quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Querida Pauline

Semana atarefada, por isso passei por aqui só para depositar qualquer coisinha do baú.

Estou muito entusiasmada com a vossa visita. Mal posso esperar por dia 23! Nem imaginas como é bom saber que vamos ter um Natal diferente. Desde que o Tom adoeceu que os Natais têm sido um pouco pesados sobre a minha família, porque há sempre aquela possibilidade a pairar sobre todos nós de que aquele pode ser o último Natal ao lado de Tom. É muito importante para mim vê-lo mais animado do que nos anos anteriores, e muita dessa sua animação tem que ver com a vossa chegada, podes ter a certeza.

Não quero que te preocupes com lençóis ou comida, temos tudo por aqui. Não venham com o carro carregado de garrafas de vinho! O Tom adora vinho e ambas sabemos que os nossos maridos são bom companheiros de bebida, mas não os quero imaginar embebedados na noite de Consoada! (É claro que estou a brincar, tragam o que quiserem! O que estou a dizer é para não se incomodarem porque deste lado está tudo tratado). Conheço um sítio fantástico para comprar o bacalhau, e tenho a certeza que o vão adorar. Espero que tu e o Ron gostem de bacalhau cozido. Aqui por casa é tradição, e o Tom faz mesmo questão. Eu já me habituei, mas se quiserem sempre podemos fazer uma bolonhesa para vocês! E se se sentirem mais confortáveis podem trazer toalhas de banho e lençóis, mas garanto-vos de que não é preciso. Eu e o Tom comprámos um serviço de toalhas turcas maravilhoso no Verão.

A verdade é que, como deves calcular, não te escrevo para falar de toalhas turcas mas sim de outro assunto. Venho pedir-te um favor, a ti e a Ron. Preciso que participem numa pequena conspiração familiar. Deixem-me explicar-vos:

Como sabem, o nosso filho Stan vem sempre passar o Natal cá a casa. Ele tem 27 anos e um emprego fixo numa empresa de publicidade em Narowbi, e é muito bem sucedido. Mas para nós a família sempre foi o mais importante, pelo que Stan tira sempre alguns dias de férias para vir passar a quadra natalícia connosco. Sabe-me muito bem ter o meu filho a dormir cá em casa, e como deves imaginar é muito importante para Tom estas pequenas coisas antes que seja tarde demais. Stan é um rapaz óptimo, e sempre apoiou muito o pai, até mesmo durante os tratamentos. Recebê-lo de volta a casa é um acontecimento importante, e tenho a certeza de que como este ano tu e Ron vão partilhar isso connosco terá um gosto ainda mais especial.

Falo-te de Stan porque ainda não tiveste oportunidade de o conhecer, e também por outra razão. Pauline, até tenho alguma vergonha em te estar a confessar isto, não quero ser mal interpretada. Amo imensamente o meu filho, e sempre o tratei com o máximo cuidado e carinho. Eu e Tom demorámos sete anos a conseguir ter um bebé. Não foi nada fácil, mas Stan veio ao mundo envolto no mais profundo amor. Cresceu debaixo das nossas asas, e vimo-lo tornar-se um homem atraente, honesto, trabalhador. Estamos orgulhosos do nosso filho, e amamo-lo muito.

Tenho que confessar que sempre fui uma mãe galinha, muito protectora e atenta. Stan nunca nos deu muitos problemas em miúdo, mas mesmo assim eu insistia na sua educação e segurança. A verdade, Pauline, é que vivia com pânico do mundo exterior, da rua, de que alguém de fora entrasse em nossa casa e violasse a inocência no meu menino. Talvez por isso ele seja hoje um homem tão doce: foi criado com todo o amor que lhe poderia alguma vez dar.

Não me orgulho particularmente das consequências dessa protecção exagerada. O Tom concorda comigo. Em muitas situações fomos demasiado severos e mimámo-lo muito, noutras exageramos na protecção. A verdade é que o mal está feito, e só me resta pedir-te que me compreendas e apoies.

O Stan ainda acredita no Pai Natal. Desde os seus dois anos de idade que lhe falávamos do velho de barbas brancas que descia a chaminé, e todos os anos o víamos entusiasmado e nervoso, na noite do dia 24, à espera do Pai Natal. Colocava o sapatinho debaixo da árvore, e à meia noite certa escondia-se debaixo da cama com os olhos fechados, apavorado com a possibilidade de assustar o Pai Natal com a sua presença. Eu e Tom achávamos amoroso e mantínhamos a farsa, como é óbvio. Mas Stan cresceu, e por volta dos 12 anos eu e Tom interrogámo-nos se era normal o nosso filho ainda acreditar no Pai Natal. Falámos muito nisto, Pauline, acredita. Assustava-nos porque, para todos os efeitos, bastava um pouco de senso comum da sua parte para desmontar a farsa. A verdade é que ele se mantinha fiel à sua crença de infância, mesmo sendo gozado pelos colegas da escola. Pensámos em contar-lhe a verdade, mas Stan crescia e transformava-se num rapaz tão doce e sensível que tínhamos medo de lhe estragar o Natal e, pior, traumatizar indefinidamente.

O tempo passou, Pauline. Sempre que Stan vem cá a casa na noite de dia 24, às 11 e 50 sobe para o quarto e fecha a porta, pedindo que façamos o mesmo. Tom sempre encontra uma desculpa para ir ver qualquer coisa à sala, altura em que deixa os presentes debaixo da árvore; e quando descemos depois da meia noite, nem imaginas a expressão de magia e surpresa na cara de Stan ao ver os embrulhos. Dói-me o peito de pensar como Stan pode ser ingénuo e inocente, mas não será isso melhor do que ser desapontado? Ver que o Pai Natal não passa de uma mentira infantil? Que consequências terríveis poderia isso ter num rapaz ainda jovem e tão sensível como ele? Morro de medo só de pensar, Pauline.

Por isso te peço: na noite de 24, sobe connosco para o quarto, finge esperar pelo Pai Natal, finge surpresa quando vires os embrulhos, e transmite esta mensagem a Ron. Espero que me compreendam e que desculpem esta mãe galinha. Fariam isso pela nossa amizade, certo?

Façam boa viagem e conduzam com cuidado. Se tiverem dificuldade em encontrar a nossa rua liguem-nos imediatamente, e Tom irá buscar-vos onde estiverem.

Um grande beijo para ti e para Ron

Com todo o amor,
Celine


***


Querida Pauline,

Peço desculpa por estar a escrever-lhe quando nem sequer me conhece, mas tenho a certeza que já ouviu falar de mim tanto quanto eu ouvi falar de si.

O meu nome é Stan, e sou filho de Tom e Celine. Sei que vamos passar o Natal juntos em casa dos meus pais, pelo que nos vamos conhecer em breve. Não podia, no entanto, deixar de lhe dar uma palavrinha.

Venho pedir-lhe um favor. A situação é no mínimo caricata, e espero que me consiga fazer entender. Garanto-lhe que não é uma brincadeira; eu sei que parece, mas não é.

A minha mãe sempre me tratou com todo o carinho e desproporcionada preocupação, o que resultou em muitos momentos humilhantes para mim. Mais do que beneficiar a minha segurança, esta educação tão cuidada fez com que a minha querida mãe criasse à minha volta um escudo invisível de todos os perigos exteriores que só ela via e sentia, e tenho a certeza que o fez com as melhores das intenções e movida por um pavor enorme de me perder.

Uma das consequências desta educação tão exageradamente preocupada foi o facto de a minha mãe, na sua inocência e cegueira de mãe babada, achar que eu ainda acredito no Pai Natal.

Sendo uma grande amiga da minha mãe, com toda a certeza sabe o quanto ela é frágil e inocente, especialmente quando confrontada com a doença do meu pai. A sua necessidade de proteger aqueles que ama consumiu-a de uma forma tão avassaladora que ainda mantém este tipo de fantasias, como se eu ainda tivesse seis anos e ainda vivesse naquela casa. Não digo isto com tom de crítica, pelo contrário: amo a minha mãe, e só lhe quero o maior bem. Por isso mesmo lhe venho pedir, Pauline, que me ajude. Na noite de 24, finja-se entusiasmada com a “chegada” do Pai Natal, e simule entusiasmo ao ver os presentes. Eu e o meu pai somos da opinião que a descoberta da verdade seria demasiado violenta para a pobre Celine. Há anos que mantemos esta pequena farsa, pelo que lhe velho pedir em meu nome e em nome do meu pai que nos ajude a enganar a minha mãe por uma boa causa.

Acredite que fazendo-o dará uma alegria à nossa Celine que não pode ser sequer imaginada.

Agradeço-lhe desde já a atenção e (por favor) a ajuda

Com carinho
Stan

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1 comentário:

Paulo39 disse...

Mais um momento de imaginação fértil "à Renato" :D
Um dia destes tens de fazer uma compilação e editar um livro. Não estou a brincar!