terça-feira, 3 de novembro de 2009

Minha Querida,

Escrevo-te esta carta com toda a sinceridade que me é possível. Eu sei que nem sempre fui capaz de mostrar os meus verdadeiros sentimentos por ti, talvez por ter medo da tua rejeição. Coisas tolas de rapaz apaixonado! Mas sinto que hoje é o dia de te falar do quando és especial para mim.

Desde que nos conhecemos que tens estado num lugar especial no meu coração. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que te vi. Estava tão nervoso que mal conseguia falar. Tu, do outro lado da sala de aula, ouvias a professora a dar-nos as boas vindas à escola. Tinhas o cabelo castanho escovado, e preso por duas tranças que te caíam pelos ombros. Tinhas um vestido vermelho aos quadrados, e um par de sapatos pretos. É-me difícil recordar outro momento na minha vida mais importante do que aquele. Houve qualquer coisa em ti que me despertou uma profunda curiosidade e um sentimento que nunca experienciara antes, como quem vê uma paisagem ao vivo ou ouve uma música comovente. Foi como se a importância do mundo passasse para segundo plano, relativamente fácil de ignorar quando comparada com a luz que saía dos teus olhos.

Pode parecer lamechas, mas foi isso que senti. Andava mal disposto, com dificuldades em comer, e sonhava contigo todas as noites. Na escola mal ouvia a professora, porque tentava arranjar todas as oportunidades para olhar para ti e absorver a tua figura, as tuas cores, as tuas formas, como quem estuda um quadro obsessivamente.

Provavelmente não te lembras de mim tão bem como eu me lembro de ti nessa altura; não faz mal. O que importa é o presente. Crescemos, e por sorte fomos de escola em escola, sempre colegas de recreio ou de turma. Vi-te crescer, e de menina passaste a uma mulher incrível. Passaste de um estranho e abstracto sentimento infantil para uma profunda paixão de adolescente. As férias eram um martírio, porque estava longe de ti. As aulas estendiam-se por horas e horas, e as oportunidades de olhar para ti de relance sem levantar suspeitas iam ficando cada vez mais escassas. Estávamos numa idade em que já reparávamos nestas coisas, e houve quem notasse. Brincavam comigo, dizendo que tu eras demasiado para uma pessoa como eu. Que deveria perseguir outros objectivos, e encontrar outra rapariga simpática. Que fácil é dizer estas coisas, quando não se partilham sentimentos tão sentidos… E tu, impávida e serena, passeavas a tua beleza, e transformavas-te de menina bonita a mulher maravilhosa.

Crescemos. Hoje estás uma mulher, eu uma amostra de homem. Sinto-me mal, por vezes. Na verdade, não sei porque te estou a escrever isto. Talvez porque seja mais uma forma de alimentar este amor, colocando-o numa folha de papel. Tenho umas saudades tuas que nem imaginas. Sabes há quanto tempo não nos vemos, não estamos juntos, não me cumprimentas com um bom dia? Há demasiado. Faz hoje 458 dias. Tenho-os marcado no meu calendário, por cima da minha cama. 458 para ti são colecções de memórias, fragmentos de instantes, um ou outro acontecimento marcante: entraste na faculdade, encontraste um namorado, compraste um carro. Para mim, são a cronologia de uma prisão, são a medição metódica e contada da minha mais profunda saudade.

Por isso decido ver-te, decido procurar-te. Tu não me vês, provavelmente. É melhor assim; especialmente depois do que aconteceu da última vez. Para que é que tiveste de chamar a polícia? Eu amo-te, não compreendes? Eu amo-te. Eu amo-te. Nunca te faria mal.

Em vez disso, continuou a absorver-te, a alimentar-te no meu coração. Vejo-te todos os dias a sair de casa, e penso como seria ver o amanhecer nos teus braços. Acordar numa praia paradisíaca contigo de bikini, bela como sempre. Amo-te como nem imaginas. Quando sais de casa, vou contigo até ao autocarro, onde te vejo na paragem de livros no braço como quem espera por alguma coisa banal, mais banal que os teus olhos que são tudo. Vejo-te de longe, detrás de um dos carros estacionados na rua, porque duvido muito que gostasses de me ver lá.

Vejo-te entrar no autocarro, e fico a sonhar. Imagino-te a ir até à escola, e a entrares na aula, e a sentares-te na cadeira, e a roeres a pontinha da tampa da caneta como fazias quando andávamos na escola juntos. Às vezes confundo-me, aqui sentado no meu quarto, imaginando-te na escola. Penso que me transportei para o passado; que subitamente tudo na vida é uma segunda oportunidade, e que cada dia pode ser repetido e vivido uma segunda vez de forma a que os meus erros possam ser corrigidos, e de forma a que finalmente nos possamos unir.

Fico muito envergonhado por dizer estas coisas, mas sinto que tenho de o fazer, meu amor. Eu amo-te de uma forma inimaginável. Sonho contigo todas as noites, especialmente quando adormeço muito tarde e a chorar. Fazes-me pensar na vida que poderíamos ter tido se não fosse o facto de o nosso amor ter sido destruído por aquele rapaz.

Diz-me, o que terá ele que eu não tenho? Será o visual? As roupas? Terá um sorriso mais sincero ou um amor mais verdadeiro? Juro-te que não. Juro-te que te amo mais do que ele alguma vez te amará. Podes não acreditar em mim, mas um dia vais entendê-lo. Um dia vou mostrar-to e dizer-to com todas as letras. Um dia ele vai sair das nossas trajectórias, vai sair de cena, e vamos finalmente ter espaço e tempo, todo o tempo do mundo. Um dia.

Quando sonho vejo a tua cara, sem maquilhagem, porque é bela e perfeita ao natural. Vejo-a a boiar numa infinita imensidão de esbranquiçado material, como se a tua perfeição fosse única e material numa realidade de pura incongruência física. No sonho sorris para mim, e aproximas-te com calma e tranquilidade, pois toda a eternidade será minha e tua se tu me amares como te amo a ti. Aproximas-te assim desta forma, e a tua cara passa de pequena a média, de média a grande, e de grande a enorme, até cobrires toda a minha visão e os teus olhos rebolarem das órbitas que os seguram e da tua boca saírem serpentes roxas. O meu médico diz-me que com a medicação os sonhos poderão ficar mais agradáveis, mas para mim é mais do que suficiente lá estares tu, grande e sorrindo para mim como se só eu existisse para ti.

Ando a tomar os comprimidos, como o médico recomendou. Sinto-me melhor. A psicóloga obrigou-me a deitar fora o revólver, e assim o fiz. Estou a tentar entrar nos eixos, talvez encontrar uma forma de me aproximar de ti. Às vezes arrependo-me, claro. Imagino-te com ele, com aquele que nem sei o nome. Conheço-lhe a cara, mas não o nome. Imagino-te com ele e choro, choro bastante, e desejo não ter deitado a arma ao rio. O que está feito está feito, e há que viver com o que temos. Talvez um dia ele tenha um acidente qualquer, ou eu mude de ideias. Um revólver não é uma coisa difícil de encontrar.

Meu amor, como te amo. Serás minha um dia? Eu quero acreditar que sim. Gostava que a medicação fizesse efeito, que a terapia funcionasse, e que este amor por ti passasse ao passado. Mas por outro lado, o que seria de mim sem ti? Não sei do que seria capaz. Não sei mesmo. Não faças nenhum disparate. Aceita-me. Farias de mim o homem mais feliz do mundo, acredita.

Com todo o amor do mundo,
O teu apaixonado


.

1 comentário:

Madalena disse...

Numa palavra: sufucante! Ou paranóico!
Que terror! É uma personagem doentia... Esse género de amor faz muito mal, não só ao apaixonado como àqueles que o rodeiam, nomeadamente à senhorita de quem o dito cujo gosta e, principalmente, ao pobre do namorado dela! No dia em que o personagem apaixonado não tomar a medicação o namorado fica em sérios apuros...
Enfim! Escreve outa diferente! ^^