quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Smith e as Sereias - episódio 7

Previamente, em Smith e as Sereias, aconteceu que etc, etc. Estou de férias, recuso-me a fazer resumos.


A sardinha correio mexia as barbatanas com enorme rapidez. Parecia estar em pânico, como alias é hábito nos peixes pequeninos. Ariel enrolou o envelope com o fecho especial, preso ao lombo da sardinha.

- Vai, sardinha querida – disse Ariel em voz baixa – Levas o meu futuro no lombo.

A sardinha estava pouco interessada no futuro das outras pessoas, queria era sair das mãos daquela sádica que a agarrava. Ariel largou-a, e a sardinha-correio nadou apressadamente janela fora.

***

Poseidon chegou montando o seu cavalo-marinho à Praçeta Gamba Cozida, um espaço minúsculo e cheio de corais velhos e com maus aspecto. Aquela zona da cidade era conhecida pelas suas lojas obscuras, e por ser frequentada por peixes criminosos, sereias maliciosas ou outras criaturas que desejavam obter produtos não tão legais como seria aconselhável, mas tambem não inteiramente ilegais em muitos espaços marinhos. Poseidon conduziu o cavalo-marinho a um pequeno parque de estacionamento, desceu do cavalo, prendeu-o com uma corda a uma estaca para não fugir e dirigiu-se ao parquímetro, onde inseriu três pequenas conchas douradas. A máquina cuspiu um pequeno papel rectangular que Poseidon foi enfiar na orelha do cavalo marinho.

- Volto já – disse ele carinhosamente ao animal. O cavalo marinho perguntou a si próprio que raio seria aquela coisa que lhe tinham enfiado no ouvido.

Poseidon atravessou a praçeta, transportando o seu tradicional tritão dourado e o ramo de algas que pedira emprestado a Smith. Entrou numa das várias grutas de aspecto duvidoso e escurecidas tonalidades. A gruta tinha uma tabuleta que dizia A Gamba Gostosa e, em letras pequeninas, por baixo, MOTEL. Tudo parecia sujo, coberto de musgos acastanhados. Poseidon entrou pela gruta, dirijindo-se a um coral em forma de mesa e a um peixe de bigodes enormes e barbatanas entristecidas e flácidas. As suas sobrancelhas pareciam ser vítimas de uma localizada e volumosa atracção gravitacional com o solo.

- Boa noite, Rei dos Mares – disse o peixe monocordicamente – Em que é que o nosso modesto motel pode ser util a sú isselência?

- Procuro o Dr. Plancton. É um profissional de relevo nas áreas da sociologia marítima e da diplomacia ao nível dos bivalves. Coisas de estado – disse Poseidon.

- Um profissional de relevo nas áreas não sei de que – disse o peixe com o mesmo tom adormecido mas com um sorriso maroto – num motel desta, hum, categoria. Que historia realista, Senhor dos Mares. O ramo de algas é para ele?

- Para um familiar, que está de cama. Indique-me lá o número do quarto e esteja calado – rosnou Poseidon.

- Isto nunca se sabe, Grande Rei dos Corais – disse o peixe, remexendo por entre os registos do motel – Ainda por cima esta zona da cidade, cheia de perigos e imoralidades a ocorrer a torto e a direito, que tipo de tarados andam por aí a fazer sopa. O seu profissional de relevo está no quarto 23.

Poseidon fez que sim com a cabeça e seguiu para as escadas. O peixe monocórdico observou-o a afastar-se e resmungou:

- De nada, obrigado eu pela gorjeta.

***

Sebastião, o caranguejo vermelho mordomo do Palácio, procedia à colocação das propriedades da Menina Ariel no quarto do Principado, divisão especialmente grande e bem posicionada no Palacio, com vista para os jardins e para as estufas, onde deveriam dormir os príncipes e princesas do Reino Marinho. Os dois atuns depositaram a mala de Ariel em cima da enorme cama de dossel, e uma folha de papel voou de uma das bolas laterais mal fechada. Foi aterrar aos pes de Sebastião, que olhou para baixo, leu que

(…) é com muito prazer que a informamos que foi a escolhia para protagonizar a mais recente grande produ...(...)

mas o profissionalismo fê-lo desviar os olhos e relembrar que não deveria entrar nunca na privacidade de quem servia. Arrumou a carta minunciosamente no lugar de onde tinha caído e saiu do quarto, dando uma última olhadela para ver se estava tudo em ordem.

***

Poseidon, segurando nervosamente o ramo de algas, bateu na porta do quarto 23. Três vezes, tal como combinado. Toc toc, uma pausa, toc outra vez, a última batida ligeiramente mais intensa que as outras. Passos apressados do outro lado. Um espectacular monte de musculos, atraente, de linhas fortes na face, queixo definido, cabelo aerodinâmico vestindo apenas um speedo feito de escamas abriu a porta e olhou para Poseidon.

- Poseidon – disse ele, sorrindo.

- Namor – disse Poseidon, sorrindo também.

Não se sabendo bem que caiu primeiro nos braços do outro. A porta foi fechada por um pé agitado e com pressa, deixando o corredor do motel vazio e silencioso mais uma vez.


Todas as Terças e Quintas, novos episódios de Smith e as Sereias. Para ler os episódios anteriores procurem a etiqueta "smith e as sereias" no final deste post ou no início do blog, na secçao "Directo ao assunto".

1 comentário:

Luís disse...

"Praceta da Gamba Cozida"? Ouch...