sábado, 5 de dezembro de 2009

Suspence no Elevador

Post rápido, para dizer que não tarda tenho de sair de casa. Não tenho tido tempo algum para andar aqui a publicar coisas. Vou ver se encontro algo no baú, que seja apropriado.

Ora aqui está. Um pequeno conto grotesco para vos desejar a todos um bom dia e ferir sensibilidades.




Ele puxou o elevador e ela continuou a explicar-lhe como o filme que tinham visto naquela tarde tresandava a romantismo.

Na verdade, para ser sincero, ele estava-se absolutamente a borrifar para aquela conversa. Odiara o filme, achara-o sentimentalão, inútil, e tão, tão mal realizado! Mas, lá está... o que ele ouvia não era a explicação do filme em si, mas a voz dela. Não lhe interessava o conteúdo, apenas a forma.

Diga-se de passagem que ele estava absolutamente apaixonado por aquela rapariga (desde há muito, muito tempo...) e que naquele momento, como em todos os outros momentos juntos, a sua voz era algo angelical. Ela falava e mel escorria-lhe pelos ouvidos adentro. E ficava feito parvo a olhar para ela, para os olhos dela, para o cabelo dela, e subitamente, ali sozinho com ela nas escadas do seu prédio, à espera do elevador de serviço, sentiu-se nervoso, nervosíssimo, absoluta e incontrolavelmente a tremer. Mexeu as mãos e fingiu interesse, engoliu em seco mas reparou que não havia saliva nenhuma na sua boca para engolir. Suava abundantemente (os seus sovacos são verdadeiros repuxos quando está nervoso).

E ela, sem se aperceber, sorri para ele, termina a sua explicação; e entretanto o elevador de serviço chega

“rápido demais”, pensa ele...

Entram. Ela queixa-se, que tem uma ligeira claustrofobia, odeia espaços fechados; ele reconforta-a, diz que é um instante, para não se preocupar, fecha a porta do elevador e carrega no botão que diz R/C.

O elevador estala e começa a sua descia lentamente, como quem não quer a coisa, como se soubesse que quem lá está dentro está a rezar para que o elevador se demore horas a chegar lá em baixo.

Falam de trivialidades, de coisas idiotas, do que quer que surja. Ele não dá muito por isso, porque se perde nos olhos dela. E ela, ligeiro sorriso, olha para ele também. Há um momento de silêncio que envergonha ambos, desviam o olhar.

Terceiro andar.

Olham outra vez um para o outro, e ele pensa “esta é a parte do filme em que o protagonista beija a protagonista, e começa aquela música de violinos...”. Mas ficam timidamente a falar um com o outro, vozinhas pequenas como para não incomodar o elevador que os leva, cada um perdido nos olhos do outro.

Segundo andar.

“Vá. Beija-a! É agora! Vá!” Mas fica simplesmente a olhar para ela, para os olhos dela, agora mais perto porque, felizmente, o elevador é até bastante apertado. Consegue sentir o cheiro do cabelo dela, e consegue ver a luz amarela e adoentada do elevador reflectida no castanho dos seus olhos.

Primeiro andar.

“Não sejas estúpido! Ela está a olhar para ti, ela está à espera! Ela QUER! Beija-a! BEIJA-A!”

E continuam estupidamente perdidos nos olhos um do outro...

R/C.

O elevador agita-se com um safanão, e imobiliza-se. Ele, cavalheiro, abre a porta com um empurrão e segura-a, para que ela possa passar. Ela sai, continuam a falar de (o quê? sei lá...) e ele sai, deixa fechar a porta do elevador, e ela vira-lhe as costas para abrir a portinha que dá para a entrada do prédio, onde se vão despedir com dois beijinhos (na cara!) e onde se separarão, cada um para seu lado...

Mas ela fica um segundo de costas para ele, sem abrir a porta. Depois vira-se,

- Olha, posso só... – pergunta ela com uma vozinha meio apagada, e atira-se para a frente, assustando-o, colando os seus lábios aos dele.

E ele? Quer reagir mas não consegue, e o segundo que dura aquele beijo dura muito, muito tempo...

E ele sua, e ele sente os lábios secos a serem agradavelmente violados por aquela boca alheia, e sente o almoço a dar uma volta, duas voltas no estômago. O corpo explode-lhe a tremer, e ele sente-se mais nervoso, mais estranho do que nunca. Imobiliza-se, sente os lábios dela e ADORA!

O estômago ronca.

Ele está realmente nervoso.

Incontrolavelmente nervoso.

Está a suar.

A boca está seca.

O estômago ronca outra vez.

Ai vem ele...

O almoço subiu pelo esófago acima e encheu-lhe a boca. Ele salta para trás, e ela por momentos acompanha o seu movimento com os lábios colados aos dele... mas a sua boca não aguenta, almoçou demais... E os seus lábios abrem-se, e o que em tempos fora uma pizza, meia lasanha e duas coca colas abre caminho por entre os seus lábios, à descarada, e propaga-se em todas as direcções como um aspersor a regar um jardim. Ela salta para trás, dá um grito, sentindo a boca repleta de vomitado alheio e o cabelo pastoso, a franja a pingar de matéria esverdeada.

Ele vomita o resto no chão, tentando controlar-se mas sem o conseguir. Ela, incrédula, sacode-se, cospe, deita a língua de fora e resmunga um palavrão. Fica por momentos a olhar para ele, e ele para ela, em silêncio, ambos sem acreditar; e quando o cérebro dele regista finalmente o que acabou de fazer, abre a boca ainda suja de vomitado e pergunta:

- Queres que te vá buscar uma toalha?

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1 comentário:

Ana Sousa disse...

i remember this one! lol Isto já é muitooo antigo! =P bj