sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Paradigma do Astrólogo


Vamos ser claros: toda a gente está igualmente sem qualquer pista sobre como lidar com a actual situação mundial. Todos concordaram em chamá-la de “crise” e insistem em repetir os mesmos chavões: é preciso crescimento, o desemprego é feio, há que estimular a economia. Em suma: é preciso uma “mudança de paradigma”; o que é o equivalente político e económico às respostas que encontramos nos horóscopos.


O melhor astrólogo é aquele que produz previsões tão óbvias que qualquer leigo compreenda, e tão gerais que possam tornar-se realidade mais cedo ou mais tarde. Ora, isto significa, a meu ver, que estamos a ser governados por astrólogos políticos. Julgo que o actual Governo está a seguir determinado caminho que, a julgar pela Oposição, é mortal para todos. É necessário a tal “mudança”, o tal “compromisso”: mas o Governo não parece para aí virado, e a Oposição continua a berrar que as coisas não deviam ser assim. A discussão é generalizada, caótica e tão, mas tão genérica, que nunca chega a ser sobre nada em particular; tal como os horóscopos.

Isto é Portugal: um indivíduo a esforçar-se por fazer qualquer coisa que até pode nem resultar bem e cinco parvos a resmungar, à distância, que aquilo está tudo mal feito, sem que no final do dia o trabalho fique devidamente terminado. Vemos este paradigma nas obras públicas (em que um indivíduo cava um buraco enquanto outros assistem de pás na mão), no futebol (em que o treinador é chacinado pelos adeptos), nos empregos (em que um líder de equipa arca com as responsabilidades dos colegas incompetentes), nas escolas (em que o bom aluno faz sozinho o trabalho de grupo).

A este fenómeno, i.e., à capacidade de, através de diferentes estratégias, fingir que se está a dizer alguma coisa quando de facto não se faz coisa nenhuma, dou o nome de Paradigma do Astrólogo. Vejamos como funciona:

Assim que o político-astrólogo se atreve a fazer previsões ou sugestões específicas (por exemplo, que medidas específicas devem encabeçar essa “mudança”; que “paradigma” é esse que vem substituir o actual; que ferramentas específicas vão fazer “crescer a Economia”) o risco de fazer figura de parvo aumenta substancialmente. Isto deve-se ao facto de:

- Não estar a fazer previsões com base num talento divinatório real

- Caso errem nas suas previsões, o seu estatuto de astrólogo é substituído pelo de fraude

A solução encontrada é aquela a que dou o nome de Generalização: quando lemos um horóscopo que nos diz que “Hoje vai ter sorte no dinheiro”, somos imediatamente levados a deduzir que quer uma vitória no Euromilhões quer o feliz encontro com uma moeda abandonada tornarão a previsão credível a posteriori. Da mesma forma, os políticos não se atrevem a propor nada de concreto. Os especialistas (leia-se, os melhores astrólogos) são os partidos de Esquerda, que encabeçam um discurso que se resume a frases como “Temos de proteger os trabalhadores” ou “O desemprego é um flagelo social”; afirmações tão úteis como uma previsão astrológica que nos diga que “Devemos ter cuidado com os fritos”.

Até eu, que não creio na astrologia, tenho de concordar com o astrólogo quando me diz que devo ter cuidado com os fritos; eu sei, e toda a gente sabe, que os fritos podem fazer mal. Passamos, portanto (e é isto que a Esquerda, e o Astrólogo, deseja acima de tudo) várias horas ou dias a discutir o quanto os fritos nos fazem mal. Formam-se comissões, abrem-se debates, vai-se à Assembleia. Só assim poderemos desviar as atenções do verdadeiro conteúdo da mensagem astrológica: ela não tem o mínimo significado prático. Porquê? Porque se toda a gente já sabe que os fritos fazem mal à saúde, torna-los motivo de conversa nacional só conduz a uma enorme perda de tempo.

Ainda assim, qualquer pessoa com juízo acaba por concordar com o que a Esquerda (e o Astrólogo) diz, simplesmente por tratar-se de algo tão óbvio que não pode ser refutado. Esta é a razão por que a Maya tem um programa de TV, ou porque o Bloco de Esquerda ou o PCP continuam a obter votos: muitas pessoas deliram no óbvio e toleram o vazio.

Este discurso da Generalização só funciona se o Astrólogo trabalhar para um jornal diário e não para um grupo específico de pessoas para as quais as suas previsões são imprescindíveis; isto é, a única razão por que os partidos de Esquerda existem é porque nunca foram, e se deus quiser nunca serão, os governantes do país. Só alguém totalmente afastado de qualquer responsabilidade poderia ter um discurso tão vazio.

A partir do momento em que o Astrólogo é colocado numa situação em que a sua resposta tem de ser clara e objectiva, ele passa a utilizar uma estratégia diferente da Generalização. Fica obrigado a proteger-se o melhor possível da sua própria aridez, procurando encontrar um equilíbrio entre as previsões credíveis e as previsões erradas que produz aleatoriamente. Por ser à sorte, a balança equilibra-se: a longo prazo, são tantos os trambolhões como as vitórias. A esta estratégia dou o nome de Tentativa e Erro.

A Tentativa e Erro é poderosa porque permite que o Astrólogo se justifique:

- Se a previsão for a correcta, o seu poder de adivinhação deve ser respeitado e levado a sério.

- Se a previsão for incorrecta, outras variáveis entraram em jogo: as estrelas não estavam alinhadas, os espíritos não falaram abertamente, as energias negativas na sala suplantaram as positivas. Em suma: o Astrólogo nunca tem a culpa dos seus insucessos, porque o Astrólogo nunca erra.

De forma análoga, o político pode sempre dizer que as coisas não correm como deve ser porque o governo anterior deixou a casa suja, porque a conjectura internacional não é a melhor, ou porque houve um tornado na Indonésia.

Em confronto, os dois tipos de Astrólogos (os que usam a Generalização e os que usam a Tentativa e Erro) nunca chegarão a qualquer consenso por duas razões. Para já, as duas estratégias funcionam bem individualmente mas contradizem-se quando postas em concorrência: enquanto o Astrólogo que Generaliza pretende manter a discussão no campo das generalidades e das abstrações, o Astrólogo da Tentativa e Erro não tem outro remédio senão falar de previsões específicas, na esperança de acertar mais vezes do que aquelas em que erra. Isto deve-se ao facto de que a população em geral exige a certos horóscopos previsões geradoras de uma sensação de bem estar, e aos outros astrólogos uma resposta pronta e específica para os seus problemas. Como cada astrólogo quer manter o seu lugar, nem o Generalista tenta a estratégia do colega nem o Tentativa e Erro entra em generalizações: manter a ideia de que os dois astrólogos são totalmente distintos na sua abordagem e imprescindíveis para a “coesão social” é essencial para que nenhum deles seja despedido, e para que a guerra que os coloca em confronto se mantenha por muitos anos. Qualquer confronto só pode ser mantido se ninguém perceber que ele é inútil.

A segunda razão por que estas estratégias nunca levam a lado nenhum prende-se com o facto mais óbvio de todos: os astrólogos não preveem o futuro. Independentemente de serem Generalistas ou de trabalharem com Tentativa e Erro, todos são astrólogos. Todos possuem a mesma incapacidade de lidar com a realidade, e portanto nunca chegarão a qualquer fim positivo. O seu trabalho passa em prometer e justificar essas promessas, não em cumprir o que quer que seja. No dia em que o fizessem, deixariam de ser astrólogos e passariam a ser pessoas sérias.

E que mal há nisso, poderão perguntar? Por que razão quer o astrólogo continuar astrólogo? Porque ele existe em função do cliente, como aliás qualquer outro negócio. Sem pessoas que desejem ouvir o que o astrólogo tiver para dizer o Astrólogo deixa de fazer sentido. Daqui se deduz que há imensa gente que ouve o Astrólogo, e disso retira prazer; por alguma razão há tantos na nossa sociedade.

Os clientes desejam, acima de tudo, ouvir previsões: sentir que alguém os escuta e com eles se preocupa, e que o mundo não é um lugar assim tão imprevisível e assustador. Esta fome pelo reconforto ultrapassa qualquer procura pela verdade das coisas, porque a verdade das coisas é que elas estão a tornar-se cada vez mais perigosas e imprevisíveis. Um astrólogo que diga isso em alto e bom som estaria a atacar a necessidade mais profunda do seu cliente e, acima de tudo, a ostracizá-lo; pior ainda, estaria a admitir que a sua capacidade de adivinhar o futuro não tinha conseguido prever aquilo há uns anos atrás.

Por outras palavras: no dia em que o programa da Maya abrir com um pedido de desculpas pessoal por parte da senhora, e com uma explicação sobre como tudo aquilo é uma fantochada, as audiências descerão a pique e a astróloga fará o sacrifício de se limitar a ser uma figura pública, perdendo qualquer respeitabilidade (e compensação económica) como vidente. A esperança abandonaria milhões, que nunca a perdoariam; e rapidamente seriam iniciadas buscas no sentido de encontrar o próximo astrólogo capaz de retomar a estratégia abandonada.

Como diriam os Queen, “the show must go on”. 

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