terça-feira, 21 de setembro de 2010

Smith e as Sereias - episódio 15

Previamente, em Smith e as Sereias, Smith faz chantagem com Poseidon: ou ele lhe responde a uma série de exigências, ou Smith conta a toda a gente que o másculo Rei dos Mares gosta de homens. Ariel é a enfermeira de serviço, deliciada pela fragilidade repentina de Smith que ainda recupera da tridentada que levou há alguns episódios. Lilith mostra-se preocupada e doentia, e quer visitar Smith; mas quem o visita mesmo é Namor, que lhe pede para este contar a toda a gente que Poseidon é gay porque só assim o Rei terá coragem de o admitir. Nas últimas linhas do último episódio, uma Ariel de tabuleiro na mão entra no quarto, vê Namor e Namor vê Ariel. Smith é informado que o agora amante homossexual de Poseidon é o ex-marido de Ariel. Confusos? Os esclarecimentos seguem-se a seguir (seguem-se a seguir…?):


Querido Diário,

Fartei-me de gritar com o meu Pai esta noite. Finalmente arranjei coragem para lhe dizer tudo o que tinha entalado na garganta há semanas. Mandei-o para locais ordinários e sujos. Disse-lhe que se fosse preciso fugiria, que nunca me casaria com aquele musculado seboso, e que nunca iria ser a boneca atlante que ele queria que eu fosse. Ele ficou vermelho como um coral-australiano e chamou-me de Ariéliga. Ele sabe que chamar-me pelo meu nome completo irrita-me mais do que tudo, por isso chamei-o de amêijoa podre e vim-me embora.

Estou tão triste, Querido Diário… Antes de vir escrever deixei-me chorar em cima da almofada. O pobre Sebastião veio perguntar-me se queria alguma coisa para me acalmar e eu tratei-o tão mal…

Mas tens de me compreender, Diário. O meu pai quer obrigar-me a casar com o Príncipe Namor de Raya Pérola Sotto-Maré, o não sei quantégimo herdeiro do trono do Império da Atlântida. Escrever o nome dele dá-me logo nervos. Nunca nos conhecemos, só lhe vi fotografias e pinturas, e uma vez o Sebastião apontou para ele num dos casamentos aborrecidos de uma das Oráculos atlantes. Lá estava ele, do outro lado da igreja, musculado e quase nu, com uma coroa na cabeça e com aquele ar de menino querido do reino. Como posso casar com alguém que passa os dias no ginásio e que tem a pele empestada de gordura de raia importada?

E porque o meu pai é um COBARDE que não sabe fazer negócios e legislações, querem casar-nos aos dois para garantir as “boas relações comerciais e estratégicas entre os dois reinos”. Isto disse-me o meu pai com toda a lata! Acreditas nisto? O meu pai fala do meu casamento como um ministro a falar de política externa.

E além disso querem que façamos um filho, de preferência rapaz, que será uma espécie de cupão de garantia. Assim os dois reinos ficam coladinhos e eu tenho de viver com um marido seboso e um filho seboso para o resto da vida. E a minha vida? E a minha carreira no cinema?

Estou destroçada, Querido Diário. Vou chorar mais.

***

Querido Diário,

Ao menos o meu vestido é lindo. Tem decorações à base de algas lilases, a minha cor favorita. As algas finas que há nas praias do Pacífico escorrem como uma cascata pela cauda abaixo, e o corpete é feito com conchas redondinhas e pequenas, trabalhadas a ouro.

Claro que o rasguei na primeira oportunidade. Chamei nomes à costureira real, apesar de a coitada não ter culpa. Resultou: o meu pai chegou à sala de provas e pregou-me um estalo. Chamou-me Ariéliga outra vez, e disse-me para crescer. Perguntei-lhe porque corais é que não podia escolher outra sereia qualquer para casar, afinal tinha tantas filhas todas boas para quê? A Lilith, por exemplo. Toda a gente sabe que ela é uma porca oferecida. Usa mais a boca do que um peixe de aquário para respirar, mas no caso dela não é para respirar, é para outra coisa. Bem, tu percebes-me, Diário.

Fizeram-me outro vestido logo, e esse não rasguei. Vou impedir este casamento de alguma forma. Eu juro.

***

Querido Diário,

Ao menos o casamento foi bonito. Todas as minhas irmãs estavam lá, umas mais invejosas do que outras. Havia peixes e moluscos e atlantes que tinha de cumprimentar, este é o embaixador não sei das quantas, este é o diplomada-mor de aqui e ali. O meu noivo dançou comigo uma valsa, disse que eu estava muito bonita e a seguir desapareceu atrás de um empregado do catering porque “os canapés tinham acabado”.

Para me vingar fartei-me de comer da fonte gigante de chocolate de leite e avelã. Afogava bocados de esponja doce das Maldivas no chocolate e enfiava-as logo na boca para ninguém me ver. Se continuar assim e não nadar muito posso, em dois ou três anos, atingir a obesidade e lixar os planos de casalinho perfeito que o meu pai e o meu estúpido sogro têm para mim.

***

Querido Diário,

São quatro da manhã da minha noite de núpcias, e se achas que um tipo musculado e forte podia ao menos ser um bom amante tira o cavalo-marinho da chuva. Até agora só limpei ranho e baba das almofadas, e ouvi o Namor queixar-se e chorar por ser uma pessoa infeliz.

Ele é gay, Diário. O príncipe machão atlante é homossexual, gosta de homens e em particular de um homem qualquer importante que eu não percebi quem era. Assim que chegámos ao quarto comecei a tirar o vestido, porque o meu pai me tinha obrigado a, assim que pudesse, começar logo a tentar ser fecundada. Assim que me despi e lhe mostrei a barbatana e disse Vamos lá a isso então, ele começou a chorar. Disse-me que eu estava muito bonita, e que era uma pessoa amorosa e que não merecia que me mentissem. Depois largou a bomba. Eu estava um bocado bêbeda, porque da fonte de chocolate passei para a fonte de licor. Fiquei um bocado tonta. Ele agarrou-se a mim e disse-me que pronto, gostava de homens.

Ainda estou um bocado apanhada. Aliás, acho que a mistura de licor com chocolate está a rebentar-me com os intestinos. O Namor adormeceu ao meu lado na cama onde deveríamos estar neste momento a fazer um herdeiro. Ele até é querido. Gosto quando os homens choram e saem do estereótipo masculino. Ele contou-me basicamente a sua vida toda, e avisou-me que se alguém descobrisse a verdade sobre ele estava tramado. Que era expulso da Atlântida como todos os hereges e homossexuais que desafiavam a Palavra da Pescada.

Eu disse-lhe para não se preocupar, que podíamos fingir que éramos um casal normal. Ele só tinha de fingir ser um marido sério e tradicional, o que agradaria com certeza aos nossos pais. Mas engravidar é que não. Ele olhou para mim com uns olhos gordos.

- Não queres ter um filho?

Eu disse que não, que queria era uma carreira no cinema. Depois começámos a falar dos filmes do Tom Cruise e daquele muído louro que toda a gente acha bonito, o Leonardo qualquer coisa. Depois ele adormeceu em cima de mim e pronto. Cá estou. Bêbeda, com um marido homossexual, e com o possível conteúdo do meu útero a ser usado como troca comercial entre dois impérios. E depois admiram-se que as sereias saiam à superfície para fornicar com os marinheiros.

Vou adormecer. Adormeci.

***

Querido Diário,

O Namor é um actor fantástico. Hoje mandou-me calar em público e comentou, a meio de uma conversa, que a “anémona da sua mulher” era uma maravilhosa amante. Os diplomatas amigos do meu pai disseram todos que sim com as gordas cabeças de peixe e olharam para a minha barbatana de alto abaixo. Toda a gente acha que ele é o marido e Príncipe mais macho e convencido de toda a existência.

Mas há que recordar uma coisa: é tudo teatro. À noite eu e o Namor ficamos a conversar que nem doidos, a comer gelado do pacote e a gozar com todas as figuras de estado que temos de conhecer à conta do casamento. Até jogamos ao Uno. Ele é o máximo!

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Querido Diário,

Acho que estou apaixonada pelo Namor. Ajuda-me!!!!

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Querido Diário,

Hoje estávamos a ver um episódio dos Morangos com Açúcar e descobri que o Namor gosta das Just Girls. Já não estou apaixonada por ele.

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Querido Diário,

Desculpa não ter escrito há mais tempo. Nem imaginas o que tem acontecido!

Há dois dias atrás foram dar com o Namor a chorar numa despensa, perto da sala do trono. Havia imensa gente à volta dele. O meu pai estava furioso, a dizer-lhe que ele era um desavergonhado. Ao que parece o meu pai deu com ele e um dos criados do palácio, um atlante de 23 anos, enrolados a fazer coisas que fariam corar até a Lilith. O rapaz que supostamente estava a fazer porcalhisses com o Namor também estava a chorar. O Namor estava reduzido a baba e ranho, a gritar como uma menina. Dizem que ele só gritava que o meu pai era um mentiroso desonesto, que um dia se ia arrepender por o estar a tratar assim, que era tudo uma mentira…

Quando lá cheguei o meu pai estava vermelho e a tremer, e só tinha vontade de expulsar o coitado do Namor do Palácio. O Namor agarrou-se ao tridente e começou a gritar:

- Sê corajoso, Poseidon! Diz-lhes de uma vez por todas a verdade! Como podes viver assim?!

O meu pai empurrou-o e foi-se embora. Agora acho que vão enviar o Namor para um instituto qualquer da Pescada, onde se transformam os gays em pessoas normais. Eles dizem que resulta.

Parece que o meu casamento acabou, Diário. É pena, estava a habituar-me a ser esposa de alguém.

Diário, sabias que eles querem adaptar a “Pequena Sereia” ao cinema? Conto-te tudo no próximo dia!


Todas as Terças e Sextas há mais episódios. Como sempre, a etiqueta "smith e as sereias" no início do blog ou no final de cada episódio conduz-vos logo à listagem completa de episódios.

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