Um ciborgue foi ontem à noite à Fundação Champalimaud contar a sua história (clique aqui para ler a notícia). As
pessoas não sabem, mas antes de Neil Harbisson ser reconhecido como primeiro
ciborgue na História já existiam muitos como ele. Onde? Em Matosinhos, pois
claro. Foi lá que nasceu a Associação de Ciborgues Portugueses. Sempre na
vanguarda das coisas que estão em vanguarda, o Trajectória Aleatória foi
entrevistar Mourato Sousa, ciborgue sócio-fundador da Associação.
Sr.
Mourato Sousa...
Mourato
Sousa SB-34, se faz favor.
Diga?
Mourato
Sousa SB-34 é o meu nome completo. É por ser ciborgue. E por haver outros
Sousas e outros Mouratos na minha rua.
Sr.
Mourato Sousa SB-34, o senhor é sócio fundador de uma associação bastante
original
Original
não. Só para vocês que vivem um bocado desactualizados lá na capital. Aqui em
Matosinhos isto dos ciborgues já é normal. Ali no café do Robocop...
Não
se fala de outra coisa.
Claro
que se fala. Do Benfica, do Sporting, de gajas, por isso mesmo: os ciborgues
são tão normais que já ninguém fala deles. É um bocado como os maricon, quer
dizer, os homossexuais. Ciborgue que é cigorgue sente-se em casa em Matosinhos.
É aliás a única cidade do mundo, ou pelo menos do distrito do Porto, em que um
ciborgue pode de facto experienciar ser ciborgue à vontade.
Que
significa experienciar ser um ciborgue?
Olhe,
ser ciborgue não é só ter partes de máquinas no corpo, é uma filosofia de vida,
você não tenha a mais pequena dúvida. Isto porquê? Porque as máquinas também
possuem sentimentos. Um carro que não pega, por exemplo, é logo uma chatice...
É de
facto uma situação aborrecida, a pessoa chega atrasada aos compromissos...
Ora
aí está: é a visão antropocentrísticóide que o ser humano tem do mundo actual.
Os ciborgues estão mais à frente. Para nós um carro que não pega não é um
aborrecimento, é uma chamada de atenção. Aquele veículo não está bem. Terá
frio? Falta-lhe óleo? Andam a forçar-lhe as mudanças? Ou entraram com ele numa
auto-estrada quando só pode circular em vias equiparadas? Um ciborgue dá por si
a reflectir por aí fora que nem louco. Só para ter uma ideia de como isto é uma
actividade intensa: o meu António quer tanto ser ciborgue como o pai que no
outro dia fui apanhá-lo a conversar com o aspersor do vizinho. Até lhe dei uma
antena para pôr atrás da orelha. É que felicitei-o mesmo.
Mas
como é que uma pessoa se torna ciborgue?
Outro
mal entendido: uma pessoa não se torna ciborgue, ela tem de nascer e crescer já
com uma certa apetência. Eu por exemplo fui criado por uma mãe que era possessiva
e por um pai que era negligente. Ora, a minha infância foi passada debaixo de
paninhos quentes e de cobertores para não apanhar correntes de ar, para não
isto, para não aquilo. Não mexi uma palha até aos 19 anos. Fiquei fraco como um
pintainho e o meu coração não aguentou a chegada dos cinquenta. Tive de pôr um
pacemaker.
E é
por isso que se considera um ciborgue?
Era
o que mais faltava, senão qualquer paspalho virava ciborgue da noite para o
dia. Ter pacemaker não chega porque ser ciborgue também tem um pouco de
colecionismo. Nos últimos sete anos fiz mais de vinte e duas aplicações. Tenho
quatro chips de localização para cães debaixo da pele, uma tíbia de titânio,
uma chapa de metal na cabeça e um mini-rádio a pilhas no molar. De cada vez que
mordo uma peça de fruta mais rija começo
a ouvir Romântica FM.
E
que tipo de vantagens há em pertencer à Associação de Ciborgues Portugueses?
Ui, tantas.
Primeiro temos óleo com desconto. O Fernandes, que é o dono da oficina e também
é ciborgue desde 97, é o principal fornecedor na grande área metropolitana de
Matosinhos. Depois olhe, há viagens de convívio a sucateiras, sessões culturais
com os filmes do RoboCop e campeonatos de dominó. Um ciborgue em Matosinhos só
não tem o dia ocupado se quiser.
Mas
ser ciborgue não é só vantagens
Oh
meu amigo, perfeição só Terminator Nosso Senhor. Você não imagina o que eu
sofro em dias húmidos, fico todo marreco. Além disso, faço interferência com os
electrodomésticos. A minha senhora não pode usar o microondas enquanto não me
for deitar. E ímanes? Naqueles dias mais chuvosos fica aquela
electricidadezinha no ar e chego a casa coberto de talheres e pedaços de ferro.
Os estúpidos dos putos humanos cá de Matosinhos até se divertem a fazer tiro ao
ciborgue: esfregam-nos com um pedaço de algodão para fazer electricidade
estática e depois cospem-nos papelinhos em cima. É uma situação que a
Associação está a tentar corrigir, nomeadamente com represálias ao nível de
tabefes.
Como
é que a sociedade vê os ciborgues?
Com
os olhos. Eu não, eu vejo a sociedade com um monóculo incorporado na córnea.
Tem zoom de 25x que é uma maravilha para poder ver as ciborgas todas destapadas
em dias de mais calor. Mas não diga nada à minha senhora. Esse gravador não
está ligado, pois não?
Não,
não
(tiriri,
tiriri, tiriri)
Oh, espere
lá (carrega na bochecha) Tou? Carlos Marco 4R? Então, meu bandalho, disseste
que me ias buscar líquido de limpeza para o ecrã da tua prima e ainda não
voltaste. O quê? Mas isso é um escândalo!
Que
se passa?
É o
meu filho Carlos Marco 4R. Está na conservatória do Porto. Você acredita que
não o deixam casar com a namorada?
Por
ser ciborgue?
É
para ver como esta gente é mesquinha. Ainda por cima o véu ficava tão bem em
cima dela... Oh Carlos Marco 4R, volta lá com a Bimby para casa que eu ligo ao
Padre Nuno B-67. Meu amigo lamento imenso mas vou ter de terminar a entrevista.
Muito
obrigado pelo tempo concedido
Ora
essa. E como forma de agradecimento por nos ajudar a divulgar o ciborgue
português leva aqui um frasquinho de óleo tradicional de Matosinhos e uma
calculadora a energia solar. E dê-me aí o seu e-mail, para depois lhe enviar em
PDF o galhardete da nossa Associação.
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