sexta-feira, 4 de maio de 2012

O Trajectória Aleatória foi ao Pingo Doce


Boa tarde. Ora, diga-me lá como lhe está a correr a tarde.

Meu amigo, isto é um escândalo.

Então?

Acabaram-se os iogurtes. 


E agora?

Agora vou ali dar porrada ao gajo que ficou com os Danones de Pedaços. Ah, e outra coisa: a segurança disto tá mal organizada, os clientes não se sentem seguros no meio desta confusão.

 O que vai fazer agora? 

Vou aproveitando pra encher o carrinho enquanto estou à espera para pagar. Outro escândalo: isto está a demorar horas. Olhe para todos estes selvagens à minha frente, com os carrinhos cheios. Que tristeza. É o país que temos. 







Este repórter tentou entrevistar o dono de uma mercearia de bairro a fim de obter a sua opinião sobre os descontos nas grandes superfícies e a morte do comércio tradicional, mas encontrou a loja fechada por ser feriado.





Boa tarde.

Boa tarde.

Qual a sua opinião quanto às intervenções da polícia?

Acho que foram imprescindíveis para manter as portas bem fechadas e o trânsito a circular.

Então e a violência?

A violência?

Sim.

Qual violência?

Não viu violência nenhuma?

Assim violenta? Não.

Foi sequer ao Pingo Doce?

Fui, claro que fui. Mas não vi nada. Só nas notícias.

Ah, então sempre viu qualquer coisa.

Sim, vi no noticiário. Realmente tem razão, agora de repente sinto-me muito menos seguro. Ainda bem que sobrevivi.






Boa tarde, minha senhora.

Boa tarde.

Veio aproveitar os descontos?

Vim

Então e porquê?

Porquê? Acha que sou parva?

Não é isso; mas não sente que esta data foi mal escolhida pelo Pingo Doce?

A mim por acaso dava-me mais jeito ao Domingo, mas olhe, paciência.






Este senhor usa óculos, tem a barba por fazer e veste-se bem. Diga-me, é um intelectual de esquerda?

Sou sim senhor.

Boa tarde. Diga-nos lá como vê esta promoção do Pingo Doce.

É uma vergonhosa provocação em pleno Dia do Trabalhador. Estas vítimas da austeridade poderiam perfeitamente estar a lutar pelos seus direitos, mas não. Vieram comprar fraldas, refrigerantes e comida para o cachorro. Sabe porquê?

Por causa do desconto?

Não. Porque estão a morrer de fome. É isto que o capitalismo faz às pessoas.

Dá-lhes descontos para que não morram de fome?

Não, não, é ao contrário. O capitalismo humilha-as. Olhe para aquela tristeza.

(o entrevistado aponta para uma família sorridente, que vem de carrinho cheio a sair do Pingo Doce)

Aquelas pessoas estão mortalmente humilhadas, repletas de desespero, sodomizadas economicamente. É a globalização.

Eles vão a sorrir e a partilhar um pacote de bolachas...

É porque estão a morrer de fome, caramba. Você não percebe a verdadeira realidade do país.


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