Previamente, em Smith e as Sereias, um Smith ainda em recuperação é visitado por Poseidon, e aproveita para fazer uma chantagem inocente: em troca do seu silêncio (é o único que sabe que Poseidon, o machão Rei dos Mares, e homossexual) exige que Rose seja encontrada, que Ariel seja libertada das suas obrigações e que lhe seja dado um escritório maior. Uma Ariel comovida vem visitá-lo ao quarto e, compelida por uma inexplicável amabilidade, deita-se e adormece ao seu lado.
Acordei antes dele e levantei-me com cuidado para não o acordar. Tinha-lhe enfiado um coral australiano para dormir na bebida, na noite anterior, até porque ele precisava de descansar muito para se recuperar rapidamente. Mesmo com quatro dias de antibióticos e anti inflamatórios o risco de complicações era elevado.
Desci para tomar o pequeno-almoço e quase choquei com Lilith num dos corredores da ala sul. Estava pálida.
- Ariel – disse ela numa voz que parecia querer desmoronar-se.
- Lilith. Tudo bem?
- Sim, pois, como está o Smith? – perguntou-me. A coitadinha estava desesperada.
- Está bem, hoje dormiu melhor.
Ela encolheu-se.
- Como é que sabes? – perguntou friamente.
- Porque tenho passado as noites com ele.
- Hum, ah, em que sentido?
Revirei os olhos. Não sabia bem o que responder.
- Eh… No sentido em que ele está deitado na mesma cama onde eu me deito.
- Quero vê-lo – exigiu ela.
- Agora ele está a descansar, talvez mais tar…
- Não, agora. Quero vê-lo agora.
- Lilith – pus-lhe a mão no ombro – Acalma-te, sim? Ele está a dormir. Quando ele acordar logo o vês.
- Tens razão, irmã – ela parou por momentos, tentando recompor-se. Percebi imediatamente que ela estava extremamente nervosa. Com certeza não seria por causa de Smith, eles nunca tinham tido grande tempo para se conhecer intimamente.
- Irmã – disse-me ela, olhando-me com os seus gordos olhos azuis – porque é que o Pai tentou matar o Smith?
Era uma excelente pergunta. Com toda a confusão nos últimos dias e Smith a precisar de atenção constante, nunca tinha parado para pensar realmente no que levaria o meu Pai a quase assassinar o meu suposto futuro marido. Sabia que Smith se tinha tentado meter no confessionário, nem poderia esperar outra coisa de um homem tão inconveniente e danado para a confusão. Mas algo Smih ouvira para despoletar uma raiva profunda no meu pai. Algo grave, talvez.
- Perguntaste-lhe alguma coisa? – perguntou-me Lilith.
- Eu? Não. Não, achas? Ele precisa de descansar.
- Bem, com certeza o que quer que tenha sido já está resolvido.
- Porque é que dizes isso?
Lilith olhou para mim e encolheu os ombros.
- O Pai se quisesse assassinar o Smith já o teria feito nos últimos dias. Ou pelo menos expulsado do palácio, ou enviado para ser comido pelos tubarões. Em vez disso disponibilizou-lhe os melhores medicamentos e uma das enfermeiras a tempo inteiro. Não achas estranho?
Achava. E estava muito bem pensado.
- Não, nem por isso – respondi com um sorriso descomprometido – Vamos comer?
***
Acordei ainda zonzo, e infelizmente sozinho na cama. Ariel já teria acordado, e provavelmente fora buscar o pequeno-almoço. Bocejei. Estava farto de estar ali deitado em recuperação, mas a parte de ter de dormir com Ariel estava a tornar-se muito positiva. Surpreendia-me até a mim mesmo não ter ainda tentado arranjar qualquer situação de foro mais íntimo, se bem que teria a certeza de não conseguir fazer nada de muito atlético com a barriga neste estado.
Alguém bateu à porta. Era Ariel, com certeza.
- Entra!
A porta abriu-se, e um homem semi nu, de cuecas cobertas de escamas e um cabelo cortado fininho entrou.
- Bom dia. Smith? – perguntou-me ele. Era extremamente musculado. Conclui rapidamente que era algum capanga de Poseidon que me vinha partir as rótulas para me obrigar a desistir da chantagem que andava a fazer com o seu patrão.
- Não, o meu nome é Julião – respondi eu estupidamente – O Smith não está cá hoje.
- Mas este é o quarto do Principado. E o Smith é o humano com o adesivo gigante na barriga.
Olhei para baixo, para o adesivo gigante que tinha na barriga.
- Ouça, se me vem ameaçar digo-lhe já que só me posso defender verbalmente.
- Não, calma – o homem musculado aproximou-se da cama e soltou um sorriso – Não lhe quero fazer mal.
- Não é nenhum capanga do meu sogro?
Ele riu-se.
- Não sei se capanga é a palavra certa.
Olhei para ele, ele olhou para mim. Eu olhei para ele, e ele olhou para mim.
- Aaaah – murmurei eu – Você é o “capanga” – desenhei as aspas com a ponta dos dedinhos – do Poseidon.
- Exacto. Namor, ex-herdeiro ao trono da Atlântida. Presumo que não seja o Julião. Tem um minuto?
- Todos. Neste momento estou inválido e tudo. Sente-se.
Namor sentou-se numa cadeira perto da cama.
- Vim fazer-lhe um pedido.
- Um pedido. De que tipo?
- Já sei da chantagem que está a fazer com Poseidon. Sei que lhe fez umas quantas exigências em troca do seu silêncio.
Por momentos senti-me até envergonhado. Apesar de ser maricas aquele tipo parecia-me bastante decente.
- Venho pedir-lhe respeitosamente que espere que os seus desejos sejam realizados, e que depois disso conte a toda a gente o que sabe.
- Quê?
- Preciso que conte a todo o Palácio que Poseidon é homossexual.
- Mas porque raio quereria que eu fizesse isso?
- Porque sei que Poseidon nunca terá coragem para sair da concha. Ele precisa de ver o seu trono e a sua fama em perigo para reagir com coragem a todas as críticas.
- E já pensou que a reacção de coragem a todas as críticas pode ser na forma de me espetar com qualquer coisa bicuda outra vez?
- Já, já pensei. Mas garanto-lhe que isso não acontecerá, posso garantir-lhe isso pessoalmente. O importante é que Poseidon não perceba que eu tive mão nisto.
- Isso é um bocado desonesto.
- Pode ser – disse Namor, oscilando a cabeça, realmente a considerar o que estava em jogo – mas eu amo Poseidon e ele ama-me a mim. É a única forma que encontro de fazer com que esta relação passe a ser motivo de orgulho e coragem e não cobardia e vergonha.
A porta abriu-se, era Ariel com um tabuleiro. O tabuleiro foi ao chão.
- Ariel! – disse Namor, a olhar para ela feito parvo.
- Namor! – disse Ariel, a olhar para ele feita parva.
- Que é? – perguntei a olhar feito parvo para os dois.
- Eu e a Ariel já tivemos uma certa, hum…
- Fomos casados – completou Ariel.
- Oua – resmunguei eu, sem saber o que dizer.
Vamos continuar a fingir que há gente que se importa com isto? Vamos. Caros leitores, não se esqueçam que podem ver os outros episódios desta série na etiqueta "smith e as sereias" que se encontra no menu inicial do blog.
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