segunda-feira, 26 de julho de 2010

Porque é que eu sou a favor da pirataria

NOTA INICIAL | Este é o primeiro texto publicado neste blog que obedece à minha mais recente limitação criativa auto-imposta: a “Iniciativa Duas Páginas”. A partir de agora, todos os meus textos de opinião, que se tendem a alongar brutalmente formando, nas palavras do meu avô, “umas lombrigas”, terão no máximo dos máximos duas páginas. Servirá de treino para mim, e de boa notícia para todos os milhares de leitores do blog que adormecem antes de chegar ao fim dos posts

“Lá vens tu ser do contra, seu chato insuportável”, pensarão com certeza quem me conhece. Admito que às vezes sou do contra, se bem que não percebo bem porque se coloca uma conotação depreciativa em algo que consiste unicamente em não concordar com as outras pessoas. Penso que isso é bom, porque se todos pensarmos da mesma maneira ninguém ouve opiniões diferentes e o mundo não anda. Por isso, na boa tradição aqui deste blog de defender as minhas opiniões mais dramáticas, declaro abertamente que sou a favor da pirataria; e explico porquê.

(Uma distinção é necessária, para começar: uma coisa é a pirataria feita pelos romenos que vendem os últimos sucessos de bilheteira em DVDs manhosos na Feira do Relógio, e outra é a pirataria feita pelo puto de doze anos que copia um CD para um amigo. Lucrar com o trabalho dos outros é vergonhoso, e não é o primeiro mas sim o segundo “tipo de pirataria” que vou defender)

Em quase todos os DVD’s que compro (na versão original, porque não compro piratas) vem um anúncio grotesco, com uma música irritante, que apresenta uma ideia muito semelhante a “Você nunca roubaria um carro, ou uma mala… Então, porque é que rouba filmes?”. Digam o que disserem, a pirataria não é roubo. Se eu copiar um CD de um artista, utilizando um CD original que um amigo me empreste, eu não estou a roubar nada a ninguém. A música, o filme, o programa de TV, o jogo para computador, tudo isso pode ser pirateado sem que alguém fique realmente desprovido da sua propriedade (o que define um roubo). A quem e que propriedade roubo se fizer a cópia de uma música?

A resposta pode soar óbvia: o artista. Se eu copiar uma música do Rui Veloso estou a roubar o Rui Veloso? Não. Se eu for a uma loja e arrancar de lá um CD e o trouxer para casa, acabei de roubar a loja (e o Rui Veloso); mas no caso da cópia pirata, ninguém fica sem o seu CD e sem a sua música. O roubo parece acontecer apenas e unicamente se partirmos do princípio de que eu iria realmente à loja dar quinze ou vinte euros por um CD, caso a pirataria fosse impossível. Esses quinze ou vinte euros potenciais ficam assim “perdidos”, e entram nas contas de quem calcula os milhões de euros de prejuízo por causa da pirataria, partindo-se erradamente do pressuposto de que todas as pessoas que adquirem ou compram produtos pirateados iriam comprá-los à loja se a pirataria não existisse.

Da mesma forma que seu eu for a um site na Internet e fizer o download de um filme, o filme em si continua lá. Aliás, o “filme” não existe propriamente senão “materializado” em DVDs, película, cassetes, etc. Eu não roubei a propriedade de ninguém, especialmente se tivermos em consideração que eu, impossibilitado de ver o filme grátis, nunca iria gastar dinheiro para o ver.

Isto funciona igualmente nos casos em que eu nunca teria acesso a esse filme (ou livro, ou música) se não fosse através do YouTube, Google Books ou outros serviços. Faço danças de salão e é quase uma necessidade a aquisição de músicas para dançar. Se eu fosse calcular o dinheiro que teria de gastar para adquirir de forma “justa” toda a música que tenho em CD’s, tinha de vender o computador onde estou a escrever neste momento para ficar de boas relações com a indústria musical; sem contar com as semanas de espera gastas em encomendas, porque muito do que muita gente ouve e vê não existe editado em Portugal.

Claro que o facilitismo não é desculpa, muito menos a questão dos preços: mas temos de olhar para as coisas com realismo, e perceber que não é de admirar que, com os preços gigantescos que hoje se cobram para uma ida ao cinema ou a venda de um CD ou DVD (do qual uma parte absolutamente minúscula reverterá para o tal “autor”), as pessoas prefiram pedir emprestado a quem tenha para fazer cópias.

Será um desrespeito perante os artistas e profissionais? Claro que sim, é inegável. O que não falta na minha família é malta relacionada com a música, que sobrevivem maioritariamente ou na totalidade com o dinheiro que ganham a fazer a sua arte, por isso que não me acusem de não compreender a luta daqueles que fazem da música (especificamente, mas funciona para qualquer arte) a sua forma de vida. Porém, os próprios artistas começam hoje a perceber que a pirataria, ou pelo menos o disponibilizar de conteúdos grátis a toda a gente, não é só uma coisa “normal” como uma necessidade.

Antigamente quando alguém lançava um CD corria os habituais programas de televisão a promovê-lo. Hoje em dia, sites que disponibilizam as músicas de forma gratuita são uma constante. Os próprios artistas criam MySpaces e blogs para promover as suas músicas ou vídeos, dando depois a possibilidade de encomendas online (por exemplo).

Caramba, até os próprios fãs das bandas e intérpretes são os primeiros a defender os seus direitos perante o mal das cópias ilegais, defendendo os seus artistas com unhas e dentes, mas também os primeiros a colocar no Youtube vídeos com as músicas do último CD dos seus ídolos, e espalhando-as pelos Facebooks e afins para que toda a gente as ouça sem ter de comprar o CD. Isto leva apenas a que mais gente conheça a banda, e mais gente ouça e comente as músicas, e mais gente se veja com vontade de ir à loja comprar o CD ou aos concertos. Um exemplo pessoal: um artista que aqui já “apresentei” chamado Bryan Steeksma tem muitas das suas músicas disponíveis para serem ouvidas vezes e vezes sem conta; não fosse isso, não teria milhares de fãs e, consequentemente, mais CD’s vendidos (incluindo comigo, que encomendarei não tarda o seu CD).

A diferença entre estas novas tradições e a pirataria à antiga, em que alguém punha na Internet ou nas feiras as músicas e filmes da moda, é apenas uma: os artistas perceberam que disponibilizar parte ou a totalidade das suas façanhas é meio caminho andado para as dar a conhecer. E para o público, é a única forma de ter acesso a muitas coisas que de outra forma seriam inatingíveis. Há um valor inerente na pirataria, que é o de levar mais pessoas a conhecer os artistas e, portanto, multiplicando as probabilidades de, mais tarde, esse artista contar com mais vendas e mais fãs. Poderíamos até dizer que, no mundo de hoje em dia, uma das melhores formas de ajudar os nossos artistas favoritos é disponibilizar as suas obras na Internet.

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1 comentário:

ACA disse...

E eu citaria o nosso Ministro Mariano Gago "Piracy has been forever a source of progress and a source of globalization".
Temos de nos opor à tentativa da ACAPOR em introduzir a censura na Internet. Visita o meu blog sobre a ACAPOR em ACAPOR.COM e deixa os teus comentarios