Sobre o que é uma das mais lidas notícias do dia? Economia, finanças, crise europeia, futebol?
Não; massa encefálica à mostra. A
notícia tem o prometedor título: “Facebook pede desculpa a pais depois de
retirar imagens do filho que nasceu com malformações”.
Contexto:
Ficamos
por aqui ou levamos isto ao extremo? Na dúvida, o Trajectória Aleatória
apresenta com relativo orgulho e superficial desprezo pelos apreciadores do
politicamente correcto uma transcrição exclusiva das conversas entre os
intervenientes deste caso.
(pais
descobrem que criança está basicamente condenada a uma curta e dolorosa
existência)
Pai:
Oh que chatice, então e agora?
Mãe:
É assim, eu gostava de ficar com uma recordação do Grayson James. O melhor é
trazê-lo ao mundo e aproveitar enquanto ele ainda respira para tirar umas fotos
bonitas.
Pai:
Parece-me perfeitamente racional. Vou comprar as molduras.
(Nove
meses depois a criança vem ao mundo com o cérebro exposto e outras maleitas. Durante
as oito horas de vida tem a apoteótica sensação de ser a estrela da companhia,
sendo visitada por um fotógrafo profissional)
Mãe:
Falta aqui qualquer coisa...
Pai:
Não te chega já teres estas fotos? Olha como ele ficou particularmente disforme
nesta aqui! Que fofo!
Mãe:
Estou aqui ofendida com qualquer coisa que não sei bem o que é...
Pai:
É por causa das molduras? Disseste que gostavas de laranja.
Mãe:
Não é isso... Espera, passa aí o Grayson James.
(a
Mãe tira uma fotografia da criança sem gorro, exibindo o cérebro exposto)
Pai:
Queres mais luz? Posso acender o candeeiro.
Mãe:
Não é preciso, daqui consigo apanhar perfeitamente o lóbulo frontal.
(Entretanto
a criança perece)
Mãe:
Oh, bolas, agora estou de luto e é desagradável.
Pai:
Como queres lidar com isto? Psicólogo? Decorar molduras com massinhas?
Mãe:
Não. Sinto que devíamos partilhar com todos os nossos amigos o cérebro exposto
do pequeno. Só assim poderemos honrá-lo.
Pai:
Faz-se uma festinha temática e projectam-se as imagens.
Mãe:
Não me chega, continuo ofendida.
Pai:
Podemos enviá-las por e-mail para todos os nossos conhecidos.
Mãe:
Só para os nossos conhecidos? Tens vergonha dele, é?
Pai:
E que tal se puséssemos as fotos no Facebook, para TODO o mundo ter acesso a
elas?
Mãe: Traz o portátil.
Pai:
E que faço com as molduras?
(Reunião
dos chefes do Facebook. Mark ainda está de lua de mel, pelo que a equipa é
liderada por Chefe do Facebook 1 e Chefe do Facebook 2)
Chefe
do Facebook 1: Ok, fica então decidido que a timeline foi uma óptima ideia e
que de futuro temos de dificultar ainda mais a vida aos nossos utilizadores.
Próximo tema: fotografia de um bebé com cérebro à vista.
Chefe
do Facebook 2: Que coisa terrível!
Chefe
do Facebook 1: Concordo. Tivemos aliás várias queixas de utilizadores quanto ao
conteúdo de uma imagem na qual...
Chefe
do Facebook 2: ... um inocente e belíssimo corpinho de bebé é mostrado de forma
pura e natural.
Chefe
do Facebook 1: Mas o bebé tem o cérebro à mostra...
Chefe
do Facebook 2: Não; o que está exposto é
o amor dos pais por aquele filho.
Chefe
do Facebook 1: Na forma de um cérebro?
Chefe
do Facebook 2: E qual é a diferença entre um encéfalo destapado e um pezinho
descalço, ou uma mãozinha a agarrar o dedo do papá, ou a boquinha a bocejar? Faz
tudo parte do bebé, e os bebés são em tudo fofinhos.
Chefe
do Facebook 1: Discordo totalmente e acho que é uma falta de respeito para com o
bebé e para com os nossos utilizadores...
Chefe
do Facebook 2: A questão é mesmo essa. Poderemos nós, uma empresa multinacional
e com responsabilidades perante os nossos usuários, evitar que uma senhora
utilize gratuitamente os nossos serviços para fazer chegar a todo o mundo uma
criança com a massa encefálica toda para fora?
Chefe
do Facebook 1: Epa, eu acho que sim.
Chefe
do Facebook 2: Seu insensível.
(de
regresso a casa dos pais)
Pai:
Olha querida, a exploração do nosso filho deu frutos! Podemos continuar a pôr
imagens deles online!
Mãe:
Nem outra coisa se esperaria. Onde já se viu ter de respeitar o bem estar das
outras pessoas? Passa-me o portátil.
Pai:
Obrigado por continuares a ignorar as molduras que te comprei.
Mãe:
De nada.
Pai:
De nada?
Mãe:
Queria dizer que elas são lindas, amorzinho.
Fim
(ia
dizer que a história tem um final aberto, mas achei que arriscar essa piada já seria demais)
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