quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Smith e as Sereias - episódio 5

Previamente, no quarto episódio de Smith e as Sereias, a sereia loura torna-se secretária de Smith, e propõe a ajudá-lo a conquistar a confiança de Ariel que, por sua vez, descobre pelo pai que a sua vida de casal com Smith será inevitável apesar do ódio que nutre por ele. A sua fúria é substituída por alegria quando recebe uma misteriosa carta com o desenho de um rato sorridente. Poseidon recebe também uma carta, esta assinada por uma personagem mistério ainda desconhecida: Princesa dos Mares.


Ok, até ali tinha percebido o seguinte: as sereias gostam de surpresas, de algas e corais bonitos colhidos pelo próprio rapaz, de jantares à luz de uma espécie de plâncton qualquer que brilha à noite, e de ver o nascer do sol à superfície do Oceano. As sereias não gostam de homens com pêlos, porque ficam esquisitos quando dentro de água, muito menos que lhes seja oferecido peixe para a refeição. Odeiam na totalidade as mulheres humanas, porque parecem esquisitas (é qualquer coisa com o par de pernas) e pessoas que urinam dentro de água na praia. Percebi rapidamente que teria de preparar alguma ocasião especial, e pela primeira vez investir na relação com uma mulher. Isso era uma novidade para mim, porque até ali tudo o que precisara de fazer para conquistar uma rapariga tinha sido um piscar de olhos ou dar-lhe um saco de moedas (regateado).

- Portanto – disse eu, olhando para a lista escrita à minha frente. Estava no escritório, com a sereia loura sentada à minha frente - tenho de encontrar um local bonito para lhe fazer um jantar. E oferecer corais por tudo e por nada, não só nas ocasiões especiais.

- E elogiar-lhe a barbatana – completou a sereia loura.

- E elogiar-lhe a barbatana – acrescentei à lista – Sabes, de onde venho elogiar abertamente o que uma senhora tem abaixo da cintura não é nada bom.

- Porquê?

- Não sei, é coisa de que as humanas não gostam.

- Então como andam com as pernas? Escondidas atrás de calças como as tuas?

- Oh, não, elas fazem questão em depilar-se, pôr-se bonitas, e vestir roupa curta.

- Mas é má educação elogiar as pernas de uma humana?

- Sim. E olhar, sequer.

- Olhar para algo que elas propositadamente colocam à mostra.

- Exacto.

- Nós sereias somos um pouco mais liberais. E mais coerentes.

Rimo-nos os dois, e o ambiente ficou esquisito. Era uma daquelas situações em que uma rapariga bonita estava a ajudar o tipo bruto a conquistar a sua amiga. Por alguma razão aquilo não me soou nada bem. Parecia-me o começo perfeito para um tipo de filme que nunca acaba sem situações humilhantes ou traições desesperadas.

- Ouve, quero que percebas que estou realmente a fazer um esforço para conquistar a Ariel – expliquei eu.

- Isso é a tua forma de colocar a nossa química em stand-by?

- A nossa química? Não há química nenhuma – disse eu. A sereia loura insinuou-se, daquela maneira pouco visível de mexer a barbatana e fazer olhinhos – Não há química nenhuma – repeti. Engasguei-me sem perceber bem porquê.

- Bem, vou andando, então. Mas devo relembrar-te de que no fundo no fundo, tu estás a tentar conquistar a Ariel por uma simples questão prática. Não tens para onde ir. A tua única hipótese é não fazer onda, se me permites a expressão corriqueira. Para depois jogares ao “família equilibrada” com a Ariel e o Poseidon. E o vosso filhote.

Levantei-me de um salto.

- Não te admito que digas isso. Estás a insinuar que o que estou a fazer é por interesses pessoais?

Claro que estava; e claro que era verdade. Mas não podia admitir uma coisa daquelas, não no meu escritório. A sereia loura furou-lhe as córneas com o olhar.

- Claro que estou a insinuar isso tudo. E insinuo mais: Se bem conheço a Ariel, ela vai arranjar alguma forma de se ver livre daquele bebé o mais depressa possível. Ou de ti. Agora cala-te com a mania da perseguição e anda comigo. Vamos à estufa do Palácio para eu te ensinar a escolher algas.

***

Ariel estava deitada na sua cama, de barriga para cima, barbatana no ar agitando-se a um ritmo descontraído. À sua frente, o envelope com o desenho do rato sorridente estava rasgado e aberto como um animal dissecado, evidenciando nervosismo ou entusiasmo na sua abertura. Uma carta curta e simples tremia nas mãos de Ariel. Ela leu-a, respirou fundo, olhou em volta, olhou para a própria barriga. O sorriso que tivera até ali desapareceu.

***

Poseidon estava deitado na sua cama, de barriga para baixo, pernas no ar agitando-se a um ritmo descontraído. À sua frente, o envelope com a caligrafia a lilás estava rasgado e aberto como um animal dissecado, mas escusamos de estar a repetir a metáfora. Uma carta longa e desenhada com elegância tremia nas mãos de Poseidon. Ele leu-a, respirou fundo, olhou em volta. O sorriso que tivera até ali abriu-se mais.

- Sebastião! – gritou.

Um pequeno caranguejo vermelho entrou pela porta.

- Diga, mylord?

- Manda preparar os cavalos marinhos.

- Vai sair, Mylord?

- Exactamente. E diz ao motorista para ficar a descansar. Irei sozinho.

- Mylord – Sebastião pareceu muito nervoso de repente, como uma mãe super-protectora – Não seria mais seguro se…

- Seria era mais agradável se me fizesses o favor de executar a ordem que te dei, Sebastião. Onde está a minha água-de-colónia?

Sebastião indicou-lha, fez uma pequena vénia, e foi avisar o responsável pelos animais reais para preparar os cavalos-marinhos e o coche. De seguida sentou-se num banco nos jardins do Palácio, apreciando uma formação de corais e perguntando-se porque raio precisaria Poseidon da sua água-de-colónia.

***

- Não – disse a sereia loura com uma careta à medida que eu reunia um grupo de algas.

- Porquê?

- Essas cores… São terríveis. Não combinam.

Atirei as algas para cima da mesa da estufa. Olhei em volta.

- Não há nenhum funcionário por aqui? Tu não me estás a ajudar.

- Acho impressionante – comentou a sereia loura – que ainda não me tenhas perguntado o meu nome.

- Sempre que penso em ti penso em Sereia Loura.

Aqueles olhos azuis, outra vez.

- Sempre que pensas em mim?

Apanhou-me de surpresa, não soube o que responder. Juro. Olhei em volta. Não havia funcionários mesmo. Quando dei por mim estava debaixo de uma das mesas das estufas, algas a choverem-me em cima, os lábios gordos e doces da sereia loura encostados aos meus.

- Lilith – disse-me ela ao ouvido a certo ponto.

- Quem?

- Lilith. É o meu nome.

- Oh – não lhe queria dizer que aquele não era bem o momento certo para ser interrompido com apresentações – Muito prazer.

Ela bateu-me com a cabeça na parte debaixo do tampo da mesa.

- O que achas da minha barbatana?

Aquela era a minha oportunidade, determinei eu. Por um lado podia avançar com aquilo, pronto. Acabar com toda a tensão à nossa volta. Podia dizer-lhe que estava horrenda, escamada a um nível pouco atractivo. Sem brilho, baça, áspera. Quebrar a química, ficar sem secretária, continuar a sonhar com a família que teria com Ariel. A minha balança intelectual nunca funcionou muito bem com uma mulher atraente à minha frente, a retirar os corais azulados que faziam a separação entre uma sereia vestida e uma sereia despida.

- A tua barbatana está maravilhosa – respondi eu.


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