terça-feira, 30 de março de 2010

Porque é que ontem não escrevi história nenhuma?

Ontem estive demasiado ocupado para escrever. Depois de acordar às tantas, uma vez que estou de férias e isso é uma boa desculpa para ler até tarde e ficar a dormir até à hora do almoço, tive uma série de obrigações para fazer que me impediram terminantemente de escrever qualquer coisa aqui para o blog. Eu sei, eu sei; prometera que nestas férias escreveria uma história por dia, mas ontem simplesmente não consegui. Depois de chegar a casa da dança, extremamente mal disposto e cansado, fui dormir.

Por volta das três da manhã acordei com o som da fechadura a rebentar, e quando me levantei da cama e acendi a luz três homens enormes entraram-me pelo quarto e agarraram em mim.

- Socorro! – gritei, que nem uma menina. Por pouco não cheguei ao telemóvel, para ligar à polícia. Enquanto dois dos homens me sentaram numa cadeira, o terceiro pisava o meu telemóvel com as suas botas número 47.

Atiraram-me contra a cadeira, e um dos homens retirou do bolso interior do casaco um revólver negro e apontou-mo à cabeça.

- Boa noite – disse o dono do revólver. Os outros dois homens reuniram-se à minha volta.

- Boa noite – disse eu, a medo. Tinha de simpatizar com estes dementes se queria sair dali vivo. Olhei bem para eles, procurando alguma característica física que sobressaísse e que me possibilitasse a identificação dos homens mais tarde, quando fosse levado para a esquadra. Todos eles tinham casacos de cabedal pesados. Eram entroncados, de cabeças enormes e ar de italianos. Soube imediatamente que estava a lidar com profissionais.

- Somos profissionais – disse-me um dos homens – Não tentes fazer nenhum disparate senão levas um tiro. Nos cornos.

- Eu não quero levar um tiro – disse eu, choramingando.

- Ninguém quer, habitualmente. Por isso não faças nada estúpido.

- Juro que não me mexo. Levem o que quiserem. Tenho a Playstation 2 na sala e a minha colecção de cartas do Yu-gi-oh naquele armário. Algumas valem dinheiro. Levem tudo.

- Não queremos levar nada – disse o dono do revólver, que parecia ser o líder do grupo – Viemos apenas fazer-te umas perguntinhas. Onde está a história?

- A história?

- Sim. Projecto Xerezade.

- Oh Deus.

- Onde está a história?

- Vão dar-me um tiro por causa de uma história?

- Isto para ti pode ser uma brincadeira, mas para nós não. São negócios, Renato. A história.

- Não escrevi – disse eu. O dono da arma premiu aquela peça na ponta da arma, que os assassinos nos filmes usam sempre para assustar as vítimas. Não me lembro como se chama. Vocês sabem.

Tlic, fez a tal peça cujo nome não me lembro. Por esta altura estava a chorar como uma menina.

- Calma, calma, calma. Eu escrevo-vos a história. EU escrevo.

- Porque não escreveste antes? – perguntou um dos homens.

- Esqueci-me, tive mais que fazer, eu sei lá… Por favor não me dêem um tiro…

- Renato, ouve-me bem. A partir de hoje vais escrever as histórias a horas, todos os dias, senão temos de te vir fazer outra visita.

- Quem vos mandou cá? – perguntei eu.

- Desculpa?

- Porque estão tão interessados na minha história? – perguntei.

- Está calado.

Nesse momento compreendi que quem quer que aqueles homens estivessem a representar, tratava-se de alguém que precisava das minhas histórias. Podiam até estar a lucrar com elas, ou eram apenas grandes fãns que choravam toda a noite por não ter actualizado o blog. Percebi que aquela arma era uma ameaça para me assustar, mas nunca para me tirar a vida.

- Vocês não me vão matar – disse eu com um sorriso trocista.

O tiro foi tremendamente intenso. Comecei a gritar. Tinha visto cenas idênticas nos filmes, mas nunca pensei que um tiro na rótula doesse realmente tanto. O Jack Bauer costumava fazer isto no 24. Comecei a gostar menos do Jack Bauer. A dor era inacreditável, estava a sangrar imenso e mal conseguia abrir os olhos.

- Tu não brincas comigo! – disse-me um dos homens, agarrando-me pelos cabelos e puxando-me a cabeça para trás.

- Traz a tartaruga – disse um dos homens.

Não, pensei eu. Não a minha tartaruga.

Quando abri os olhos o dono da arma estava com a Minhone à frente da arma. A pobre tartaruga, arrancada violentamente do seu aquário, espreguiçava-se e tentava-se soltar, agitando as patas e a cabeça. Recomecei a chorar.

- Não, por favor não. Ouçam-me. Ouçam-me – disse eu por entre a dor – Na terceira gaveta do armário. Ali. Levem tudo o que quiserem.

Um dos homens abriu a gaveta e começou a tirar as folhas de papel que já estavam guardadas. Era toda a minha colecção de contos eróticos secretos protagonizados por Simião, um herói que criara na minha adolescência. Nunca tivera coragem de mostrar aquilo a ninguém, apesar de ter a certeza que eram histórias de qualidade.

- Levem-nas todas – disse eu.

Os três homens largaram-me o cabelo, atiraram a tartaruga para dentro do aquário, que aterrou dentro de água com um chapinhar desesperado e prepararam-se para sair do quarto. Um deles regressou, apontou-me a arma à cabeça.

- Dá-me um autógrafo – disse ele.

- O quê?

- Dá-me uma autógrafo. Eu gosto de ler o teu blog. Dá-me uma autógrafo, porra.

Tentei controlar a dor no joelho. Com certeza não voltaria a andar mais ao pé coxinho apoiado naquela perna.

- Tens papel? – consegui perguntar ao homem, por entre os meus próprios gemidos.

- Não. Espera. Ei! Tens papel? – perguntou o homem a um dos colegas. Um deles tinha.

- E uma caneta? – perguntei.

- E uma caneta? – perguntou o homem. Um dos outros homens tinha uma caneta, sim.

- Escreve aí - ordenou o homem, quase enterrando a arma dentro de um dos meus olhos – “Para o meu fã número um com votos de Boa Páscoa e muitas amêndoas”.

- Ok – disse eu, escrevendo. Sujei o autógrafo com o meu próprio sangue, pedi desculpas e continuei.

- E agora assina – ordenou-me o homem. Eu assinei.

- Obrigado. Continua a escrever, tens jeito – disse-me o homem. Retirou a arma de dentro do meu olho e desapareceu pela porta. Passados alguns segundos regressou, e voltou a apontar a arma à minha cabeça.

- Ah, e a tua próxima história tem de ser sobre nós – disse-me ele – E eu tenho de aparecer. E tens de nos descrever como tipos fortes e assustadores. Ok?

- Ok – prometi. Eles foram-se embora.

O prometido é devido.

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