Vamos
lá ver uma coisa: o que se tem feito nos últimos dias é uma afronta. Lembrar
aos jogadores que eles são infinitamente mais ricos que o comum dos concidadãos
que estão a representar e que parte desse dinheiro é gasto em carros topo de
gama é, convenhamos, aborrecido. Queria ver como reagiriam esses críticos caso
tivessem um Ferrari e alguém lhes dissesse “Ouve lá, mas tu não achas que
podias ter um carro mais modesto, ou pelo menos não andar para aí com umas
tretas modestas sobre como estás a representar este ou aquele gajo que não tem
que dar de comer aos filhos?”.
Isto
não se faz. Criticar os políticos cuja reforma “não chega” é obrigação. Mandar
prender os capitalistas que ganham milhares é imperativo. Agora, criticar o Cristiano
e seus compinchas exactamente pelas mesmas razões? Não é patriótico, não é
verdadeiro, não é coerente.
E
vejamos: não é só o problema de se estar a dizer mal de quem nos representa (os
jogadores, não os políticos). As críticas recentes à Selecção conduzem a um
enorme mau estar no seio dos jogadores. Vocês não imaginam o que é uma pessoa
ler aquelas coisas na imprensa nacional e depois conseguir, a esforço,
pontapear uma bola ou fazer abdominais. É de Hércules. É de herói. É de Novo
Conquistador. Só grandes homens aguentam a pressão.
E a
gente pode pensar: se eles fossem uns atletas de alta competição, com vários
anos de experiência em competições internacionais e rodeados por enormes
equipas de psicólogos, nutricionistas, médicos, fisioterapeutas e tipos para
lhes engraxar as chuteiras, a gente até lhes podia exigir que se deixassem de
mariquices. Agora, os jogadores da Selecção são tão modestos como nós todos.
São pessoas humanas. São os filhos e os netos de alguém. Também têm
sentimentos. Também já foram bebés.
Isto
não se faz a ninguém, muito menos a quem só nos quer bem. Não esquecer que é
por nós que todos eles jogam, e é por todos nós que recebem tão bem. Não
esquecer que aquelas pessoas que no Sábado vão correr durante noventa minutos
estão a fazê-lo por cada um de nós lusitanos. Dizer que recebem muito dinheiro
é subestima-los. Já vimos que isso os deixa tristes, e que pode até, sei lá,
provocar-lhes beicinho; mas não é apenas com o amuo que se deve preocupar o
português comum. Se Sábado não ganharmos (e do bem estar emocional dos nossos
Representantes dependerá essa vitória) o país cai em coma. Criticar hoje e
agora quem daqui a 48 horas vai andar de calções ao ar livre com o frio que
deve fazer por lá, quem ainda sofre de jet lag da viagem, quem andou de
charrete em Óbidos para mal das suas nádegas, enfim, quem se sacrifica a toda a
hora e a todo o instante pelo nome de Portugal projectado no mundo, é cometer
um crime odioso que só pode despertar afronta.
O
país não pode desmotivar aquelas pessoas. O país deve ser o ombro no qual os
jogadores, milionários, saudáveis e na flor da idade, vêm chorar
desconsoladamente depois de serem maltratados com uma palmadinha emocional.
Sejamos a rede que segura e ampara estes heróis e não a corrente de ar que os
pode constipar. Sejamos a mãe presente e de braços abertos que os receberá
mesmo aquando de uma derrota humilhante e precoce. Sejamos a força e a coragem
que fazem as suas contas bancárias empalidecer de vergonha perante a lágrima
salgada do país.
Viva
Portugal!
2 comentários:
Sabes que os jogadores da selecção não são remunerados por estarem na selecção? E, para além disso, qual é o problema de um individuo que gera muito dinheiro (como o Cristiano) receber...muito dinheiro?
Caro Jorge,
Agradeço o seu comentário; não sabia que os jogadores participavam gratuitamente no Mundial. Isso fará do seu tempo gasto na Selecção uma espécie de voluntariado, o que me agrada particularmente.
Quanto ao "problema" de um indivíduo ganhar muito dinheiro quando o gera, estamos de acordo: não há nenhum. Acho que o texto que comentou lhe passou ao lado, já que esta era uma ironia à maneira como muita gente saiu em hiperbólica defesa do bem estar emocional dos jogadores e não uma crítica ao facto de ganharem muito dinheiro. Brinco é com a parvoíce de se achar desapropriado apontar a bruta ironia (que não é minha): os famosos descapotáveis são contrastantes com a realidade do país que os donos dos veículos representam.
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