Carla estava à espera que o marido chegasse do emprego para ser fecundada imediatamente. Estava, em termos biológicos, na altura certa para engravidar; e no que tocava ao seu estado de espírito, ter um filho seria a cereja no topo de um bolo doce e cremoso que se tinha vindo a cozinhar desde há sete anos. Depois de um namoro açucarado com o seu agora marido Pedro seguiu-se um casamento mexido, com banda ao vivo e duas famílias que se davam maravilhosamente, e uma lua-de-mel onde cozeram ao sol das Caraíbas e fermentaram a sua paixão. Quanto mais tempo conseguirei manter a metáfora do bolo? Difícil dizer, mas acho que ficarei por aqui. O que é certo é que o casamento durou seis anos, com uma casa nova e empregos estáveis; estava na hora de aumentar a família e preencher um dos quartos com berços, ursinhos de peluche e uma criança amorosa.
Carla vestiu uma roupa provocadora e despenteou o cabelo em frente ao espelho da casa de banho. Queria que o seu marido percebesse imediatamente o que ela queria assim que chegasse a casa. Pôs perfume, vestiu o roupão e foi deitar-se na cama. Olhou para o tecto, depois para o relógio, e depois para a porta do quarto que deixara aberta. Estava quase. Ouviu a chave na fechadura, cruzou as pernas de uma forma sensual, levantou uma sobrancelha, sentiu-se demasiado oferecida, colocou a sobrancelha no lugar e esperou que Pedro colocasse a mala em cima da mesinha da entrada e a viesse visitar ao quarto.
- Querida? – perguntou ele, aproximando-se da ombreira enquanto tirava o sobretudo.
- Pedro? – numa voz sensual.
- Estás bem?
- Pedro, faz-me um filho – disse ela num sussurro. Pedro parou de desapertar os botões.
- Desculpa?
- Tu ouviste-me. Anda cá fazer-me um filho.
- Mas isso é forma de me pedires para fazer amor contigo?
Carla descruzou as pernas.
- Desculpa, não pensei que te fosse ofender…
- Não me ofendeu, mas… Não preferes uma coisa mais calma e romântica? Afinal vamos encomendar uma criança… É uma ocasião especial!
- Seja. Tira o casaco!
- Espera, tenho de ir buscar o telemóvel. Ouve, tens a certeza que queres fazer isto?
- Claro! Tu não? Já tínhamos falado sobre isto imensas vezes…
- Sim, eu sei, só não estava a contar que fosse hoje. Dá-me dois minutos.
Pedro desapareceu no hall de entrada e regressou uns minutos depois.
- Tão? – perguntou Carla.
- Fui tratar da burocracia.
Tocaram à campainha.
- Ora aí está – disse Pedro, afastando-se outra vez da ombreira da porta e atravessando o hall.
- Pedro?
A porta da rua abriu-se e Carla ouviu vozes.
- Pedro, quem é? Pedro!
A porta fechou-se e Pedro apareceu à porta do quarto, seguido por uma cegonha enorme e musculada.
- Boa noite, có licença – disse a cegonha, com uma pequena vénia.
- Que é isto? – perguntou Carla.
- Vamos fazer um filho – disse Pedro com um sorriso maravilhado – Estás pronta?
A cegonha começou a tirar as calças e a camisa.
- Pedro, quem é a criatura…?
- Os teus pais nunca te explicaram de onde vêm os bebés? – perguntou Pedro.
- Ainda há muita gente conservadora hoje em dia – disse a cegonha, alisando as penas – acontece com regularidade.
Carla sentou-se na cama, tensa, tapando as pernas com o roupão.
- Quer pôr música? Velas? Deseja que o seu marido se ausente? – perguntou a cegonha com todo o profissionalismo.
- Pedro…?
Pedro dirigiu-se à cegonha:
- Seria possível ser um menino, por favor?
- Então a sua senhora vai ter de ficar por cima. Não se importa? – perguntou a cegonha, deitando-se na cama ao lado de Carla.
- Pedro, eu… - chocada.
- Upa, vá. É rapidíssimo – garantiu Pedro.
- A não ser que prefira que afaste o bico. Faz-lhe confusão?
- O que me faz confusão é estar uma cegonha nua na minha cama. Pedro, o que significa isto?
- Eu depois explico-te com maior detalhe. Agora vamos fazer uma criança, e seremos muito felizes!
A cegonha sorriu para Carla, e Pedro também. Estavam os dois à espera. Carla encolheu-se mais um pouco.
- Podes dar-nos alguma privacidade ou tens algum fetiche esquisito? – perguntou.
- Ah, claro. Desculpa – Pedro saiu porta fora e fechou-a atrás de si.
- Tente manter a calma. Talvez se efectuarmos alguns exercícios preliminares possa ficar mais à vontade – sugeriu a cegonha, tentando puxar Carla para si com uma das asas.
- As suas penas fazem-me alguma confusão…
- Quanto a isso não posso fazer grande coisa… Nunca fez amor com nada com penas?
- Infelizmente não…
- Não se preocupe, não dói nada. Será como fazer amor com o seu marido, só que em vez dele é com uma cegonha. Simples, não é?
Carla puxou o roupão e tapou-se até ao pescoço.
- Vamos devagar, não temos pressa. Quer que ponha música?
***
- Importa-se que fume? – perguntou a cegonha. Carla estava a vestir a roupa interior.
- Não, força.
A cegonha acendeu o cigarro, olhou para o tecto e depois para Carla.
- Tenho a dizer-lhe que nunca pensei gostar tanto do meu trabalho.
Carla sorriu e atirou-se para cima da cama outra vez, estendendo a mão e tirando o cigarro do bico da cegonha.
- Não temd e quê. Também não esteve nada mal. Nada mal mesmo.
- É o meu trabalho.
- Não se sente como um prostituto?
- Sinto-me como uma cegonha feliz. Faço filhos para pessoas que os querem ter. Entrego felicidade. Haverá um trabalho melhor?
Carla partilhou o cigarro com a cegoha outra vez, e olhou para o tecto também. Ficaram calados por uns minutos.
- Seria possível encontrarmo-nos noutra ocasião?
- Como?
- O meu marido trabalha até às nove e meia.
- Eu saiu do serviço mais cedo às quartas.
- Óptimo.
- Vou chamar o seu marido.
- Certo.
A cegonha levantou-se, vestiu as calças de ganga, abriu a porta do quarto.
- Pedro? – chamou.
Passos apressados, e a cabeça de Pedro apareceu pela porta.
- Já está?
- Parabéns. Vai ser pai.
Lágrimas nos olhos de Pedro.
- Oh… Que beleza! Que coisa maravilhosa! Querida, como foi?
Carla fumava e olhava para o tecto - Hum, nada de mais, doeu um pouco, foi geralmente aborrecido…
- Muito obrigado! – disse Pedro à cegonha, dando-lhe uma gorjeta.
- Oh, Pedro, não é preciso tanto…
- Não insista. É seu. Obrigado, obrigado por tudo!
A cegonha despediu-se de Carla com um pequeno aceno profissional.
- Minha senhora…
E saiu pela porta pela qual voltaria a entrar na próxima quarta feira.
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