segunda-feira, 25 de julho de 2011

Duzentos e dezasseis


Bem, aqui estamos.
A última árvore de pé na floresta.
Até os insectos me abandonam com a desculpa de que ficaram sem ecossistema sustentável, e outras baboseiras ambientalistas.
Onde estão os tipos verdes para se amarrar ao meu tronco?
E, a propósito… Onde está a escavadora ou a serra que me vai ceifar a vida e arrancar as minhas raízes da terra?
As minhas colegas caíram todas, levadas pela fúria capitalista de algum magnata da construção. Ou se calhar foi para fazer papel. Viva a revolução digital!
O vento está calmo, hoje… Não me lembro de o sentir assim. Tinha sempre outros troncos maiores que eu à minha volta. Era, aliás, motivo de chacota por parte das outras árvores. “Uh, vê lá se te ramificas!”, “Cuidado, não pisem o arbusto!”. Agitavam-se ao vento, todas contentes, elas que lá na orla faziam uma fotossíntese maravilhosa e eficiente. Cá em baixo, reduzida, buscava dióxido de carbono e vertia oxigénio de vez em quando. Já que vivo no pulmão do planeta tenho de fazer pela vida alheia.
Sendo assim, bem vistas as coisas, estou feliz. As árvores maiores foram todas à vida; apesar de “ir à vida” ser uma expressão extremamente paradoxal. Como podem morrer e ir à vida ao mesmo tempo? Haverá vida após a morte para nós árvores e plantas, que segundo todas as teologias e visões filosóficas nem alma nem dores temos? Somos, inclusive, abaixo de animais. E pensar que um bode tem, na hierarquia do mundo, mais direitos do que eu!
Elas vão-se. Cortadas. Ouvi-as choramingar, os seus raminhos em queda agitando-se em pânico perante a força apoteótica da serra eléctrica e dos gritos dos trabalhadores empilhando troncos. Não sei disso porque sou uma árvore e nunca saí do meu canto da floresta: mas o espectáculo é em todo semelhante ao extermínio dos judeus, amontoados como troncos de árvores secos numa poça de lama. Se tivermos em conta a Vida como valor uno, onde está verdadeiramente a diferença?
Sabe-se lá para onde irei, se é que irei. Onde estão os homens para me cortar? Ninguém me tenta salvar, mas também ninguém me tenta mandar abaixo… Serei assim tão insignificante?
As outras foram-se todas mas fiquei eu, sozinha. Sinto-me solitária e melodramática. Onde está o sentido da vida?
Haverá, sequer? Como posso buscá-lo se não tenho o luxo das pernas ou das asas?
Um pássaro poisa num dos meus ramos, olha-me desconfiado, bica-me procurando insectos, não pára para fazer ninho e esvoaça para longe. Vai à procura de uma floresta de pé.
 
http://creativewritingprompts.com/

Sem comentários: