Boa tarde. Ora, diga-me lá como lhe está a correr a tarde.
Meu amigo, isto é um escândalo.
Então?
Acabaram-se os iogurtes.
E agora?
Agora vou ali dar porrada ao gajo que ficou com os Danones
de Pedaços. Ah, e outra coisa: a segurança disto tá mal organizada, os clientes
não se sentem seguros no meio desta confusão.
Este repórter tentou entrevistar o dono de uma mercearia de
bairro a fim de obter a sua opinião sobre os descontos nas grandes superfícies
e a morte do comércio tradicional, mas encontrou a loja fechada por ser feriado.
Boa tarde.
Boa tarde.
Qual a sua opinião quanto às intervenções da polícia?
Acho que foram imprescindíveis para manter as portas bem
fechadas e o trânsito a circular.
Então e a violência?
A violência?
Sim.
Qual violência?
Não viu violência nenhuma?
Assim violenta? Não.
Foi sequer ao Pingo Doce?
Fui, claro que fui. Mas não vi nada. Só nas notícias.
Ah, então sempre viu qualquer coisa.
Sim, vi no noticiário. Realmente tem razão, agora de repente
sinto-me muito menos seguro. Ainda bem que sobrevivi.
Boa tarde, minha senhora.
Boa tarde.
Veio aproveitar os descontos?
Vim
Então e porquê?
Porquê? Acha que sou parva?
Não é isso; mas não sente que esta data foi mal escolhida
pelo Pingo Doce?
A mim por acaso dava-me mais jeito ao Domingo, mas olhe,
paciência.
Este senhor usa óculos, tem a barba por fazer e veste-se
bem. Diga-me, é um intelectual de esquerda?
Sou sim senhor.
Boa tarde. Diga-nos lá como vê esta promoção do Pingo Doce.
É uma vergonhosa provocação em pleno Dia do Trabalhador.
Estas vítimas da austeridade poderiam perfeitamente estar a lutar pelos seus
direitos, mas não. Vieram comprar fraldas, refrigerantes e comida para o
cachorro. Sabe porquê?
Por causa do desconto?
Não. Porque estão a morrer de fome. É isto que o capitalismo
faz às pessoas.
Dá-lhes descontos para que não morram de fome?
Não, não, é ao contrário. O capitalismo humilha-as. Olhe
para aquela tristeza.
(o entrevistado aponta para uma família sorridente, que vem
de carrinho cheio a sair do Pingo Doce)
Aquelas pessoas estão mortalmente humilhadas, repletas de
desespero, sodomizadas economicamente. É a globalização.
Eles vão a sorrir e a partilhar um pacote de bolachas...
É porque estão a morrer de fome, caramba. Você não percebe a
verdadeira realidade do país.
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