Previamente, em Smith e as Sereias, a homossexualidade de Poseidon que tanto espaço tem ocupado nesta história, vem finalmente a público através de uma denúncia anónima a um jornal. A ver se é desta que a coisa se resolve e podemos avançar para enredos mais interessantes. E agora, é tempo para um flashback. Zuuuooooooommmmm… (som de viagem no tempo):
Oceano Atlântico, 25 de Julho do ano 673 da Era do Bacalhau
Declaração Oficial
Eu, Poseidon, Rei e Senhor dos Mares, Supremo Criador das Sereias e Governador por direito de toda a vasta extensão oceânica exceptuando o Independente Império da Atlântida, venho por este meio declarar o seguinte, para razões legais e outras:
Ponto Primeiro; comprometo-me a libertar a minha filha Ariéliga, sereia maior de idade, de quaisquer obrigações por mim previamente impostas em relação ao seu casamento oficial com o humano Smith.
Ponto Segundo; comprometo-me a encontrar pessoalmente ou, através da disponibilização imediata de meios dirigidos para esse efeito, conduzir ao encontro da humana Rose, de apelido e paradeiro actual desconhecido.
Ponto Terceiro; comprometo-me a disponibilizar um escritório maior para o humano Smith, até à data de redacção deste documento o único trabalhador oficial do Departamento de Relações Extra-Marinas. Comprometo-me, ainda, a disponibilizar-lhe os meios necessários para realizar esse trabalho nas devidas e aceitáveis condições.
Sem mais pontos a acrescentar, dou por fechada esta declaração.
Assinado oficialmente e na presença de testemunhas de Estado,
ass.: Poseidon, Rei dos Mares
***
Estava eu e ela no quarto do Principado, alguns minutos depois de lhe ter contado a já repetida história da homossexualidade do seu pai. Ariel levantou a cabeça que até ali tinha estado enterrada entre as suas mãos e olhou para mim.
- Sabes, com esta coisa toda de teres quase morrido por causa do meu pai, eu cuidei de ti com todo o gosto. Aliás, se queres que te diga, eu comecei a dormir ao teu lado porque me fazia sentir melhor. Sentia essa necessidade. Sentia uma quase atracção por ti, provavelmente por estares tão debilitado que não podias tentar violar-me ou coisa parecida. Mas agora que estás melhor e me contas uma coisa dessas, tenho a dizer-te que voltaste, na minha escala pessoal de consideração por ti, à estaca zero.
Ouvi todos aqueles insultos com todo o sangue frio que um chantagista como eu deve ter; e no fundo a parte lamechas da minha personalidade dizia-me que Ariel tinha razão. Eu não tinha o direito de…
- Tu não tinhas o direito – continuou Ariel, interrompendo-me os pensamentos – de fazer uma chantagem dessas com o meu pai. Simplesmente não tinhas. Foi horrendo da tua parte, sabes disso?
Eu fiquei calado. Ela ficou à espera de resposta.
- Sei.
Ariel continuou a olhar para mim. Estava muito calma, mas ao mesmo tempo extremamente abalada. Como se o que quer que estivesse a sentir naquele momento fosse complatemanete contra aquilo que ela queria estar a sentir naquele momento.
- Por outro lado – disse ela – Tenho de admitir que foi querido da tua parte essa coisa de me libertares do nosso casamento.
- Obrigado.
- E aquilo de pedires para encontrar a Rose também.
- De nada.
- Mesmo assim, chantageaste o meu próprio pai.
- Por uma boa causa. Várias, aliás. Todas elas importantes e imprescindíveis.
- E o “escritório maior”?
- Como disse: importantes e imprescindíveis.
Ariel fez uma pausa.
- Tu queres manter esse ar de ignóbil inconveniente mas no fundo és é altruísta – disse ela.
Aquilo apanhou-me de surpresa. Porque é que me estava a chamar nomes? Ia perguntar-lhe o que raio queria ela dizer com altruístico quando ela se levantou e saiu do quarto.
***
Duas horas depois fui visitado pelo moço louro. Ele vinha com ar de quem tinha feito porcaria. Aproximou-se da cama e sentou-se numa cadeira, cabisbaixo.
- Como te sentes?
- Melhor – respondi.
- Ainda tens dores?
- Algumas, quando me viro na cama.
- E a ferida está a cicatrizar?
- Pergunta-lhe a ela.
- E medicação? Tens estado a tomar tudo?
- Se quiseres leio-te o relatório médico, está ali na mesinha de cabeceira.
O moço louro percebeu que se era para continuar com a conversa fiada eu preferia descansar. Olhou para mim e murmurou:
- Desculpa.
- Porquê?
- Por te ter dado um murro.
- E a que propósito vem isso?
- A Ariel contou-me o que fizeste. Armaste uma chantagem qualquer com o Poseidon para lhe sacar coisas. E uma delas foi encontrar a Rose.
- Foi sim senhor. Eu também te devo um pedido de desculpas. Ter guardado o desenho com a tua namorada de maminhas à mostra foi de mau gosto.
- Amigos?
Cumprimentámo-nos. Aquilo estava a ficar muito lamechas para mim. Endireitei-me na cama.
- Olha, preciso que me faças um favor. Preciso que contes a toda a gente, mas à laia de rumor para não seres descoberto, que o Poseidon é gay.
O moço louro encolheu os ombros.
- Ah, isso já toda a gente sabe.
- Quê? – perguntei, surpreso.
Bateram à porta e entraram logo a seguir. O meu quarto andava muito concorrido. Era Ariel outra vez.
- O meu pai barricou-se no salão – disse ela – Já toda a gente sabe.
- Como assim, já toda a gente sabe? – perguntei eu.
- Um anónimo qualquer denunciou-o ao jornal – disse o moço louro - Está um verdadeiro escarcéu no oceano. Já te tinham contado, certo?
- Claro, claro. Aliás, eu soube mesmo pelo jornal – respondi.
***
Uma figura semi-nua e vestindo apenas umas cuecas repletas de escamas aproximou-se de uma cabine telefónica e enfiou uma conchinha dourada na ranhura. Esperou. Do outro lado:
- Diário Anémona, o bom jornalismo ao serviço do sensacionalismo barato. Para contactar com o nosso serviço ao leitor, prima um. Para denunciar uma personalidade pública que ande a usufruir da sua vida privada, prima dois. Para acusar alguém de violação, prima três. Para…
Um dedo elegante carregou na tecla com o número 2 e esperou que alguém o atendesse.
Todas as Terças e Quintas, novos episódios de Smith e as Sereias. E posso desde já declarar que a partir de agora a coisa vai começar a ficar mais animada por aqui. Não percam os próximos episódios.
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