domingo, 31 de julho de 2011

Samora 33


- Contei-lhe que sou estéril? – perguntou-me duas semanas depois, com enorme descontracção.
- Nunca.
- É verdade – observava o exterior da casa pela janela – Aos trinta anos fiz uma vasectomia, ou como prefiro chamar-lhe, uma redundância. Ah ah! – uma das suas gargalhadas secas e sinceras, depois uma pausa longa – Sara nunca quis ter filhos, de qualquer forma. Disse-me um dia, Não quero ter filhos nunca. Perguntei-me se era algo pessoal, e ela respondeu, Não é pessoal contra ti, é pessoal contra mim. Ficámo-nos por ali. Eu fui fazer uma vasectomia no dia seguinte.
- Mas era estéril.
- Daí a redundância. Não me chegava não ter filhos uma vez, tinha de não tê-los uma segunda.
Hoje penso que, caso aquele estranho episódio da vasectomia fosse verdade, tratara-se apenas de mais uma manobra de auto-controlo por parte de Samora. A sua castração, voluntária, suplantava a esterilidade biológica, involuntária e irreversível. A decisão final era sua, mesmo que a Natureza já tivesse decidido por ele antes. Samora precisava de ter sempre a última palavra, sobre o mundo, sobre o seu corpo. Controlo total. Nenhum tipo de imprevisibilidade. 

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