domingo, 6 de dezembro de 2009

Cartas para Andrómeda #2

Querida Tia,

Não lhe escrevo há imenso tempo, e por isso peço desculpas. Tenho andado extremamente ocupado, porque é o final do ano terráqueo e há uma série de coisas interessantes a documentar.

Já me passou o jetlag, mas mesmo assim este calendário terráqueo continua a fazer-me confusão. O sol nasce e volta a subir num instante, e os terráqueos passam metade do seu dia, a parte mais escura, a dormir nas suas camas. Talvez por isso sejam tão atrasados, pobrezinhos.

No outro dia tivemos uma interessante visita de estudo. O professor de Cultura Humana levou-nos na sua nave espacial invisível (é já bastante velhota, ainda é a hidrogénio, imagine!) a conhecer países diferentes e construções importantes, porque estamos a falar das religiões. As religiões são histórias que os terráqueos inventaram ao longo do tempo, para explicar de onde vem o Universo ou porque é que as suas mulheres têm dores a dar à luz. Algumas são muito engraçadas, como aquela do rapazinho que recebia prendas de uns reis que andavam de camelo.

Andámos a visitar várias construções ou locais importantes dessas religiões. Fomos a um sítio chamado Jerusalém, um lugar horroroso, cheio de areia. Jerusalém é uma cidade onde toda a gente usa barbas, talvez para se protegerem das tempestades de areia, e em que há três religiões ao mesmo tempo. O pior é que as três religiões andam sempre em conflito, um bocado como os nossos jhultyh, só que estes chegam mesmo a matar-se.

Depois de visitarmos Jerusalém fomos a um sítio chamado Notre Dame, ver uma coisa estranhíssima e de muito mau gosto que se chama Catedral. São umas construções minúsculas, e que me lembram um bocado a casa da sua vizinha, só que sem a centrar nuclear na sub-cave para aquecer os quartos.

A seguir fomos ver uma forma de construção religiosa mais importante e recente. São redondas, e cheias de cadeirinhas à volta, e têm um relvado muito bem tratado ao centro. Ao que parece são usadas num jogo muito popular, em que vinte e dois terráqueos correm atrás de uma coisa redonda de material sintético. Depois têm de enfiar ao pontapé a coisa redonda numa rede, e quando isso acontece os fiéis saltam, e gritam, e agitam bandeiras da sua cor favorita, e mandam pedrinhas à cabeça de um senhor com cartões coloridos que também anda a correr e a pisar o relvado. Quando saem das construções quando o jogo acaba partem os narizes uns dos outros, e depois vão para casa.

De qualquer forma, aqui é a altura do Natal. Antigamente celebrava-se o nascimento de um miúdo qualquer chamado Jesus, que ao que parece foi castigado pelo pai e pendurado numa cruz para salvar toda a humanidade; mas hoje em dia isso já está um bocadinho esquecido, e o verdadeiro Deus do Natal é um terráqueo gordo, que vive numa fábrica no Pólo Norte (que é como o nosso Ghty, só que sem os monstros devoradores). Ao que parece este terráqueo anda de trenó, puxando por uns animais cornudos, para distribuir prendas a todas as crias terráqueas que comeram a sopa e foram para a cama quando os seus pais lhes disseram para ir. O nosso professor explicou que apesar do terráqueo gordo não existir, tal como em todas as outras religiões, esta chantagem funciona às mil maravilhas e as crias passam a portar-se lindamente. Para além disso, todos os terráqueos têm de comprar coisas uns aos outros. Comprar, aqui na terra, significa trocar comida por pedacinhos de ferro amarelos ou bocados de papel que os bancos dão às pessoas. Imagine, Tia, chegar a um sítio, dar um pedacinho de papel e receber um casaco, ou um animal para cozinhar! Nunca percebi para que raio servem os papelinhos e os pedacinhos redondos de metal, mas suponho que seja para depois serem trocados por mais coisas e por aí adiante. Ou seja, quando vão às compras, os terráqueos levam uma carteira cheia de pedacinhos de ferro e de papel, e voltam para casa com sacos cheios de alimentos. É estranhíssimo, mas parece resultar para eles.

O nosso professor explicou-nos que é uma altura importante para os terráqueos, especialmente para todos os pobrezinhos que recebem mais cobertores e sopas quentes porque todos os terráqueos mais ricos se sentem mal por estarem a gastar dinheiro em prendas uns para os outros. Para além disso, os terráqueos têm de seguir tradições importantes, porque senão o mundo acaba ou assim. Uma delas é comer bacalhau, que é um ser vivo estranho, muito parecido com o nosso Shty, só que sem as asas e sem os nervos de toxinas. Este tal de bacalhau tem, no entanto, uma coisa ainda pior, uns picos interiores bicudos e perigosíssimos. O nosso professor de Sobrevivência em Sociedade Humana avisou-nos que um pico daqueles pode furar-nos a garganta, e matar-nos instantânea e dolorosamente. Os humanos, no entanto, aprenderam a tirar os picos do peixe antes de o comer, e mesmo se engolirem um pico não morrem nem nada. Criaturas interessantes, estes terráqueos!

Bem, agora está na hora de ir andando. Tenho de me preparar para um trabalho sobre esta coisa das religiões, e sobre um livro mágico com poderes especiais e sobre um tipo qualquer que é espírito e homem ao mesmo tempo. Estes terráqueos têm histórias incríveis, e acreditam mesmo nelas! É estranho para nós, que sabemos muito mais mas não lhes podemos dizer nada. O que diriam se lhes apresentássemos o nosso Zdfth, o supremo e imaterial ser extra-dimensional que nos criou a partir do núcleo das estrelas com uma maldição mágica e que hoje nos fala através de uma estátua de gosma? Diriam, com certeza, que era um disparate pegado! Enfim, só gargalhadas.

Como vai a quinta? Na sua última carta disse-me que as crias da vizinha tinham nascido. Como estão todas? Afinal nasceram quantas? Só 35? E a vizinha, qual delas escolheu para devorar? Conte-me tudo, e se possível mande-me imagens holográficas!

Escreverei assim que puder,

Sobrinho

.

Sem comentários: