sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A minha pila é maior que a tua

Início de aulas e de mais uma temporada de trabalho é também aquela altura em que tentamos arranjar lugar nos transportes públicos a custo e sacrifício, porque estes vão cheios de um grupo característico de jovens. Uns quantos de capa preta, com ar importante; os outros geralmente vão a cantar musicas obscenas, ou a segurar os penicos que lhes meteram nas cabeças. É a maravilhosa tradição das praxes, que consome o mundo académico nesta primeira semana de aulas e que, tal como as touradas, pode ser inútil, pode ser violenta, pode ser idiota, pode até ser improdutiva; mas pá, é uma tradição.

O que mais me fascina no mundo das praxes é que não há quase ninguém que goste daquilo; e no entanto deixa-se ser praxado. Eu cá não gosto de ser humilhado em público, ou de ter de andar com coisas escritas na testa, mas olha… É a tradição! Podemos fazer alguma coisa para o impedir? Sim. Eu quando for para a faculdade vou dizer educadamente e depois, se for necessário, de forma mais brusca e pronunciada, que não quero ser praxado. O problema é que TODA a gente quer ser praxada, porque é uma forma de se iniciar na vida académica, de fazer amigos (nada define melhor uma amizade do que as canções com asneiras sobre como o nosso curso faz coisas porcas aos outros cursos todos); tal como fumar, meter-se nas drogas ou passar a andar com o rabo à mostra e com as calças puxadas para baixo.

Mas se os caloiros se deixam levar na brincadeira é compreensível, muitos deles vêm de fora da cidade, não conhecem ninguém; e a humilhação no inicio das aulas é mesmo positiva para que possam depois sentir-se figuras amadas pelos seus pares. Já o caso dos veteranos é-me muito difícil de entender. Capa preta, sapato fino, ar de machões, ainda de borbulhas e barba curta e já com a mania que são senhores. Os sentimentos de superioridade e adrenalina que sentem ao humilhar as outras pessoas escondem-se por detrás de uma capa de prestígio e seriedade académica; senão não iam assim vestidos. Por uns dias, sentem-se uns verdadeiros doutores e doutoras, sobreviventes de um ou mais anos de faculdade, agora vencedores do direito de fazer aos outros as idiotices que lhes tinham feito a eles. Isto só se justifica com falta de QI ou masoquismo generalizado. E quando as praxes acabarem, aqueles veteranos serão iguais aos caloiros, alguns até mais novos, mais pequenos e muito mais estúpidos.

No entanto, durante aqueles dias, os nossos futuros médicos, advogados, políticos, economistas e pensadores (todos eles com 18, 19, 20 e tal anos) dedicam os primeiros dias de faculdade a cantar, a organizar festas para ir apanhar pielas, a meter penicos em cima de pessoas e a inventar jogos idiotas (nunca me esquecerei do dia em que fui ter com a minha namorada à sua faculdade, depois de mais um dia de praxes. Tinha vomitado para o chão porque alguém se lembrou que seria divertido mergulhar-lhe a cabeça em água de peixe podre. Escusado será dizer que ela nunca se sentiu tão integrada na faculdade, que obviamente lhe dava as boas vindas).

Isto tudo, claro, porque é tradição. Porque vida académica sem praxes não é vida académica. Porque um tipo até pode ser bom aluno, ter boas notas, investir na sua formação,, mostrar responsabilidade e maturidade, arranjar depois um emprego, ser um responsável que não aproveita todas as oportunidades para fazer parvoíces e ir beber copos; mas o verdadeiro académico é aquele que usa uma capa preta engomada pela mamã para ir avisar os caloiros de que é um mauzão. Curioso é que depois nos digam no secundário que há coisas que meninos de 17 anos já não deviam fazer, como correr nos corredores ou fazer muito barulho.

1 comentário:

Luís disse...

Infelizmente, poucos pensam como tu (e como eu)... Há uns anos houve um caso extremo dum aluno que processou a faculdade por causa das praxes e teve de mudar de curso porque até os professores deixaram de lhe falar.