segunda-feira, 11 de julho de 2011

Samora 23


Soube logo que Samora apreciava a escrita e prezava a sua biblioteca pessoal acima de qualquer outra das suas posses. Por lá passava a maior parte do dia, imerso em livros antigos que folheava sem sequer ler em pormenor, parando aqui e ali para espreitar uma passagem, dedilhando as ilustrações e os pequenos defeitos nas páginas velhas. Outras vezes sentava-se de frente a uma estante e ficava de olhos semi-abertos, como que hipnotizado pela beleza das lombadas. Via nelas a composição de uma abóbada celeste, com as suas estrelas cada uma tão bela como as colegas e no seu conjunto formando constelações de significados e de brilhos constantes. Penso que se Samora alguma vez amou algo foram os seus livros. E Sara, claro. Sempre Sara; que a propósito, salvo raríssimas excepções, nunca vi pegar num livro. Muito menos lê-lo. E só esse facto pesava em Samora como se a sua potencial esposa fosse portadora de uma compreensiva mas incapacitante deficiência qualquer.

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