quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A propósito de infantilidades

A globalização das redes sociais trouxe uma possibilidade fantástica: a possibilidade de termos meio mundo à distância de uma mensagem online. A potencialidade é enorme e, tal como todos os serviços potencialmente bons início de carreira, estupidamente mal aproveitada. As modas, as mediocridades e os passatempos idiotas multiplicam-se como vírus, para experimentar a novidade e ver se essa coisa da globalização funciona mesmo.
Prova disso é que alguém se lembrou de meter toda a gente a substituir as suas fotografias de perfil por imagens de desenhos animados da sua infância. O objectivo, ao que parece, é recordar. Em massa e aos milhares, os utilizadores do Facebook entraram na onda da brincadeira e agora é impossível visitar o Facebook sem compreender que a maioria dos nossos amigos perdeu realmente alguns minutos de vida a escolher um boneco animado. A preocupação estendeu-se até ao grau de afinidade emocional entre o utilizador e o boneco representado, e as óbvias tentativas de manter a coisa diversificada (não ficaria nada bem ver 30 Doraemons amontoados).
E assim se espalhou uma moda inútil, cuja diversão só pode ser compreendida por quem dela fez parte mas que, para mim, é nula. Fora a estereotipada noção de "agora pertenço a um grupo", e, claro, a oportunidade de poder trocar mais uma dúzia de comentários diários da treta com os nossos 45 amigos íntimos ("Ah ah ah, boa escolha!" ou "Mas afinal quantos estrumfes é que havia?"), são factores que entram na equação.
O que me preocupa ligeiramente não é a idiotice generalizada a tomar conta da Internet, muito menos ver um motor de partilha de informação supra-eficiente ser usado, durante uma semana inteira, maioritariamente para comentar desenhos animados dos anos 80. O que me preocupa é que antigamente, este tipo de passatempos não passava de uma mania de adolescentes infantis, que provocavam um sorriso aos paizinhos e uma pequena nostalgia. "No meu tempo também eu perdia tempo com porcarias, era tão giro".
As brincadeiras de crianças são, agora, brincadeiras de adultos. O Facebook veio fazer o que nenhum hi5 ou nenhum MSN conseguiu: meter tantos adultos como jovens a usar uma rede social, independentemente da sua formação académica, QI, género, idade ou profissão. E o que antes eram brincadeiras e vídeos virais indicados para a geração mais nova e "infantil" é agora a norma social para toda a gente. Banalizam-se as brincadeiras idiotas, os adultos entram no jogo porque "é divertido", e o que podia ser uma ferramenta de comunicação, sensibilização, educação, partilha de informação e estimulação criativa fica reduzida a meia dúzia de parvoíces.
Pior, essas parvoíces ocupam horas na vida de muita gente. "Antigamente" eram os jovens os preguiçosos sedentários por passar horas ao computador, a "falar com os amigos"; e hoje, essa mania chegou aos pais e até aos avós. O que era uma mania de juventude, mal vista e até criticada, é agora glorificada e socialmente aceite como "a norma". Por outras palavras, a mediocridade voluntária está a ser glorificada; não necessariamente pela juventude e criançada cujas características comuns normais, devido à idade, incluem uma certa infantilidade, mas sim pelos pais e adultos que, graças à idade, deviam ter prioridades mais urgentes e sérias.
A linha que separava a idade adulta da idade jovem e infantil desvaneceu-se, porque os jovens querem imitar os adultos e (pior, por ser incompreensível), os adultos querem imitar os jovens. Na linguagem, nos smiles, nas músicas, nos passatempos, nas diversões. E o mundo de "antigamente", em que, aos 18 ou 19 anos, havia uma mudança progressiva no pensamento do adolescente (que ganhava maturidade, interesses mais estimulantes, prioridades mais cuidadas), vai desaparecer e dar lugar a um mundo onde o expoente máximo de diversão e tempo bem gasto é igual para um adulto e para uma criança de nove anos. Democrático, sem dúvida. E "divertido". E assustador, também. Muito assustador.
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