Vamos ser claros: toda a gente está igualmente sem qualquer
pista sobre como lidar com a actual situação mundial. Todos concordaram em
chamá-la de “crise” e insistem em repetir os mesmos chavões: é preciso
crescimento, o desemprego é feio, há que estimular a economia. Em suma: é
preciso uma “mudança de paradigma”; o que é o equivalente político e económico
às respostas que encontramos nos horóscopos.
O melhor astrólogo é aquele que produz previsões tão óbvias
que qualquer leigo compreenda, e tão gerais que possam tornar-se realidade mais
cedo ou mais tarde. Ora, isto significa, a meu ver, que estamos a ser
governados por astrólogos políticos. Julgo que o actual Governo está a seguir
determinado caminho que, a julgar pela Oposição, é mortal para todos. É
necessário a tal “mudança”, o tal “compromisso”: mas o Governo não parece para
aí virado, e a Oposição continua a berrar que as coisas não deviam ser assim. A
discussão é generalizada, caótica e tão, mas tão genérica, que nunca chega a
ser sobre nada em particular; tal como os horóscopos.
Isto é Portugal: um indivíduo a esforçar-se por fazer
qualquer coisa que até pode nem resultar bem e cinco parvos a resmungar, à
distância, que aquilo está tudo mal feito, sem que no final do dia o trabalho
fique devidamente terminado. Vemos este paradigma nas obras públicas (em que um
indivíduo cava um buraco enquanto outros assistem de pás na mão), no futebol
(em que o treinador é chacinado pelos adeptos), nos empregos (em que um líder
de equipa arca com as responsabilidades dos colegas incompetentes), nas escolas
(em que o bom aluno faz sozinho o trabalho de grupo).
A este fenómeno, i.e., à capacidade de, através de
diferentes estratégias, fingir que se está a dizer alguma coisa quando de facto
não se faz coisa nenhuma, dou o nome de Paradigma do Astrólogo. Vejamos como
funciona:
Assim que o político-astrólogo se atreve a fazer previsões
ou sugestões específicas (por exemplo, que medidas específicas devem encabeçar
essa “mudança”; que “paradigma” é esse que vem substituir o actual; que
ferramentas específicas vão fazer “crescer a Economia”) o risco de fazer figura
de parvo aumenta substancialmente. Isto deve-se ao facto de:
- Não estar a fazer previsões com base num talento divinatório
real
- Caso errem nas suas previsões, o seu estatuto de astrólogo
é substituído pelo de fraude
A solução encontrada é aquela a que dou o nome de
Generalização: quando lemos um horóscopo que nos diz que “Hoje vai ter sorte no
dinheiro”, somos imediatamente levados a deduzir que quer uma vitória no
Euromilhões quer o feliz encontro com uma moeda abandonada tornarão a previsão
credível a posteriori. Da mesma forma, os políticos não se atrevem a propor
nada de concreto. Os especialistas (leia-se, os melhores astrólogos) são os
partidos de Esquerda, que encabeçam um discurso que se resume a frases como
“Temos de proteger os trabalhadores” ou “O desemprego é um flagelo social”;
afirmações tão úteis como uma previsão astrológica que nos diga que “Devemos
ter cuidado com os fritos”.
Até eu, que não creio na astrologia, tenho de concordar com
o astrólogo quando me diz que devo ter cuidado com os fritos; eu sei, e toda a
gente sabe, que os fritos podem fazer mal. Passamos, portanto (e é isto que a Esquerda,
e o Astrólogo, deseja acima de tudo) várias horas ou dias a discutir o quanto
os fritos nos fazem mal. Formam-se comissões, abrem-se debates, vai-se à
Assembleia. Só assim poderemos desviar as atenções do verdadeiro conteúdo da
mensagem astrológica: ela não tem o mínimo significado prático. Porquê? Porque
se toda a gente já sabe que os fritos fazem mal à saúde, torna-los motivo de
conversa nacional só conduz a uma enorme perda de tempo.
Ainda assim, qualquer pessoa com juízo acaba por concordar
com o que a Esquerda (e o Astrólogo) diz, simplesmente por tratar-se de algo
tão óbvio que não pode ser refutado. Esta é a razão por que a Maya tem um
programa de TV, ou porque o Bloco de Esquerda ou o PCP continuam a obter votos:
muitas pessoas deliram no óbvio e toleram o vazio.
Este discurso da Generalização só funciona se o Astrólogo
trabalhar para um jornal diário e não para um grupo específico de pessoas para
as quais as suas previsões são imprescindíveis; isto é, a única razão por que
os partidos de Esquerda existem é porque nunca foram, e se deus quiser nunca
serão, os governantes do país. Só alguém totalmente afastado de qualquer
responsabilidade poderia ter um discurso tão vazio.
A partir do momento em que o Astrólogo é colocado numa
situação em que a sua resposta tem de ser clara e objectiva, ele passa a utilizar
uma estratégia diferente da Generalização. Fica obrigado a proteger-se o melhor
possível da sua própria aridez, procurando encontrar um equilíbrio entre as previsões
credíveis e as previsões erradas que produz aleatoriamente. Por ser à sorte, a
balança equilibra-se: a longo prazo, são tantos os trambolhões como as
vitórias. A esta estratégia dou o nome de Tentativa e Erro.
A Tentativa e Erro é poderosa porque permite que o Astrólogo
se justifique:
- Se a previsão for a correcta, o seu poder de adivinhação
deve ser respeitado e levado a sério.
- Se a previsão for incorrecta, outras variáveis entraram em
jogo: as estrelas não estavam alinhadas, os espíritos não falaram abertamente,
as energias negativas na sala suplantaram as positivas. Em suma: o Astrólogo
nunca tem a culpa dos seus insucessos, porque o Astrólogo nunca erra.
De forma análoga, o político pode sempre dizer que as coisas
não correm como deve ser porque o governo anterior deixou a casa suja, porque a
conjectura internacional não é a melhor, ou porque houve um tornado na
Indonésia.
Em confronto, os dois tipos de Astrólogos (os que usam a
Generalização e os que usam a Tentativa e Erro) nunca chegarão a qualquer
consenso por duas razões. Para já, as duas estratégias funcionam bem individualmente
mas contradizem-se quando postas em concorrência: enquanto o Astrólogo que
Generaliza pretende manter a discussão no campo das generalidades e das abstrações,
o Astrólogo da Tentativa e Erro não tem outro remédio senão falar de previsões
específicas, na esperança de acertar mais vezes do que aquelas em que erra.
Isto deve-se ao facto de que a população em geral exige a certos horóscopos previsões
geradoras de uma sensação de bem estar, e aos outros astrólogos uma resposta
pronta e específica para os seus problemas. Como cada astrólogo quer manter o
seu lugar, nem o Generalista tenta a estratégia do colega nem o Tentativa e
Erro entra em generalizações: manter a ideia de que os dois astrólogos são
totalmente distintos na sua abordagem e imprescindíveis para a “coesão social” é
essencial para que nenhum deles seja despedido, e para que a guerra que os
coloca em confronto se mantenha por muitos anos. Qualquer confronto só pode ser
mantido se ninguém perceber que ele é inútil.
A segunda razão por que estas estratégias nunca levam a lado
nenhum prende-se com o facto mais óbvio de todos: os astrólogos não preveem o
futuro. Independentemente de serem Generalistas ou de trabalharem com Tentativa
e Erro, todos são astrólogos. Todos possuem a mesma incapacidade de lidar com a
realidade, e portanto nunca chegarão a qualquer fim positivo. O seu trabalho
passa em prometer e justificar essas promessas, não em cumprir o que quer que
seja. No dia em que o fizessem, deixariam de ser astrólogos e passariam a ser
pessoas sérias.
E que mal há nisso, poderão perguntar? Por que razão quer o
astrólogo continuar astrólogo? Porque ele existe em função do cliente, como
aliás qualquer outro negócio. Sem pessoas que desejem ouvir o que o astrólogo tiver
para dizer o Astrólogo deixa de fazer sentido. Daqui se deduz que há imensa
gente que ouve o Astrólogo, e disso retira prazer; por alguma razão há tantos
na nossa sociedade.
Os clientes desejam, acima de tudo, ouvir previsões: sentir
que alguém os escuta e com eles se preocupa, e que o mundo não é um lugar assim
tão imprevisível e assustador. Esta fome pelo reconforto ultrapassa qualquer
procura pela verdade das coisas, porque a verdade das coisas é que elas estão a
tornar-se cada vez mais perigosas e imprevisíveis. Um astrólogo que diga isso
em alto e bom som estaria a atacar a necessidade mais profunda do seu cliente
e, acima de tudo, a ostracizá-lo; pior ainda, estaria a admitir que a sua
capacidade de adivinhar o futuro não tinha conseguido prever aquilo há uns anos
atrás.
Por outras palavras: no dia em que o programa da Maya abrir
com um pedido de desculpas pessoal por parte da senhora, e com uma explicação
sobre como tudo aquilo é uma fantochada, as audiências descerão a pique e a
astróloga fará o sacrifício de se limitar a ser uma figura pública, perdendo
qualquer respeitabilidade (e compensação económica) como vidente. A esperança
abandonaria milhões, que nunca a perdoariam; e rapidamente seriam iniciadas
buscas no sentido de encontrar o próximo astrólogo capaz de retomar a
estratégia abandonada.
Como diriam os Queen, “the show must go on”.
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