder a minha verdadeira identidade, e
por fim uma referência a plantas ou arvoredo. O Robin é do bosque; eu cresci em
Castro Verde e portanto sou do Pinhal.
Portanto,
considera-se um Justiceiro português
Não me considero, é que sou mesmo. Esta minha veia
para a justiça vem de muito longe. Já em miúdo eu costumava partir os dentes
aos meninos grandes e gordos que roubavam os berlindes aos mais pequenos. Foi
aí que percebi que os meninos que não tinham berlindes se estavam a borrifar
para eles. Quando lhes oferecia berlindes recusavam todos mal agradecidos e
depois tinham o descaramento de me pedir um bocado de pão. Quem se alegrava
mesmo com o meu trabalho eram os meninos que tinham ficado sem os berlindes,
porque sempre os podiam reaver ou ficar com mais. Foi aí que eu percebi que
havia uma classe sócio-económica que estava ainda mais desprotegida que os
meninos sem berlindes. Eram os meninos com alguns berlindes.
Mas não
acha que ter pouco é melhor que não ter nada?
Ora aí está a falácia. Veja lá bem o disparate que tá
a dizer. Então você acha que ter um pouco de herpes labial é melhor que não ter
nenhuma?
Claro que
não.
Por vezes o verdadeiro flagelo que destrói uma
família é ter pouco e não não ter coisíssima nenhuma. Um tipo quando não tem
nada pronto, habitua-se. Veja bem, você não tem um Ferrari. É razão para ficar
aborrecido?
Nem por
isso.
Imagine agora que ganhava um Ferrari mas depois
ficava sem ele. O gosto de ter o Ferrari estava instalado mas você não tinha
outro remédio senão ignorá-lo ou, pior, substitui-lo por um Toyota. Gera-se
desapontamento, gera-se revolta social e, por fim, gera-se pancada nas ruas.
E como
propõem resolver este flagelo?
Aí é que entra o Bigodes de Pinhal. O meu trabalho é
basicamente tirar de quem tem muito, evitar que isso chegue a quem não tem de
todo e dar a quem tem só um bocadinho.
Troque lá
isso por miúdos
Não, miúdos não roubo, só coisas. Por exemplo, agora
a malta tem de levar um taparuére com comida para o emprego porque já não pode
ir comer ao restaurante. Ora, o mínimo que posso fazer por estas pessoas é ir a
uma loja da Bagatela e roubar umas paletes de taparuére para distribuir ali na zona
do Saldanha à hora do almoço.
E fazer um
serviço aos mais pobres, que nem possuem almoço?
Se não possuem almoço não precisam do taparuére, caramba.
Mas você só
rouba tupperwares? Isso não é muito à Justiceiro...
Você diz isso porque as pessoas têm uma série de preconceitos
em relação ao que é ser justiceiro. O Zorro saltava sempre de espada na mão e
matava outros mexicanos, e depois rasgava o zê no tecido das vítimas. Ora,
experimente lá correr com uma lâmina afiada na mão e rasgar as roupas das
pessoas sem ir parar à cadeia. Eu experimentei uma vez e não resultou bem, até
me ficaram com o canivete.
E o Robin
dos Bosques?
É que o Robin ainda podia roubar um saco de moedas,
uma arca de jóias... Agora o máximo é um blackberry ou um cartão de crédito,
que aliás não serve para nada porque depois não sei o código. Esta mania das
tecnologias veio dificultar largamente a prática da justiça de rua em Portugal.
Mas esses
não são os únicos justiceiros. Olhe, há o Batman.
Ainda tentei imitá-lo, sim, mas não deu. É que o gajo
era rico e vivia numa cave. O espaço ainda arranjei, até porque o meu
apartamento fica num rés-do-chão na Amadora e tem uma arrecadação onde podia
meter umas coisas. Mas para imitar o carro tive de pintar o meu Fiat Punto de
preto e pôr-lhe uma coisas ao lado das rodas, para o tornar aerodinâmico. Chamei-o
de Bigocarro, mas a primeira vez que tentei perseguir um homem de classe média
alta que conduzia um Mercedes fiquei retino numa operação stop porque o Fiat Punto
começou a soltar peças. Além disso, o meu primo Ronaldo, que era para fazer de
Robin, era alérgico a látex. Ora, eu não sabia disso. Lá fui eu de Fiat Punto
pô-lo ao hospital.
E planos
para o futuro?
Olhe, para lhe ser sincero gostaria de abrir uma
escola de Justiceiros. Ser Justiceiro tem os seus benefícios e acho que está na
altura dos jovens olharem para a justiçaria como uma actividade séria. De resto
vou continuar justiçando e justiçando vezes sem conta. Quer um taparuére da
Bagatela?
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