terça-feira, 23 de novembro de 2010

Smith e as Sereias - episódio 33

Orlando Matias, o jornalista peixe-espada, mostrou a sua identificação à entrada e abriu caminho pelos polícias à entrada do Palácio. Uma enorme multidão reunira-se à volta dos jardins, segurando cartazes. Os rumores que indicavam que a bomba tinha tido mão atlante correram depressa, bem como a notícia da viagem do submarino Nautilus.

- Paz sim, Nautilus não! – gritavam os manifestantes, em histeria emotiva. Numa massa indistinta, com barbatanas, cartazes e escamas a roçarem uns contra os outros, forçava a entrada no palácio. As figuras da autoridade, com enormes conchas e búzios presos aos braços e usados como escudos, procuravam empurrar os manifestantes.

- Olhem! Olhem para isto! – berrou um peixe azulado, atirando-se para os pés de um dos polícias – estou a ser violentado! Isto é fascismo!

- É verdade, eu vi! – gritou uma medusa, de fita à volta da cabeça – O polícia é que o empurrou!

- Não seja fiteiro. Levante-se imediatamente e desimpeça a via pública – resmungou o capitão dos polícias para o manifestante.

- Está a obrigar-me a fugir e assim a esmagar as minhas liberdades individuais! Típico da sociedade de guerra em que vivemos!

- Há que compreender – dizia uma manifestante a um jornalista – Que a verdade por trás desta suposta viagem no Nautilus está escondida. Querem apenas a opressão dos povos e a destruição das minhas liberdades! Onde acha que eles vão? Vão provocar guerras!

- De que forma? – perguntou a jornalista.

- Não se está mesmo a ver? – a manifestante apontou para os polícias – Eles têm armas! Se têm armas, é porque vão armar escarcéu. E se vão armar confusão, é com certeza num país desfavorecido onde há muitas crianças pobrezinhas e esfomeadas a correr pela rua. E depois fazem tiro ao alvo com as criancinhas. Toda a gente devidamente informada sabe disso! É para isso que eles querem as armas!

- Mas nãos serão elas necessárias para repor a ordem pública? – perguntou a jornalista.

- Claro que não! Se as liberdades de cada um fossem respeitadas, não seria preciso qualquer tipo de autoridade! E para melhor demonstrar o quando amamos a paz e a justiça social, vamos ali partir a montra e queimar dois carros de pessoas totalmente inocentes.

- Ai, ai, ai! – gritava o peixe azulado, estendido a contorcer-se no chão – Tenho uma unha encravada! Ela está a esmagar a minha liberdade individual de não ter unhas encravadas! São com certeza os capitalistas!

***

- Nervoso? – perguntou Ariel.

- Eu? – resmungou Smith – Nem por isso. Estou a começar a ficar habituado a aventuras surpreendentes e que desafiam qualquer regra de um enredo bem cuidado.

- Também eu – disse Jack – Queres ajuda com a mala?

- Não, obrigado – respondeu Lilith, com um sorriso derretido.

Estavam os quatro no convés do Nautilus. A tripulação, à sua volta, corria com eficácia bem ensaiada, ocupando posições, carregando em botões, puxando alavancas, obedecendo a ordens e trocando curtas e murmuradas informações sobre cargas eléctricas, humidades, valores de pressão e localizações geográficas. Olharam em volta. Mesmo para Jack, a maravilhosa decoração do espaço era novidade, visto que a primeira, última e única vez que ali estivera fora ocupada a ameaçar a vida a um tripulante.

Havia um enorme cuidado em copiar aqueles salões franceses do séc. XVIII, estilo rococó, com conchas, algas, animais marinhos, motivos vegetalistas e tons suaves de azul, verde, vermelho e branco, bem como formas curvilíneas e exóticas a cobrir o tecto e as paredes. Mesmo os aparelhos, tecnologicamente avançados, estavam pintados com tons verdes e azuis que sempre associamos ao fundo dos oceanos.

O Capitão Nemo aproximou-se do grupo com a sua típica cara de frete.

- Bem vindos ao Nautilus. Os vossos quartos são na ala Oeste, junto à Biblioteca.

Estendeu a mão à sua frente e revelou quatro flyers coloridos.

- Este é o nosso guia. O Nautilus é uma construção enorme e complexa. Há áreas proibidas, áreas que não devem frequentar e áreas que, se frequentadas, significará a vossa morte imediata.

- Podemos usar a casa de banho e a cozinha? – perguntou Smith, levantando a mão como um miúdo na escola.

- Obviamente que sim.

- A mim, chega-me – Smith sorriu e cruzou os braços.

- Não queremos incomodar, Capitão Nemo – disse Ariel educadamente – Sabemos que não costuma dar guarida a ninguém no seu submarino e que este é um enorme voto de confiança da sua parte.

- A quem o dizes, Ariel – resmungou o Capitão Nemo – E tu – apontou para Jack – Vens comigo.

- Eu?

- Combinámos que serias o meu assistente pessoal.

- Ah, sim, claro. Como quiser, Capitão.

- Quanto a vós, podem ir a uma das janelas despedir-se do Palácio – sugeriu o Capitão – Vamos passar uma longa temporada longe dele.

Ariel e Lilith dirigiram-se a uma das janelas e colaram a cara ao vidro. Smith pôs a mão sobre o ombro de Jack.

- Não te preocupes. Se te acontecer alguma coisa de mal é só gritares. Irem imediatamente à tua presença e apoiar-te-ei moralmente quando estiveres a ser espancado pela tripulação que te odeia. Se eles não forem muitos posso tentar meter-me, mas não podes esperar que me suicide por tua causa.

- Obrigado, Smith – murmurou Jack. Despediram-se com um aceno e Jack seguiu o Capitão por uma porta de ferro.

- Lá vão eles – disse Smith, aproximando-se de Lilith e Ariel.

- Achas que ele fica bem? – perguntou Lilith – Não que tenha perguntado por alguma razão em especial. É só mesmo por curiosidade. Mesmo.

- Claro que ele vai ficar bem – disse Ariel, colocando um braço à volta da irmã – Esta viagem vai ser belíssima. Vamos visitar outros países, viver aventuras calmas e aconchegantes, e nada, absolutamente nada de mal nos vai acontecer.

- Sabes – disse Smith, pensativo – Acho que não é a primeira vez que um episódio termina com uma profecia desse tipo. E normalmente elas nunca se realizam.

- Claro que não. Chama-se “conflito” – respondeu Ariel – O autor desta história deve andar a ler alguma literatura sobre como montar enredos interessantes.

- Finalmente – resmungou Smith, olhando também pela janela – já não era sem tempo.

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